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Encontros de Alvito: um festival que é mais do que um ponto de encontro

As oliveiras milenares, o povo amigável e um território em pleno Baixo Alentejo dão o…

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As oliveiras milenares, o povo amigável e um território em pleno Baixo Alentejo dão o mote para a edição zero do festival Encontros de Alvito. Mais do que dois dias de reflexão sobre ecologia, sustentabilidade, ciência e arte, a vila foi palco de muitos encontros. Um deles com mais de vinte anos.

E se as oliveiras conseguissem falar? Em Alvito, em pleno Alentejo, falam. E contam estórias de afazeres antigos, de outros tempos em que havia tempo para o próprio tempo. São elas as testemunhas enraizadas há milénios naquela terra, força motriz de um povo, que continua a assistir à cruzada do tempo. A mais conhecida de todas, a Oliveira dos Namorados, conta as estórias daqueles que outrora lavravam a terra, num misto de vozes. Conta ainda como nos seus troncos namorados se encontravam às escondidas para trocar juras de amor.

É esta árvore milenar, fruto do cruzamento de vários saberes e conhecimento, colocada ao lado do Castelo de Alvito, hoje Pousada do Castelo do Alvito, o símbolo da edição zero do festival Encontros de Alvito. Nos seus ramos acolheu uma instalação sonora, de 15 a 16 de outubro, resultante de um projeto de vídeo e arquivo etnográfico da Câmara Municipal de Alvito, e o nome não podia ser mais assertivo: “Amor à Oliveira”.

A edição zero foi mais do que um festival de dois dias: foi um ponto de encontro. Um encontro entre amigos, entre a arte, a ciência, a sustentabilidade e a ecologia, mas mais importante, um encontro esperado há mais de 20 anos.

A Vila de Alvito
Tem uma cruz ao lado
Quem manda na vila
Não lhe dá cuidado.
Maltezes ganhões
Sangue misturado
Na Vila de Alvito
É que eu fui criado.

A letra de Raul de Carvalho, poeta natural de Alvito, musicada pela voz de Adriano Correia de Oliveira (1971), é uma das músicas de intervenção que descortinam um Alvito de outros tempos. E descobrir a vila também foi possível através de atividades do festival. “À Descoberta de Alvito” foi a atividade de peddy paper com o Agrupamento das Escolas de Alvito para descobrir a região naquela tarde de sexta-feira e, mais tarde, sob o céu noturno do Alentejo, o festival arrancou oficialmente com o lançamento do vinho Encontros de Alvito, resultado da parceria entre a Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba, Alvito e o festival. No jardim da Pousada do Castelo, as Boina Cantary deram as boas-vindas a todos os presentes com o cante alentejano na voz feminina.

O prelúdio de um sábado quente e luminoso, recheado de atividades, já era dado pela animação que encheu a Praça da República, no centro da vila. Ao som de musicalidades brasileiras e portuguesas, a dança era obrigatória e vários conterrâneos encontraram-se naquela noite para um fim de semana recreativo.

O dia de sábado começou luminoso e cheio de vida. Logo pela manhã, às nove horas, 17 pessoas rumaram pelos caminhos de Alvito a Santa Luzia, numa caminhada com o arquiteto Luís Ferro e Lino Bicari. Para quem queria meditar e relaxar com os raios calorosos do sol de outono, a Ana Pinto, do projeto ThinkYoga, reuniu um conjunto de participantes no jardim da Pousada do Castelo, onde Nataniel, na outra ponta, preparava os materiais para a sua oficina.

Fausto agitava as maracas recicladas na mão. De chupeta na boca e divertido a abanar os feijões dentro da lata de sumo, segurando o pau apoiado na rolha de cortiça que impedia os feijões de fugirem, o pequeno de pouco mais de um ano de idade andava de um lado para o outro, junto dos pais, a abanar o novo brinquedo. “Acho que nos tempos em que vivemos temos que deixar aquela mentalidade consumista um bocadinho de lado, de comprar tudo novo, e ser um bocadinho mais criativos com a nossa vida”, afirma Nataniel Melo, músico e responsável pela oficina de instrumentos musicais e da oficina de eco percussão no jardim da Pousada. O segredo é “tentar pegar nas coisas que já existem e adaptá-las, transformá-las e conseguir fazer delas coisas novas”.

Enquanto constrói uma flauta através de um cano de plástico, Nataniel explica como agora se dedica mais à eco percussão do que à construção de instrumentos. Mas na mesa da oficina, há de tudo um pouco para a imaginação comandar a ideia: desde canas de bambu, canos de plástico, rolhas de cortiça, feijões, baldes. A assistir de câmara em riste estão Beatriz e Zé Maria, de 11 anos, e Maria Rita, de 14, três dos cinco repórteres da Rádio Miúdos que vieram a Alvito fazer a animação no coreto da Praça da República. Juntos fazem a reportagem no local, em vídeo, enquanto que na praça está Solange, de 15 anos, com os colegas a conduzir uma das várias emissões ao vivo do evento.

Beatriz, Maria Rita e Zé Maria, três repórteres da Rádio Miúdos
Solange, a locutora da emissão da Rádio Miúdos no coreto da Praça da República

Junto ao coreto, numa ginástica evidente de mistura de sabores e odores gastronómico, estava Adbul Momen Bayasi que cozinhava pratos tradicionais sírios. “Em dezembro faço três anos que aqui estou em Alvito”, conta o sírio, oriundo do Egito. Veio para Portugal com os pais e um irmão e garante que gosta de viver em pleno Alentejo: “Gosto muito, mas para o meu azar não encontrei o meu trabalho aqui, o meu trabalho é noutro lado, mas moro aqui e gosto muito!” Quanto à comida tradicional, o sucesso foi evidente: Adbul esgotou todos os seus pratos à hora de jantar.

Durante o sábado quente de outono, a programação das atividades estava bem distribuída: era fácil participar ou espreitar cada uma. Da música, com Nataniel Melo, da meditação, com Ana Pinto, o salto foi feito para a dança, na oficina de Danças Europeias no Pátio Bon de Sousa. Se existia alguma timidez por parte dos participantes, depressa se extinguiu: a facilidade com que todos aprendiam os passos de danças da Irlanda, da Itália ou de Espanha transformou a atmosfera de um modo vibrante até à hora de almoço. Mais tarde, esses passos serviriam para impressionar e impulsionar outros a participarem no baile das danças europeias até porque as tradições não têm idade.

Este cante alentejano não é para velhos

O encontro agora é na Associação do Grupo Coral Papa Borregos de Alvito. Logo à entrada sente-se o cheiro do carvão no grelhador, pronto a assar umas febras. Quem calcorreia a rua de paralelos ouve ao longe a animação que dentro do estabelecimento se sente. Há quem dance, há quem coma e beba, há rajadas de palmas quando, na mesa do fundo, um conjunto de homens acaba de cantar. São eles o Grupo Coral Bafos de Baco, de Cuba, a entoar o cante alentejano de outros tempos.

São jovens na casa dos 30 anos que estão sentados a cantar e quem conhece as músicas, acompanha; quem não sabe a letra, segue com um movimento pendular de cabeça. Não há distinção entre o grupo e os participantes. Todos estão envolvidos num ambiente intimista e fraterno de cante alentejano. António Batista Caixeiro, de 30 anos, é um dos responsáveis pela criação deste grupo e junta-se a ele, numa surpresa agradável para os presentes, Celina da Piedade, cantora, compositora e acordeonista.

A voz feminina une-se e a animação estende-se por algumas horas, que vão valendo algum choro de emoção, sorrisos e danças. “Eu acho que o público que tem este tipo de encontros, de eventos, vem uma vez e depois quer voltar sempre. Isso mostra bem a falta que nos faz termos este tipo de oportunidades”, conta Celina da Piedade à saída do Papa Borregos. A cantora veio juntar-se a amigos da vila e partilhar um bom momento. Aponta que eventos como estes são cada mais importantes dado que lugares como Alvito estão mais magros: “Achamos maravilhosos [estes lugares e o interior do país], mas cada vez estão mais desertos e cada vez tem menos gente” e “oportunidades de não vir só ouvir cante alentejano, mas cantar, experimentar cantar, não vir só assistir a um concerto, e dançar também... Esta ligação é parte da programação. E acho que é uma coisa muito feliz.”

E se o cante alentejano não é apenas para velhos – há esta preocupação e preservação a cargo das gerações mais novas –, também não é apenas para homens: “O cante alentejano passou durante muitas décadas essa imagem de que era uma prática de homens, mas na verdade foi uma imagem que foi criada pelo Estado Novo que ditou uma regra em que os grupos de cante alentejano só poderiam ser formados por homens”, explica Celina da Piedade, também ela investigadora no Instituto de Etnomusicologia – Centro de estudos em música e dança (INET-md) da NOVA FCSH. Só em 1979 é que “começaram a surgir grupos femininos” e tem sido “uma prática crescente, há mais grupos femininos e grupos mistos”, até porque são as mães e as avós as primeiras professoras, comenta Celina. “Estes homens aprenderam com as mães, com as avós, que sempre cantaram no trabalho, em casa, nos seus afazeres”, e de facto, aponta a investigadora, “a mulher sempre teve um papel muito preponderante fora deste contexto formalizado do cante e agora finalmente faz parte de grupos corais”.

A cantora faz parte da PédeXumbo, associação que nasceu no seguimento do Festival Andanças, e que realiza, entre outras atividades, oficinas de cante alentejano, oficinas de dança e promove a filosofia de “vivenciar e experimentar”. A PédeXumbo e o Festival Andanças marcaram presença nas Conversas sobre Comunidade, Sustentabilidade e Voluntariado na Biblioteca Municipal, com a moderação de Guadalupe Portelinha, na tarde de sábado.

Rui Leal contou a sua experiência como voluntário no Festival Andanças: “É amor à camisola”, porque “isto é uma história de amor e também é sustentável, porque, como alguém disse, love is work in action. Se não for feito por amor, também não é sustentável”. Essa união e entusiasmo também foi visível no relato de Manuela Castro, médica de profissão, que acabou por se render a um encontro feliz com este festival, ainda como enfermeira. Contou que sentiu uma atmosfera diferente daquelas onde já tinha estado como voluntária: “Não houve nenhuma violência nem uso de substâncias psicoativas. Os únicos feridos foram pessoas com farpas nos pés por dançarem descalços”, afirma. Acrescenta que foi o primeiro festival onde não encontrou “nenhum copo de plástico no chão” e desde que colabora com o Festival Andanças que a experiência tem sido um encontro multicultural feliz. Porém, comenta com uma certa tristeza que “o Festival é uma experiência social que se monta e desmonta todos os anos e infelizmente não se faz há três anos” devido à situação pandémica.

Nesta conversa também se juntou em videoconferência Lucélia Santos, atriz, diretora, autora e produtora brasileira, conhecida por vários papéis em telenovelas, sendo o mais icónico A escrava Isaura (1976). Criou o Coletivo Alvito, em 2019, com o intuito de agir na Europa para pressionar o governo brasileiro para a preservação da Amazónia e dos seus povos. É a autora do podcast Xapuri, onde se foca na questão ambiental.

Também Fábio Delduque esteve em videoconferência nesta conversa, no qual apresentou o Festival Arte Serrinha, em São Paulo, Brasil, e contou a sua paixão por Alvito desde 1998. À época, magicou com amigos europeus um conjunto de residências artísticas na vila com o nome “Oliveira Milenar”, por forma a honrar a história destas árvores. Mas o projeto, à época, não avançou. Foram precisos mais de 20 anos e um homem de nome Gonçalo Pôla para recuperar e tornar esta ideia num festival. Gonçalo teve, ao fim de duas décadas, o seu encontro mais esperado.

Voltar a casa e abraçar a comunidade

“Na minha vida isto tem mais de 20 anos.” A emoção é grande quando fala. “Eu sinto estes 20 anos cá dentro. São muitas vidas, muitas pessoas.” Com as lágrimas a assomarem-lhe no canto dos olhos castanhos, Gonçalo Pôla, o capitão deste navio chamado Encontros de Alvito, sacudiu o pó da caixa de ideias e projetos que estavam guardados desde 1997 e explica como tudo começou. “O Renzo Hildebrando era um suíço que nós conhecemos em Portugal, e ele nessa altura residia ao pé de Aljezur e juntou todo este grupo de amigos à volta dele como brasileiros, suíços, espanhóis.” “Havia uma série de nacionalidades que visitaram Alvito porque a minha mãe, entretanto, conheceu-os, e depois o Renzo reuniu todos os amigos de Alvito e, inspirados por Alvito, escreveram esse tal projeto de residências artísticas, mas faltava um mote, faltava alguma coisa que agarrasse esse projeto.” E não foi preciso ir muito longe: as oliveiras falavam por si e tornaram-se as personagens principais. Mas o primeiro desencontro aconteceu: o projeto de residências artísticas não foi avante.

E numa gaveta no quarto de Gonçalo, a ideia ficou arrumada. “Costumo dizer – utilizando aqui uma expressão de um dos nossos parceiros, o professor Jorge Gaspar – que foi uma janela para o mundo ter essas pessoas aqui aos 18 anos, quando ainda estudava em Beja. Eu já tinha viajado, mas não muito, e de repente essas pessoas trouxeram o mundo, foi o mundo que veio ter comigo”. Esse conjunto de amigos, porém, separou-se, cada um foi seguindo a sua vida e o projeto continuou ali, à espreita. “Eu vivia-o sempre em minha casa, ele estava presente cada vez que eu limpava o quarto, não eram muitas vezes [risos], mas ele estava sempre presente na minha vida”, solta um sorriso.

Até que as voltas da vida trouxeram Gonçalo e a sua família para Alvito e “há cinco ou seis anos contactei dois amigos, neste caso os mais fáceis de contactar, dois brasileiros”, e foram eles “o Fábio Delduque, que tem um festival há 20 anos em São Paulo” e o “Luís Cristelo que veio viver de novo para Portugal”.

Mas Gonçalo queria que o projeto olhasse para além de residências artísticas, queria que o projeto “abraçasse a comunidade, que tivesse outras áreas, cruzamentos artísticos porque isso interessa-me bastante, interessa-me os cruzamentos, as redes, interessa-me os abraços, os encontros”. E surgiu a ideia deste festival, o qual não consegue conter o orgulho e a emoção no brilho dos olhos. E tem a certeza quando fala em Tânia Baldê, a produtora do evento: “Se fosse com outra pessoa era impossível fazer isto.”

Um acaso tornou-se num dos encontros mais importantes para este evento. Em março deste ano, Tânia e a sua família, em conjunto com um casal amigo, viajaram para Alvito para ver uma quinta que estava à venda. Ficaram encantados e no turbilhão de ideias para aquele espaço e para a preservação das oliveiras milenares, o marido de Tânia disse-lhe: “Já viste, mas não há ninguém na rua” e, num olhar, Tânia atira-lhe: “Olha ali um casal jovem tão bonito e com um filho a passear” e quando se apercebe, era a família de Gonçalo. Cumprimentaram-se e o resto é história.

De um encontro ocasional, seguiram-se meses de trocas de ideias entre os dois. Nos entretantos da vida, Tânia tinha desistido de fazer produção porque não sentia “uma certa verdade” nos eventos. Mas em Gonçalo, essa verdade já o habitava há mais de duas décadas: “É a pessoa mais espetacular com quem eu já trabalhei no meio da produção e da cultura, não tenho dúvida nenhuma disto que estou a dizer. Há poucas pessoas com... Não é só com o saber-fazer, mas com a sensibilidade para fazer da melhor maneira” e “depois para além da sensibilidade, há uma coisa que para mim é mais importante, que é verdade, este homem carrega a verdade consigo. Ele não está aqui inventar projetos para conseguir o seu posto de trabalho”, continua, também emocionada, “isto é uma oferta para a comunidade”.

Tânia sentiu que Gonçalo queria levar o mundo para os (ainda poucos) jovens que estão em Alvito, tal como lhe aconteceu aos 18 anos. Que quer mostrar que é precisa uma verdade e uma persistência por aquilo em que se acredita porque “arrancar com um festival depois de dois anos em que tudo fecha é preciso uma coragem imensa, é preciso realmente esta verdade e um bocadinho de loucura à mistura”, comenta entre gargalhadas. “Foi a coisa mais feliz, a de encontrar a Tânia, mesmo a sério”, reforça Gonçalo. Encontros que estavam destinados.

Luís Nunes conheceu Alvito aos 10 anos através de uma amiga. No verão, juntava-se com ela e com um grupo de amigos e viajavam de Lisboa para Alvito. Ao longo da sua adolescência, as viagens para a vila já faziam parte da rotina. Até que os pais de Luís também se apaixonaram pelo encanto de Alvito e decidiram comprar uma casa degradada e restaurá-la. “É aquela a minha casa, a casa dos meus pais”, aponta para as paredes brancas e bordas azuis da casa no largo da Praça da República. “Nós somos aquele típico caso clássico de família lisboeta que encontra refúgio no Alentejo, aquele clichê. Mas há uma razão para isso, é um clichê porque este sítio é magnífico e para quem é de Lisboa isto é um refúgio perfeito, é um luxo, é um equilíbrio perfeito”, afirma.

Luís é mais conhecido por Benjamin, o cantor e compositor que veio de Londres com a intenção de começar a cantar em português. Benjamin decidiu viver no Alvito durante dois anos e pediu o sótão aos pais para montar o seu estúdio. Lá gravou e editou o seu primeiro álbum, Auto Rádio. “Eu andava à procura de uma maneira de fazer canções em português. Eu não sabia fazê-las, então era um período experimental do ponto de vista da escrita para mim” e a inspiração ia surgindo, muitas vezes das próprias pessoas da vila, em especial do Quinito. “Toda gente sabe que o Quinito foi para a Guiné. E é uma espécie de uma piada interna de quando disse à malta de Alvito, ‘ah, vou escrever uma canção do Quinito e da Guiné’, e toda a gente percebe a piada da canção, que não é piada, é uma piada supercarinhosa, obviamente, porque eu gosto muito dele”, relembra Benjamin.

Neste período entre 2015 e 2017, Benjamin e Gonçalo Pôla tiveram uma ideia: porque não fazer um videoclipe com as pessoas de Alvito a dançar? Gonçalo Pôla trabalha com vídeo e a ideia de abraçar a comunidade neste projeto entusiasmou os dois. “Tivemos seis meses num processo de tentar convencer as pessoas a dançar”, e o Quinito foi o único homem que apareceu nos ensaios, mas “depois os outros homens gozavam com ele porque dançar não é... há aquele estereótipo”, Benjamin conversou com ele e disse-lhe “Quinito, precisamos de si” e o homem voltou aos ensaios. Esta produção resultou num videoclipe muito sincero da população e da vila, e Benjamin afirma com convicção que sem Gonçalo “não era possível”. E de um videoclipe, seguiu-se um documentário.

Naquela tarde de sábado, Benjamin estava nervoso com o concerto no Pátio do Castelo. Os dois concertos que deu em Alvito no passado não correram como planeou e esta “é realmente a vez em que eu quero vingar-me desses dois concertos. E acho que vai ser fixe”. A caminhar pela Praça da República, e ao cruzar-se com as senhoras que apreciavam a emissão da Rádio Miúdos, Benjamin atira-lhes: “Não se esqueçam, há concerto mais logo. Espero ver-vos lá!” As senhoras gracejavam e abanavam verticalmente a cabeça. À noite, a lotação estava esgotada e Benjamin atuou para familiares e amigos, numa noite que, certamente, vingou os dois primeiros concertos na vila e que teve direito a um dueto com AP Braga.

Sentir o pulsar da terra e repensar os territórios do interior

“As oliveiras são símbolo da paz” começa por explicar Patrícia Vieira “quando ocorreu a grande inundação bíblica, foi o ramo de oliveira que a pomba trouxe. É um símbolo da paz e eu acho que por isso, também, tenho essa ligação especial” afirma a investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e uma das autoras do livro The mind of Plants, que apresentou na primeira sessão das Conversas sobre Arte, Ciência e Ecologia na Biblioteca Municipal Luís de Camões, moderadas por Guadalupe Portelinha.

Na sessão matutina, Patrícia Vieira refletiu sobre o papel das plantas e demonstrou, através dos seus projetos e investigações académicas em conjunto com uma bióloga e um poeta, que as plantas também pensam e têm capacidade de tomar decisões. Mais: que todos os seres humanos têm uma relação pessoal com, pelo menos, uma planta.

O livro The mind of Plants demonstra, através de ensaios de, entre outros, etnólogos, biólogos ou cientistas, como é que uma planta ou uma árvore pode ter um impacto profundo e uma relação duradoura com o ser humano. Patrícia Vieira escolheu a oliveira: “Por um lado, há uma ligação pessoal que todos nós, portugueses e portuguesas, temos, que é o facto de consumirmos azeite diariamente e portanto temos essa ligação que incorpora as oliveiras no nosso próprio corpo”, mas existe ainda a ligação familiar, o laço com os avôs e o vínculo ao seu filho, continua “plantei uma oliveira quando o meu filho fez um ano de idade e [esse episódio] está no livro porque o segundo nome dele é Frederico, e Frederico significa ‘aquele que reina com paz’ e portanto vem daí [a relação pessoal com a oliveira]”.

Uma das reflexões que Patrícia trouxe à mesa a prática do olival intensivo no Alentejo. Será que seria economicamente viável ter uma produção artesanal de azeite? A pergunta, por si só, gerou polémica no público que, no final da sessão, debateu esta questão. A professora catedrática da Universidade de Georgetown defende que “não podemos ter uma atitude elitista e dizer que só as pessoas ricas é que podem consumir azeite porque o azeite vai tornar-se tão caro que mais ninguém pode ter acesso”, mas acredita que “o ideal seria termos uma agricultura que não usasse nem pesticidas nem fertilizantes e, portanto, que não contaminasse todos os terrenos à volta. Seria o ideal”.

Mas do ideal ao real, ainda há um longo caminho a percorrer. É por isso que José Tribolet, professor catedrático do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Técnico de Lisboa, defendeu durante a sua exposição que é preciso identificar os problemas vitais de uma comunidade e encontrar soluções através da ciência e da tecnologia. “E para isso é preciso ir chatear reitores das universidades, são precisos projetos da Academia”, vinca.

À distância de um clique, também participou Ernst Gotsch, agricultor e investigador suíço há mais de 40 anos que promove e desenvolve técnicas de agricultura sustentável. Em conjunto, Ernst e o festival Encontros de Alvito lançaram o projeto Floresta Pedagógica para garantir, por um lado, “padrões de consumo e produção sustentável e, por outro, proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, propondo a criação de uma Floresta Pedagógica e Comunitária no concelho de Alvito”, lê-se no website oficial.

Para isso, Ernst vai utilizar os seus métodos conhecidos como “Agricultura Sintrópica”, em que faz a simbiose entre práticas ancestrais e novos métodos de produção agrícola, pouco poluentes para o ambiente. O exemplo mais notável do agricultor é a sua quinta na Bahia, no Brasil: recompôs 410 hectares de terras deterioradas que levou ao ressurgimento de 14 nascentes e cativaram o reaparecimento de espécies de fauna nativa.

E se da terra se pode colher uma agricultura mais sustentável, também se pode colocar o sol como o centro do sistema das energias renováveis, não fosse essa a provocação da primeira cooperativa de energias renováveis do país, a Coopérnico. A representá-la nesta primeira conversa esteve Rui Valente e Luísa Lourenço. Explicaram o percurso da Coopérnico, fundada em 2013, e que já conta com mais de dois mil cooperantes. A ideia é utilizar a energia fotovoltaica como alternativa à EDP através de cooperantes distribuídos em grupos locais.

“No que estamos agora, também, a trabalhar, é a ter junto dos grupos locais o estímulo às comunidades de energia, no fundo promover a partilha de energia”, ou seja, “entre vizinhos poderem instalar os seus próprios painéis nos prédios ou nos bairros e partilharem a energia e até fomentar o mercado”, explica Luísa Lourenço. E ajudar quem precisa, acrescenta: “Essa comunidade de energia até pode ceder energia a pessoas que não tenham neste momento capacidade.” Em Beja e em Évora ainda há poucos cooperantes da Coopérnico, mas são iniciativas como o festival que demonstram “alguma dinâmica [ao território], o que é importante”, concordam Rui Valente e Luísa Lourenço.

É importante ainda debatê-los nos territórios em questão, vivenciá-los na própria pele, acredita Paula Vieira: “Acho que este tipo de encontros faz todo sentido. Pensar sobre estes temas numa zona em que se vivem estes problemas diariamente e que têm contacto direto com este tipo de questões diariamente.”

MIMMO Epifani
Braima Galissá
Sérgio Cobos
O espetáculo E-NXADA, circo contemporâneo, teve lugar na Praça da República.

Os Encontros de Alvito foram, durante dois dias, muito mais do que um festival: foram o ponto de encontro entre saberes, reflexões e vivências, uma forma de refletir os territórios, Alentejos dentro de Alentejos, que ainda são o berço de crianças que mais tarde se vão tornar os adultos de amanhã. “É isso que a gente espera das pessoas, que elas se juntem a essa ação e que vejam que estamos a fazer isto por um bem maior”, defende Gonçalo Pôla. Para Benjamin, “o que esta intervenção está a fazer é mesmo muito importante e acho que pode ser a mudança. O sucesso desta iniciativa pode representar uma mudança muito positiva para Alvito, para a juventude de Alvito, para a cultura em Alvito, para o seu empreendedorismo, para a economia do Alvito”, defende o músico.

Pelos vários palcos do Encontros de Alvito passaram concertos com o grupo musical De Moda em Moda, com Edgar Baleizão e Tiago Dores, um duo entre AP Braga e Mimmo Epifani, Sérgio Cobos, Braima Galissá com o seu Kora, e ainda o espetáculo de circo contemporâneo E-nxada. A noite terminou ao som da DJ Candy Diaz, na Praça da República. No rescaldo da edição zero deste festival, provou-se que é possível criarem-se ligações após vários desencontros, afirmar o território em parcerias e iniciativas ecológicas sustentáveis e contribuir para a comunidade. Mais uma história que se acrescenta às inúmeras da memória de um povo e que se espera renovada no próximo ano.

Texto de Ana Sofia Paiva
Fotografias de Jenniffer Lima Pais

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