No âmbito da 9.ª edição da mostra de dança New Age, New Time (NANT), estreia amanhã, dia 24 de novembro, às 21h, no Teatro Viriato, o novo espetáculo de Margarida Belo Costa, no qual a coreógrafa nos desafia a pensar nas mulheres do universo de Fausto, de Goethe.
Inspirado nas figuras femininas que integram aquela obra literária, “Faustless” reflete sobre o papel da mulher enquanto protagonista de vários quadros do percurso de um homem que é conduzido dramaticamente entre o bem e o mal. Estas mulheres têm em comum a função de “servir” a história de um homem que, de certa forma, se apropria da sua existência para seu usufruto, salientando que o seu objetivo primordial de vida é a “procura do conhecimento ilimitado”.
Partindo deste estímulo, nesta criação, as personagens femininas são convidadas a visitar a contemporaneidade a questionar o seu papel histórico. Simultaneamente, é desenvolvido um paralelismo com um quotidiano próximo de qualquer episódio real, semelhante aos dias de hoje. “Comecei a tentar perceber porque é que essas personagens não poderiam ser também principais, no sentido de olhar da perspetiva delas para a história. Como é que elas sentem cada episódio, cada momento, cada quadro da obra? O que fui tentar pesquisar e tentar absorver ao máximo foi como é que aquelas mulheres interferiam na vida do Fausto. Obviamente que depois fui-me desligando cada vez mais do Fausto, até que tentei começar a trazer a própria personalidade dessas mulheres e trazê-las para um quotidiano, trazê-las para um contemporâneo, para os dias de hoje. Trazer aquelas sensações, daquelas vivências, daqueles episódios, para os dias de hoje”, partilha, com o Gerador, a coreógrafa Margarida Belo Costa.
Em “Faustless”, estas personagens tornam-se humanas, transversais a qualquer religião, poder, raça e política. Dá-se a conhecer o potencial máximo de cada personalidade, criam-se ligações entre personagens outrora inexistentes, relações, visões semelhantes ou completamente díspares — deixam de ser goetheanas, tornando-se dignas de uma história individual. “Temos uma mulher, a Gretchen, que é uma das personagens principais do Fausto. É a mulher por quem o Fausto se apaixona, que é muito nova, engravida e, mais tarde, acaba por matar o filho, cometer um infanticídio, e acaba por ficar com um trauma psicológico complicado. Quis trazer essas vivências para hoje e procurar como é que esses comportamentos se refletem no corpo e na própria conjugação de movimentos. Como é que essas personagens hoje em dia se iriam transformar, se iriam expressar”, partilha a coreógrafa, que trouxe, para este espetáculo, algumas personagens que achou que fossem "as mais consistentes", como Gretchen, a mãe de Gretchen ou a Bruxa.
Embora várias destas personagens não se cruzem dramaturgicamente na peça original, "em palco, acabam por se cruzar, porque, trazendo-as para os dias de hoje, há sensações que são muito idênticas. Acaba por haver aqui um cruzamento entre as personagens”, acrescenta.
Além dessa construção das personagens, Margarida Belo Costa focou-se também na sensação de dramatismo da própria obra, a "exigência descrita entre o bem e o mal", a "ideia do céu da terra." Nesta peça, que considera "pesada", todos os acontecimentos são trágicos. Como conta, “o Fausto faz um pacto com o diabo, que o acompanha a vida toda. O seu potencial de vida é ter o conhecimento absoluto. Obviamente que este lado negativo vai estar presente também e vai ao encontro das personagens femininas.”
A coreógrafa procurou trazer “esse lado negativo, esse lado escuro, esse lado questionável que não sabemos o que é que é” e transcrevê-lo para o corpo: “Tenho uma secção de movimento em que não somos personagens, somos apenas essa sensação, essa sensação de suspense, de perceber o que é que está no escuro, O que é que de repente se transforma daquele escuro? E transforma-se em quê? Qual é a materialidade desse escuro? Vou fazendo um paralelismo também com este lado obscuro que todas as personagens atravessam.”