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Festival Curtas Vila do Conde (Miguel Dias): “A cara que o festival merece” na celebração de 30 anos existência

O dia 9 de julho marca o início do festival de curtas-metragens de Vila do Conde. O evento que tem como tema “A cara que mereces” realizar-se-á em 30 cidades para celebrar os seus 30 anos de existência.

Texto de Vanessa Lopes

Fotografia da cortesia de Miguel Dias

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Em vigor de 9 a 17 de julho, o festival Curtas Vila do Conde é marcado por um programa competitivo que inclui descobertas, nomes consagrados e olhares sobre a nova geração de realizadores acabados de sair das escolas de cinema. Assim, nesta edição podemos contar com as competições de curtas-metragens (Internacional, Nacional, Experimental, Curtinhas [filmes para crianças] e Take One! [filmes de escola], My Generation [filmes escolhidos por adolescentes]), que, a partir de inscrições de filmes recentes de todo o mundo, compõem um panorama da criação contemporânea deste formato até 60 minutos; Da Curta à Longa (novos filmes e longas-metragens de realizadores que progrediram da curta para filmes de duração mais convencional); Stereo (programa paralelo que inclui uma série de eventos culturais onde o cinema é complementado pela música, como filmes-concerto ou performances); In Focus e New Voices, programas monográficos dedicados à obra de um autor, já consagrado ou em plena fase de afirmação e Cinema Revisitado, um novo olhar sobre a história do cinema; e os Panoramas Português e Europeu.

Destaca-se a presença, no festival, dos realizadores espanhóis Carla Simón e Chema García Ibarra e a apresentação de um programa expositivo e cinematográfico por Marie Losier e David Legrand. Os programas de Cinema Revisitado terão enfoque na obra de António Campos, François Reichenbach e Alain Resnais.

Miguel Dias, um dos diretores do projeto, através de uma conversa via Zoom, conta-nos como tem sido a história e os desafios do festival ao longo dos últimos 30 anos.

Gerador (G.) — Qual é o balanço que fazes do festival ao longo destes 30 anos?

Miguel Dias (M. D.) — Pergunta difícil. Relativamente àquilo que nós estipulámos e que poderíamos prever quando o festival começou, o balanço é muito positivo e ultrapassa largamente aquilo que era a intenção, na altura. Não tínhamos nenhuma intenção muito concreta. Era um salto no escuro. Depois, correu tudo bem e foi ficando mais séria.

G. — Qual era a ideia inicial para a criação deste festival?

M. D. — A ideia inicial era fazer um festival em que as curtas-metragens fossem o centro do interesse, mas não tínhamos uma consciência das potencialidades que um projeto como este poderia ter. Confesso que, antes de começarmos a receber os primeiros filmes propostos e a ter uma ideia concreta daquilo que podíamos ter num programa, não sabia que o âmbito da curta-metragem era tão vasto, e que se continuava a fazer tantos filmes interessantes. Pensei que fosse uma coisa do passado, uma coisa um pouco cristalizada. Estou a falar do ano de 1993, quando começámos. Eu não sei quais eram as expectativas. Sei que não havia um plano a longo prazo. Aquilo que o festival é, neste momento, foi-se construindo. Nós somos extremamente exigentes e ambiciosos. E queríamos um bocado mais. Há sempre coisas por conquistar.

G. — Quais foram as principais mudanças a que assistiram nestes 30 anos de festival?

 M. D. — Acho que foi a consciência por parte dos poderes públicos na cultura. Consciência da importância da curta-metragem, do cinema de animação e do documentário. Criou-se uma abertura para fazer concursos específicos de apoio a projetos, que não existiam quando nós começamos. É a consciência de que nós fizemos a nossa parte através da visibilidade que o festival deu à curta-metragem. Essa é uma mudança muito importante. E ainda nos permitindo criar a competição nacional.

Ao nível de condições tecnológicas, houve uma progressão. O primeiro festival foi organizado, apenas, com uma máquina de escrever, um fax, e não um computador. Há uma série de evoluções na produção e na projeção de filmes, que obviamente modificou muito a própria maneira como os filmes são feitos. Quando começámos, só exibíamos filmes em película de 35 e 16 milímetros. Hoje, ainda temos alguns [nesse formato], mas é residual e quase inexistente.

Em termos de imagem e projeção as coisas são mais fáceis de produzir com um mínimo de qualidade. Mais fácil, mais barato e mais acessível. A possibilidade de se fazer um produto de qualidade mais acessível, por quem tiver uma boa ideia, sobretudo por questões financeiras, é maior.

G. — Como foi manter o festival e toda a dinâmica em tempo de pandemia?

M.D. — Como toda a gente, adaptando. Houve muitos eventos que foram simplesmente cancelados. Nós nunca apanhámos nenhuma fase da pandemia em que fosse interdito organizar o evento. Apenas tivemos de cumprir as recomendações, como ter menos gente e ter um programa mais reduzido. A questão das entradas e saídas das salas, a limpeza (que era uma obrigação) também fez com que houvesse menos sessões. Foi uma série de adaptações que tivemos de fazer. A maior adaptação foi a organização do festival em ambiente online, através de uma plataforma de streaming, com todos os filmes disponíveis devido à dificuldade das pessoas estarem presentes. Ainda estávamos perante uma situação pandémica e havia algum receio dos ajuntamentos. Por outro lado, estávamos limitados a 50 % da ocupação dos lugares. O online foi uma das maneiras que encontrámos para recuperar o público que se perdia.

G. — Porquê o nome “O Curtas que mereces”?

 M.D. — Isso foi inspirado num filme de um realizador, Miguel Gomes, que nós gostamos muito e que já mostrámos muitos filmes dele. Uma vez, fez um filme chamado A Cara que Mereces, sendo a primeira longa-metragem dele. O título do filme foi inspirado num ditado popular que diz: “Até aos 30 anos temos a cara que Deus nos deu e a partir dos 30 anos temos a cara que merecemos.” O [festival] Curtas tem 30 anos, logo a nossa cara será a cara que merece. Esperemos que continue a ser uma boa cara. Portanto, tratou-se de uma brincadeira e uma referência ao título do Miguel Gomes.

G. — Neste ano, que novidades trará o festival que começa no dia 9 de julho?

M.D. — As pessoas gostam muito de novidades. Mas, eu, pessoalmente, não considero que as novidades sejam algo de fundamental ou mesmo algo interessante num evento, ou num festival.Se analisarmos os festivais de maior reputação, por exemplo, o festival de Cannes, este mantém exatamente esta estrutura de programa há muitos anos. Ela perdura estável e sem grandes novidades. As novidades nesse festival e no nosso, são os filmes. Um festival como o nosso apresenta filmes em estreia absoluta. E, quando não é estreia absoluta, são filmes bastante recentes ou que foram mostrados há dois ou três meses.

A novidade está em todos os filmes. No entanto, a verdade é que, a propósito da data simbólica e da efeméride dos 30 anos, criámos um mote para as celebrações desse número redondo, para além do mote “A cara que merecemos”. Já tínhamos feito, nos 25 anos [de festival], uma viagem pelos filmes que marcaram a história do festival através de escolhas de outras pessoas que estiveram presentes. Por isso, não queríamos destacar, aqui, a história do festival através dos filmes. A maneira de assinalar 30 anos foi um pretexto para o festival viajar para outros locais.

Levamos o festival a lugares inéditos e inesperados. Falamos de locais que não são propriamente indicados para fazer exposições, nem para projetar filmes. Desta forma, a produção torna-se mais difícil. Aquilo que se passava no Teatro Municipal e na Galeria Solar estende-se, agora, para 30 espaços diferentes. Por vezes, são apenas apontamentos, como uma instalação de vídeo aqui, um debate ali ou um encontro profissional noutro lugar.

A novidade nisto é que não é algo para continuar. Será apenas uma forma de assinalar os 30 anos. Ao estarmos em 30 locais, aproximamo-nos da comunidade das freguesias. No fundo, desenhámos, na cidade, um percurso que pode levar os espectadores do festival à descoberta de outros lugares da cidade. Sejam eles, edifícios históricos, ruas, praças ou jardins. Irão receber uma pequena parte da programação do Curtas deste ano: filmes, exposições, obras de arte, workshops, concertos e performances.

G. — O que destacas na programação do festival deste ano?

M.D. — Eu gosto de destacar os programas principais, como a competição internacional e a competição nacional. Tem uma mistura de alguns realizadores mais experientes que já cá estiveram mais vezes e que foram premiados. O João González, um jovem realizador de animação, tornou-se agora conhecido do público português por ganhar o prémio principal numa das secções de Cannes. Temos também a Margarida Vila-Nova, que toda a gente conhece como atriz, mas que apresenta, aqui, a sua primeira obra como realizadora.

Depois de uma secção de cinema muito extensa com várias efemérides centenárias, como é o caso dos 100 anos do nascimento de grandes realizadores, vai ser apresentada uma série de sessões de filmes que vão ser, pela primeira vez, apresentados em Portugal.

Há uma projeção de cópias restauradas, cujo trabalho foi feito através do programa com o projeto “Filmar”, que recupera e disponibiliza as imagens que estão guardadas nos cofres do arquivo da cinemateca portuguesa e são disponibilizadas em cópias restauradas em formato digital. É tudo filmes de arquivo da cinemateca portuguesa, que vão desde 1912 a 1977. Uma figura menos conhecida na história do cinema, o francês Reichenbach, terá um programa em destaque no cinema revisitado. Este é um programa realizado em colaboração com a Casa do Cinema Manoel de Oliveira. Felizmente, existem muitas parcerias.

G. — Como é feita a escolha do júri de seleção dos filmes que são exibidos?

M.D. — Os júris das competições são profissionais do cinema de campos diferentes. Juntamos programadores com críticos, realizadores, distribuidores e músicos.

É um processo que começa em outubro, em que é feita a primeira reunião e em que selecionamos alguns filmes que recebemos durante todo o ano. Nós temos seis secções competitivas diferentes e nem sempre são as mesmas pessoas em todos elas. Na competição internacional, tivemos 12 elementos. No total, todas as secções têm mais de 20 pessoas a ver e a escolher filmes. Trata-se de um processo democrático em que os principais fatores são a soma dos critérios estéticos de cada um. Cada pessoa tem uma visão diferente e transporta-la para o coletivo. O primeiro critério é subjetivo, é um critério geral de qualidade. Para além disso, tentamos sempre ter filmes que sejam inéditos, ou pelo menos muito recentes, uma descoberta para a maior parte das pessoas que aqui vêm.

Existem outros critérios importantes: a representatividade geográfica. Em primeiro lugar, representatividade europeia e da União Europeia. Em segundo lugar, representatividade internacional. Tentamos ter exemplos de obras de várias regiões do mundo de forma a sermos mais ou menos abrangentes.

G. — Quais são as perspetivas para o futuro?

M. D. — As perspetivas deveriam passar sempre por haver uma evolução a nível organizacional. Isto é, ter uma equipa mais permanente que responda a todas as questões e a todos os desafios. É sempre difícil para nós.Seria melhor se tivéssemos uma equipa, mas, por questões de orçamento, torna-se complicado. Não é um problema nosso, é um problema de financiamento. A cultura em Portugal, que toda a gente conhece, não consegue cobrir esses custos. Por isso, não há nenhum festival de cinema em Portugal que possa ombrear com os principais festivais de cinema no estrangeiro. Portugal é um país periférico que está longe dos principais centros da indústria cinematográfica, já para não falar da americana. Está muito longe dos grandes países europeus. Tudo isso cria desafios e dificuldades ao próprio festival.

Embora sejam tempos de muita incerteza e de dúvidas, nomeadamente no caso do cinema que está em constante mutação nas suas formas de apresentação, o futuro está em assegurar que as condições mínimas continuam a ser garantidas. Com todas estas incertezas em relação ao futuro do cinema, estamos a viver uma época muito estranha que nunca tínhamos vivido, com uma pandemia seguida de uma guerra em plena Europa. Portanto, acho que o futuro do festival também depende um bocadinho de todos esses fatores externos.

O Gerador é parceiro do Festival Curtas Vila do Conde

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