Sob o signo da reflexão, decorre no próximo dia 19 de novembro, a 3.ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Num ano marcado pela pandemia, as cidades de hoje (e do futuro) – nomeadamente a cidade de Abrantes – e muitas outras problemáticas que impactam o mundo atual servem de mote para uma iniciativa que irá decorrer, pela primeira vez em formato digital.
“Cidade, árvore que nos abriga e raiz que nos sustenta” é o tema proposto para se iniciar a reflexão deste festival, surgido em 2017, com o objetivo de “pensar a cidade e ir afinando um conjunto de estratégias para a a valorização do território”, explica Luís Dias, vereador do Câmara Municipal de Abrantes. Já o tema para este ano, conta, foi inspirado no discurso do cardeal e poeta José Tolentino Mendonça, que presidiu às comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 2020.
“Apropriámo-nos do discurso do cardeal com o seu consentimento. Esta ideia dele ter sempre uma árvore em todos os seus livros e até mesmo da árvore enquanto enquanto lugar de abrigo e enquanto raiz que sustenta todo um ecossistema, encaixava naquilo que pretendemos debater”, sustenta, acrescentado que a ideia ganhou forma depois de algumas conversas com o filósofo Onésimo Teotónio Almeida – um dos conferencistas desta edição – onde se tornou “evidente esta temática do nós, enquanto cidade, espaço de interação e enquanto lugar onde as pessoas se encontram. De tudo para todos e de todos por todos”.
A presente edição que decorre no Dia Mundial de Filosofia vai acontecer num formato diferente das edições anteriores, com o programa concentrado num só dia, devido à situação de pandemia provocada pela Covid-19, sendo a maioria das comunicações previamente gravadas e transmitidas online, nos canais digitais do município de Abrantes.
Francisco Lopes, director da Biblioteca António Botto, em Abrantes, e um dos responsáveis pelo festival explica que o problema da pandemia, acentuou a necessidade de discussão sobre a “sociedade e território”, encarando-o como “uma oportunidade de discussão dos problema do quotidiano”, que pelo seu formato online, contribui igualmente para a “afirmar Abrantes, numa área de escala nacional e supranacional, trazendo à discussão os problemas do nosso tempo”.
O Festival de Filosofia de Abrantes arranca então com o tema “Os tempos da cidade”, à responsabilidade do historiador e académico titular da Cátedra UNESCO em Gestão das Artes e da Cultura, Cidades e Criatividade, João Serra. Este primeiro momento será transmitido às 09h45, logo depois da sessão de abertura, agendada para as 09h30, a cargo do presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos.
João Seixas, investigador nas áreas dos estudos urbanos, da sociopolítica, geografia e economia das cidades e das metrópoles, abordará, por sua vez, o tema “Cidade e humanidade”, num vídeo que estará programado para as 10h10.
“A cidade contemporânea, metabolismo urbano e reinvenção do quotidiano” será o tema da terceira comunicação, por parte de António Covas, professor catedrático e autor de diversas publicações sobre desenvolvimento territorial e cidades inteligentes e criativas, com intervenção prevista para as 10h35, encerrando o painel da manhã.
Onésimo Teotónio Almeida, orador da edição 2017 do Festival de Filosofia de Abrantes, é o convidado para uma “comunicação em linha”, a transmitir às 14h30, que será “a única transmissão em direto e a incluir uma interação com alguns alunos do ensino secundário”. “Quem não é da sua terra não merece ser de parte nenhuma” é o título da comunicação do filósofo e também professor na Universidade de Brown (EUA), onde é catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, tendo presidido em 2018 às comemorações do Dia de Portugal.
Já Álvaro Domingues, geógrafo, investigador e autor de livros sobre políticas urbanas, fará uma comunicação subordinada ao tema “A condição urbana: a cidade como metáfora”, pelas 18h00, encerrando o evento.
Embora o festival tenha o mote de discutir a cidade de Abrantes e a região onde se insere, há aspetos que ultrapassam essa mesma lógica, conferindo ao festival uma abrangência mais global. “Temos algo que não perdemos de vista: pretendemos fazer o festival no sentido de valorizar o nosso território, mas não numa lógica isolacionista. Queremos que tenha uma lógica de rede e de multipertença, porque fazemos todos parte de um território mais vasto. E isto é especialmente importante no mundo atual onde vemos atitudes de exclusão, chauvinismo e de isolamento”, sintetiza Francisco Lopes.
Por seu lado, Luís Dias explica como o festival – que se realiza anualmente, à exceção do ano anterior – tem ajudado a trazer novas dinâmicas para a própria programação cultural da região, criando ainda uma lógica em rede com as próprias escolas do concelho.
“Este festival sempre foi interpretado numa dimensão não académica, tanto que temos apostado em dinamizar projetos paralelos, de filosofia com crianças e com as escolas, e de ir construindo também diferentes programas culturais associados ao próprio festival que permitam novas dinâmicas com os jovens, mas também com o tecido empresarial e associativo”.
Sendo o festival uma iniciativa da Câmara Municipal, o vereador sublinha também como associar a filosofia tem sido uma forma de conferir outras “mundividências” na cidade, promovendo a “inscrição da cultura no seio das políticas governativas”.
O debate filosófico em torno da cidade e do território tem-se tornado, desta forma, numa forma de pensar sobre a “noção de paisagens culturais humanizadas e de transformar o território num espaço onde existam interstícios de pensamento e de ação”, que em última instância possam também servir de convite para que outras pessoas visitem e se fixem na região.