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Filipa Biscaia: “Quero ser eu, acima de tudo, com todas as influências atuais que levo”

Natural de Coimbra, Filipa Biscaia lançou em maio o seu disco de estreia, “Dois a Dois”. Influenciada desde muito nova pela música de intervenção, é no fado que a cantora encontra a sua maior inspiração, através do qual, à sua maneira, deseja difundir a cultura portuguesa. Ao Gerador, comenta o seu percurso profissional, as tradições coimbrãs e o processo de construção do álbum.

Texto de Analú Bailosa

Créditos: Cortesia de Filipa Biscaia

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Conversámos, por telefone, com a artista, que iniciou a sua carreira musical em contexto universitário, quando foi solista da Tuna Feminina da Universidade de Coimbra, a qual chegou a dirigir artisticamente. Hoje reside na capital e, depois de deixar o trabalho de engenheira, passa a dedicar-se ao Fado de Lisboa, sem se desconectar daquilo que está nas suas raízes.

Gerador (G.) — Conta-nos um pouco mais sobre o teu percurso. Como é que passaste do meio académico para algo mais profissional?

Filipa Biscaia (F. B.) — [Através das tunas] foram surgindo contactos e conheci os sócios de uma casa que promove o fado em Coimbra, a Fado ao Centro. Em 2015, eles abriram uma casa em Lisboa, convidaram-me para entrar no elenco, e assim comecei a cantar o fado de Lisboa. Passei a interessar-me mais por isso, e, naturalmente, fui vindo a Lisboa regularmente, para conhecer mais do cenário e das pessoas. Em 2019, vim morar para cá e fiquei por aqui.

G. — Já tiveste a experiência nas tunas e na casa em Coimbra. Qual é a tua leitura da tradição do fado coimbrão, não cantado por mulheres? Achas que isso já foi ultrapassado?

F. B. — Ultrapassado não foi, porque se não teríamos mulheres a cantar nas casas e nas serenatas monumentais. Acho que é uma regra retrógrada, que acontecia porque havia poucas ou nenhuma mulher a estudar na universidade, já que as serenatas eram conduzidas pelos estudantes. Penso que o fado de Coimbra, nesse sentido, ainda não evoluiu. Quando eu comecei na música mais a sério, queria muito cantar o fado coimbrão, mas foi-me negado, então decidi gravar dois temas de Coimbra no meu disco.

Em Lisboa não sinto tanto isso, porque aqui não se conhece muito a tradição coimbrã e não há muita noção que isto acontece – que as casas de fado não aceitam mulheres, assim como a secção de fado da Academia, que não aceita mulheres nem a cantar, nem a tocar. Não estou, neste momento, a par da situação, mas sei que, na altura, era impensável. Hoje em dia, não sei se é o caso das próprias mulheres não o quererem fazer, mas a verdade é que isso existe.

Eu achei que fazia todo o sentido tê-lo no meu disco, dadas as minhas raízes. Mesmo no fado de Lisboa e no folclore, acho que se nota que a minha interpretação tem influências de Coimbra. Espero que chegue a mais pessoas desse contexto, que gostem e que haja uma mudança na mentalidade – há de acontecer, eventualmente.

G. — Acreditas que as tunas têm um papel nesse sentido de encorajar as mulheres a seguir esse caminho?

F. B. —Tendo integrado uma, acho que, infelizmente, as tunas não chegam a toda a gente. Há trabalhos muito bons e acho que o papel delas é muito importante, não só na divulgação do fado. Normalmente, quem integra as tunas é a malta jovem, que é quem tende a levar a tradição mais longe, então acredito que é muito importante mantermos este espírito e o gosto pela música tradicional. Eu nunca senti rejeição pelo fado de Coimbra cantado por uma tuna, mas vai sempre soar diferente, porque não é só a guitarra e a voz, há os arranjos vocais e instrumentais.

Créditos: Luis Carvalhal
G. — Conheces ou tens relações com outras artistas mulheres que também cantam o fado de Coimbra?

F. B. — Conheço quem faça o mesmo, mas nunca cheguei a trocar ideias em relação a isto. A minha história é um bocadinho diferente: não canto o fado de Coimbra porque o comecei a ouvir na universidade, como a maior parte das artistas que eu conheço, eu nasci a ouvir o fado coimbrão.

G. — Quando passas a ter a certeza do teu caminho na música?

F. B. — Eu comecei a sentir que isto se tornava um bocadinho mais sério a meio do meu percurso, quando ainda estava a cantar na casa de fado em Coimbra. Tinha muitos espetáculos fora e passei a cantar regularmente na Casa do Alentejo, em Lisboa, a convite do Fado ao Centro. Tive de escolher se fazia o meu trabalho de dia ou de noite, porque, a certa altura, não conseguia fazer as duas coisas. A minha escolha foi cantar, então arrisquei e deixei o meu trabalho de engenharia.

G. — Sobre o “Dois a Dois”, o que nos podes dizer sobre o processo criativo?

F. B. — Queria que este disco fosse um disco de apresentação, que me apresentasse ao público desde as minhas raízes e influências em criança até aquilo que sou hoje. Está organizado cronologicamente de dois em dois géneros musicais, começando pelo fado de Coimbra – o primeiro a surgir na minha vida – seguido pelo folclore, o fado de canção e o fado tradicional. O reportório tem dois temas originais, que são os últimos, "O Que Hoje Sou" e "Rosa Secreta", o single do álbum. Quanto aos outros, eu fui fazendo pesquisas e pedindo opiniões. Foram quatro anos a pensar nisto, até que cheguei a dez temas que achei que faziam sentido para me apresentar.  

G. — Os originais são compostos por ti?

F. B. — “O Que Hoje Sou" foi escrito pelo André Dias e Bernardo Viana, os dois músicos do disco, que tocam a guitarra portuguesa e a viola, respetivamente. A letra é da Teresinha Landeiro, a quem fiz um pedido um bocadinho ousado: a minha avó faleceu há cerca de três anos e eu queria um tema dedicado a ela. Conversámos, eu expliquei-lhe mais ou menos como é que eu queria que fosse o tema e ela escreveu lindamente, acho que funcionou muito bem.

A "Rosa Secreta" é um tema do produtor do disco, Ricardo Dias, e de um poeta amigo dele, o João Barge. O Ricardo tinha este poema, que decidiu musicar e oferecer-me, e acabou por ser o single do disco.

Capa do disco "Dois a Dois"
G. — Tens interesse em explorar o trabalho de composição no futuro?

F. B. — Já não penso nisso, acho que preciso de mais experiência musical. Eu gostava muito, mas, como dizia a minha avó, "cada macaco no seu galho". Prefiro cantar e ter temas bons de pessoas que eu admiro.

Sempre tem um bocadinho do meu dedo, obviamente, tenho de sentir que aquilo é bom e faz sentido, mas acho que também tenho de ter inteligência o suficiente para assumir que eu não tenho capacidade para fazer isto em condições, então vou dar a alguém que o consiga fazer.

G. — E de que forma a tua música traz uma “roupagem nova e leve, sem esquecer os traços da música tradicional”, como diz a descrição do álbum?

F. B. — Naturalmente, eu tenho influências de um mundo diferente daquele de há 40 ou 50 anos. Cresci a ouvir outros géneros musicais e continuo a ser influenciada por eles, o que traz uma sonoridade diferente ao disco. Apesar da influência principal ser o fado, quando ouvimos o disco penso que não identificamos só o fado ali. Quero que as pessoas me identifiquem como a Filipa Biscaia. Claro que, se me compararem com um fadista que eu gosto, eu agradeço, mas quero ser eu, acima de tudo, com todas as influências atuais que levo. Tento ouvir o máximo de géneros diferentes, também para conseguir levar o fado a um sítio diferente.

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