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Lara Seixo Rodrigues: “Gostávamos de levar o Wool às aldeias do nosso concelho”

Foi em 2011 que Pedro Seixo Rodrigues, Elisabet Carceller e Lara Seixo Rodrigues criaram o…

Texto de Sofia Craveiro

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Foi em 2011 que Pedro Seixo Rodrigues, Elisabet Carceller e Lara Seixo Rodrigues criaram o Wool - Covilhã Arte Urbana. Este, que foi o primeiro festival de arte urbana do país, nasceu com a intenção de honrar a herança histórica do local e contribuir para uma dinamização da arte contemporânea. “A cidade é que nos inspirou”, diz Lara Seixo Rodrigues.

Uma década depois, a inspiração mantém-se. As paredes da Cidade Neve continuam a encher-se de arte trabalhada por grandes nomes nacionais e internacionais. Desde a sua fundação, o Wool já levou a cabo 43 iniciativas e 122 intervenções artísticas, realizadas por 46 artistas portugueses e 23 artistas estrangeiros. Outras tantas estão a decorrer. Apesar disso, a tarefa de fazer da Covilhã uma meca de arte urbana não se tornou menos pesada. “Trabalhar no interior não é fácil. É preciso o triplo, o quádruplo, quíntuplo de energia, de esforço, de dedicação, de amor, de paixão naquilo que se coloca”, diz a responsável.

Em entrevista ao Gerador, Lara Seixo Rodrigues faz um balanço positivo do trabalho desenvolvido aos longo destes anos, e reafirma a vontade de continuar a fazer do Wool “uma marca da Covilhã”.

Gerador (G.) – Decorridos dez anos desde a fundação do Wool, como avalia o percurso feito até aqui?

Lara Seixo Rodrigues (L.S.R) – O percurso foi longo. São dez anos e dez anos de muita luta, muito esforço, muita resiliência, mas também muito cheios. Nós temos mais de 40 ações [realizadas], fizemos muitas iniciativas no país inteiro. Começámos aqui [na Covilhã] e obviamente a cidade é que nos inspirou. O próprio nome do festival relaciona-se com a lã e a expressão wall (de parede), ou seja, foi um trocadilho que nós arranjámos para o nome e, realmente, [a cidade] foi aquilo que nos inspirou a fazer algo que depois ditou um bocadinho todo o percurso que nós fomos fazendo, não só em Portugal, mas que nos levou também até ao estrangeiro. Foi um percurso cheio de muita coisa e, obviamente, chegámos a um momento, há uns anos, em que definimos que era só na Covilhã que nós queríamos realmente usar esta designação de Wool e que fazia sentido, realmente, ser feito aqui nesta cidade. Foi um percurso duro, de muito esforço. Trabalhar no interior não é fácil. É preciso o triplo, o quádruplo, quíntuplo de energia, de esforço, de dedicação, de amor, de paixão naquilo que se coloca e temos a sorte de, ao longo destes anos, também ter colecionado – por assim dizer – parceiros que nos ajudam muito e sem eles isto era impossível de realizar.

G. – Porque considera ser mais difícil trabalhar um projeto destes no interior? Quais são os fatores que provocam essa dificuldade?

L.S.R. São vários fatores, de várias dimensões. Para colocarmos um festival em pé é preciso um financiamento. As coisas não acontecem do nada. É preciso trazer artistas até cá e estamos a falar de deslocações, estadias, alimentação, materiais, logística, a preparação toda que é feita [durante] meses e meses... ou seja, temos um aspeto de financiamento muito claro, muito direto e estamos numa região do interior, onde não existem grandes empresas que possam dar esse financiamento, onde as grandes empresas que existem em Portugal também não olham para o interior porque não está cá ninguém para eles venderem o seu produto. Portanto, é muito complicado a esse nível. Depois, também o que é a prática comum artística, do quotidiano, cultural e artístico, não é tão presente, não é tão enraizado. Se nós falarmos em formação de público, mediação de público, isso é algo que, aqui, é uma coisa permanente. Nós estamos sempre a dar formação. Ainda não atingimos os níveis de participação cultural que existem noutras regiões do país e, portanto, o esforço também existe aí.

G. – O que é que representa para a cidade este tipo de iniciativa, que envolve uma grande participação da comunidade?

L.S.R. Foi um dos objetivos iniciais do Wool, esta relação direta com o que é o local, este território e [a noção de] que estamos a falar não só da sua história – obviamente ligada aos lanifícios, o que poderá ser o fator mais óbvio –, mas a Covilhã é, na verdade, uma cidade muito rica a muitos níveis: a nível arquitetónico, paisagístico, natural, de personalidade incrível – a quantidade de personalidades que tiveram um papel muito forte, não só na Covilhã, mas também no resto do país. Portanto, tudo isso é fonte de inspiração e faz parte do tal pacote de informação que nós passamos aos artistas quando os convidamos para virem até cá e se debruçarem sobre uma temática. Obviamente este era o caminho que nós queríamos fazer. [Queríamos] que aquilo que nós fizéssemos, na rua ou no espaço público, as pessoas o entendessem como seu. E eu creio que desde a primeira edição nós conseguimos isso, que as pessoas entendessem.

Ainda hoje, passados dez anos, as intervenções que fizemos na primeira edição estão imaculadas, ninguém estraga. Nós sentimos, dessa forma, que existe um respeito. Os nossos guias do dia a dia são os vizinhos dos nossos murais, são eles que dão orientações aos visitantes para onde se devem dirigir para verem o próximo e, claramente, quando se fala da Covilhã muita gente – não só aqui [na cidade], mas lá fora também – se relaciona diretamente com a arte urbana. Portanto, mais do que eu dizer que faz todo o sentido esta relação do mundo com a cidade, eu acho que os factos comprovam isso.

G. – Ou seja, vocês já fizeram da arte urbana uma marca da Covilhã, é isso?

L.S.R. Claramente é uma marca da Covilhã, sim.

Da esquerda para a direita: Duarte Cavalinhos, Lara Seixo Rodrigues, Elisabet Carceller e Pedro Seixo Rodrigues, responsáveis pela organização do Wool
G. Houve, em algum momento, algum tipo de resistência à iniciativa, por parte da população?

L.S.R. Eu diria que existe sempre uma indiferença no início. É natural e acontece em todos os lados. Mas a partir do momento em que percebem realmente que aquilo que nós estamos aqui fazer é contribuir para a cidade, isso inverte-se completamente.

G. –Sentem que estão, de certa forma, a promover uma maior coesão territorial, por estarem a atrair pessoas para esta região?

L.S.R. Eu diria que sim. Nós tivemos a ouvir aqui [durante a conferência de imprensa de apresentação do evento] uma pessoa que disse que, não sendo de cá, optou por viver na Covilhã, porque se apaixonou pelo centro histórico através dos murais do Wool. Essa é uma das razões que nós podemos dizer que sim. Nós quando falamos de coesão territorial pode ser também a vários níveis: financeiro, económico, social, cultural... todos eles são muito importantes e a cultura tem sempre um papel fulcral nisso. Portanto, o facto de nós estarmos a fomentar um projeto que, na verdade, também é um produto turístico e, como produto turístico tem outro tipo de retorno e gera outro tipo de economia, claramente estamos a trabalhar para isso.

G. – Sei que realizaram já intervenções noutros locais, mas considerariam alargar o próprio festival a outras localidades da região? Ou, pelo contrário, será sempre focado na Covilhã?

L.S.R. Não. Uma das coisas que nós gostávamos de fazer era levar o Wool às aldeias, mas às aldeias do nosso concelho. Não há necessidade de sairmos da Covilhã. Existem muitos projetos a acontecer por Portugal fora também muito bons. Nós já fizemos esse percurso inverso, começámos aqui e andámos muito tempo por fora e depois é que voltámos, estabilizámos e decidimos mesmo que é aqui o Wool, sempre só aqui. Mas o “aqui” [é relativo]. Nós temos um território imenso, temos vale, temos montanha, temos aldeias, temos de tudo um pouco e podemos ir por aí.

G. – Como fazem a seleção dos locais que onde irão intervir, tendo em conta que a Covilhã não é uma cidade de grandes dimensões?

L.S.R. – Não é uma cidade de grandes dimensões, mas a Covilhã tem uma geometria, uma arquitetura e um urbanismo muito interessantes, que nos permite andar por quelhas muito estreitas e fechadas e de repente abrir num largo e termos murais grandes. A verdade é que nós temos cerca de 40 murais num diâmetro de 600 metros, o que é muito, muito curto, e nenhum mural atrapalha outro. Todos eles respiram de forma absolutamente independente, e isso deve-se à Covilhã. Nós, basicamente, só tiramos partido do potencial que a cidade tem. Nós temos murais lado a lado que não se vêm. Quem vê, descobre primeiro um e só depois é que descobre o outro, e isso conseguimos aqui na Covilhã pelo que a cidade é.

G. – Os murais estão quase todos focados no centro histórico da cidade, correto?

L.S.R. – Não só no centro histórico. Nós já temos alguns murais que já não são tanto no centro histórico. Obviamente quando nós falamos da Covilhã e de áreas novas da cidade, nós estamos a falar de paredes com uma dimensão muito maior, que é preciso financiamento para se chegar a elas. Portanto, enquanto houver espaço aqui no centro histórico e que nos faça sentido – e também porque, provavelmente, vamos começar a fazer uma renovação de algumas peças que já estão em muito mau estado e que precisam de ser renovadas –, nós vamo-nos manter [aqui], porque continuamos, tal como na primeira edição, a achar que o centro histórico precisa de vida, precisa de animação, precisa de cor e portanto enquanto se sentir isso nós também vamos manter por aqui.

G. – Qual a importância de um evento como este, nesta fase de retoma, pós-pandemia?

L.S.R. – No ano passado, quando se deu esta pandemia, aquilo que nós tentámos explicar a todos os nossos parceiros era que, se havia atividade cultural que se podia fazer, era aquilo que nós já fazíamos. Ou seja, nós tiramos partido, desde sempre, do espaço público, estamos na rua. Se existe um local mais seguro para atividades culturais é o espaço público e nós já atuamos nele. Aquilo que nós fazemos – e como eu gosto de referir sempre – é que os murais é como se fossem performances de longa duração. Nós temos um artista que começa uma pintura e que vai fazendo ao seu ritmo e as pessoas vão descobrindo. Ao início acham estranho, ao terceiro dia já começam a perceber toda a composição, o mural e a história. Eu costumo dizer que aquela pessoa [que assistiu] fez parte da história do mural e é muito engraçado porque muitos artistas falam da história dos seus murais associada às pessoas que as viveram com eles. Por isso é que eu costumo dizer que isto são performances de longa duração. Não acontecem e desaparecem, [mas] ficam, e nós, quando voltamos aqui, vamos ter lembranças do que aqui se passou, e isso deixa marcas no território, emocionais e, portanto, faz todo o sentido manter-se desta forma.

[O Wool – Covilhã Arte Urbana teve início no passado dia 26 de junho e estende-se até 4 de julho. Estão previstas cerca de 40 ações, que vão desde os murais, às residências artísticas, performances musicais, workshops, visitas guiadas e ações comunitárias. O programa completo e informação útil sobre o festival podem ser consultados na página oficial do evento].


Texto por Sofia Craveiro
Fotografias de Sofia Craveiro

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