Quase a picar o ponto e de tuc-tuc à porta do café Dias, a viagem por Alcântara estava pronta a começar. “Tropeçar em monumentos” é a expressão silenciosa das ruas. Do século XVII em diante, as cores do bairro de Alcântara surgem em detalhe, os espaços gritam memórias e as portas abrem-se para o conhecimento.
Pintada de três cores diferentes – vermelho, azul e verde – o LisbonWeek abraça Alcântara durante os próximos cinco meses. Inicia no dia 31 de outubro, e prolonga-se até ao mês de fevereiro.
Começando pela zona azul, a altura ideal face à realidade do “bicho”, o roteiro dedica-se à história, arquitetura e à cultura. Completo por visitas guiadas ao Pilar 7 da Ponte 25 de Abril, estende-se pelos antigos palácios de Alcântara, durante os dias 28 e 29 de novembro e, posteriormente, nos dias 12 e 13 de dezembro com a participação do historiador Pedro Sequeira.
Esta 6ª edição explora diferentes temáticas, nomeadamente, um bairro proveniente de uma grande raiz industrial que, por sua vez, foi território ocupado pela nobreza e alta burguesia. Hoje, dissipado e com diferentes funções.
Pilar 7 e Beatriz Mira: movimentos que se cruzam


Desde 1966 que Alcântara se modificou. A Ponte 25 de Abril, inaugurada no mesmo ano, é o marco que fez com que o bairro se redesenhasse assim como toda a Lisboa, através dos olhares e das novas ligações rodoviárias e, posteriormente, caminhos de ferro.
A ponte é composta por 14 pilares, 54196 km de fio de aço, cada cabo com 11248 fios. Um dos pilares, o Pilar 7, permite, desde 2017, a entrada na estrutura e na história da ponte. Os chãos e as paredes, soletram cada pormenor de uma das pontes mais viajadas do país em cada andar, que levou cerca de 76 dias para construir.
Chegados os 80 metros de altura, ouve-se os sons e vê-se as vistas mais perto do que nunca. É com a performance de dança Proximidade comigo mesmo, interpretada por Beatriz Mira que “a falta de toque faz-nos refletir nós mesmos”, palavras de Xana Nunes, diretora do LisbonWeek.
Além da performance, o historiador Pedro Sequeira acompanhará todos os visitantes através de uns auscultadores, através dos quais poderão aceder à história a partir de um QR Code.
A visita guiada decorre no dia 31 de outubro e 1 de novembro.
Capela de Santo Amaro, dos navegantes e de Alcântara


Localizada numa das ruas mais antigas de Alcântara, a Capela de Santo Amaro abriu portas ao LisbonWeek.
De olhares voltados para a vista singular sobre o Tejo, esta construção de pedra erguida no século XVI sobre uma antiga ermida, num monte rodeado de quintas com vinha e olival foi o refúgio de uma irmandade que se fixou até 1911.
Dedicada ao protetor dos Navegantes e às peregrinações, a capela reúne os traços de Diogo Torralva, arquiteto.
O historiador Pedro Sequeira, acompanhado por uma senhora conhecedora de toda a história da capela e dos casórios e batismos mais requintados, conta histórias sobre João VI que percorreu a época quinhentista.
O conjunto da “melhor azulejaria”, tal como Pedro afirma numa ótica mais particular, remete a Santo Amaro, ligado à proteção dos braços e das pernas partidas. Policromados, de traço rude, revestem-se de pernas e braços, com cor amarelada e azul.
Encerrada devido à realidade que nos acompanha, a missa mensal terminou, por enquanto. Ainda assim, com a visita programada pela LisbonWeek, não só o interior da capela como o terraço superior são paragens obrigatórias no roteiro composto pelos Palácios de Alcântara.
Palácio do Pátio do Saldanha, ou melhor, Arquivo Histórico Ultramarino


Em tempos, o Palácio do Pátio do Saldanha, agora, o Arquivo Histórico Ultramarino, é um residente desde 1931.
Com cerca de 16 km de documentação sobre os portugueses e os diversos povos com quem criaram relações desde o final do século XVI até aos anos 70 do século XX, o Arquivo preenche um local oriundo do século XVI cuja reconstrução se sucedeu no século XVIII com um jardim exótico, feita pelo 2º conde da Ega, Aires José Maria de Saldanha.
Pedro, o historiador, contou-nos que o Conde da Ega era autor de grandes festas e vida boémia em muitos livros e que um dos seus “companheiros” no palácio era o general francês Junot. É com a expulsão das tropas francesas que os condes da Ega partiram para exílio, e o palácio foi confiscado pelo quartel-general britânico, marechal Beresford.
Chegada a Revolução Liberal, os condes de Saldanha conseguem voltar para Portugal, no entanto, o Palácio foi vendido devido à má situação financeira da família.
Esta passagem pelas diversas salas do arquivo, onde estão guardados os manuscritos e documentos dos mais diversos lugares chegando até ao emblemático salão Pompeia, acontece durante a visita guiada pela LisbonWeek.


“Com uma estética apelativa e rejuvenescida”, de acordo com Pedro, é possível encontrar um imaginário de cores belgas. Com uma estética e decoração do século XIX, os frescos demonstram murais encontrados nas ruínas de Pompeia em conjunto com um painel de azulejos holandeses do século XVII que representam oito cidades portuárias europeias, como é possível identificar nas legendas. É desta forma que mergulha numa síntese arquitetónica e artística.
Em tempos, Palácio Vale Flor


Pós-Romancista e influenciado pelos ares italianos, o atual Pestana Palace (2001) é oriundo do Palácio Vale Flor.
Sessenta anos depois, o abandono tornou-se numa construção e recuperação diária do que viria a ser o Pestana Palace – depois de ser considerado Monumento Nacional.
Constantino Dias, também conhecido como o Marquês de Valle Flôr, foi o proprietário de alta burguesia que edificou o Palácio.
Dos fins do século XIX, tardo-romântico, revela o gosto pelo colecionismo, vivências e história, onde se encontram vitrais de Arte Nova do pintor e mestre vitralista Cláudio Martins.
Evidenciada pelo conhecimento do Marquês, que tivera partido para São Tomé e Príncipe durante uma longa fase da sua vida, cada sala que compõe este edifício está dedicada a um estilo diferente, nomeadamente, barroco, neoclássico ou rococó.
A visita às suites e à capela privada onde decorrerá um concerto só é possível com a LisbonWeek.
Desde o Palacete dos Condes de Burnay à Biblioteca de Alcântara


Construído no século XIX, este palácio, que “literalmente desviou a ponte 25 de Abril”, era o antigo local de estadia dos convidados do tão conhecido capitalista Burnay.
Atualmente, acolhe a Biblioteca de Alcântara que, inevitavelmente, apresenta detalhes originais como: as pinturas a fresco ingénuas nas paredes das salas e uma fonte que se especula resistente do século XVI, descendente do Convento das Flamengas.
Com cerca de cinco pisos, a atual biblioteca apresenta diversas salas com espaços individuais ou para famílias, um jardim e ainda uma galeria.
Voltar atrás no tempo revela em si nomes também por descobrir como o Palacete da Junqueira, Palacete de Sabugoza e até mesmo o Palácio Real, do qual pouco resta.
Por entre conversas paralelas, surgem diversas curiosidades e epifanias,
até que o desabafo de uma das visitantes se fez ouvir: “um dia gostava de ser historiadora e conhecer espaços tão bonitos quanto estes”.