A Qmetrics, empresa parceira do Gerador no projeto Barómetro Gerador Qmetrics, vai liderar um consórcio internacional que se propõe a medir o impacto dos setores cultural e criativo na Europa, durante os próximos dois anos.
O grupo, composto pelas empresas espanholas Everis e Fundación Alternativas, e uma belga, a Cumediae, vai contar com a participação do Gerador, o parceiro português que assume a responsabilidade das áreas culturais e criativas.
Este consórcio internacional irá implementar o projeto europeu “Measuring Cultural and Creative Sectors”, que foi selecionado num concurso de âmbito europeu. O principal objetivo desta iniciativa é “a criação de um quadro estatístico único para medir os setores culturais e criativos na União Europeia”. Para conseguir alcançar essa meta, o grupo fará uma extensa análise da informação disponível, contactando todos os países da União Europeia. A ideia é que, posteriormente, seja possível propor novas formas de avaliação ou até preencher lacunas nos dados atuais, como as que existem nos setores relacionados com a atividade digital da cultura e da criatividade.
Para compreender melhor como será desenvolvido este projeto, falámos com Manuel Vilares, fundador da Qmetrics e principal investigador da mesma. O responsável reconhece que esta é uma colaboração “ambiciosa”, mas frisa a importância destes dados para poder, no futuro, implementar políticas eficientes.
Gerador (G.) - O que é o projeto “Measuring Cultural and Creative Sectors in the EU” e qual a importância que ele vai ter no futuro destes setores?
Manuel Vilares (M.V.) – Bom, como o próprio nome indica — e passando o nome para português — trata-se, de facto, de um projeto ambicioso. O seu objetivo é possibilitar a produção de informação estatística sobre os setores chamados de cultural e criativo. Uma produção, diríamos mesmo, de uma forma sistemática. Um dos aspetos importantes que, aliás, justifica que ele [concurso] tenha sido lançado pela Comissão Europeia é que a informação deve ser comparável nos 27 países, o que permite depois produzir, verdadeiramente, informação ao nível europeu. É por isso um projeto de grande ambição.
(G.) - Portanto, é algo bastante abrangente?
(M.V.) - É bastante abrangente e é bastante ambicioso, porque este projeto é o que eles chamam também de projeto sustentável. A ideia é que, quando terminar, deve merecer as metodologias que os 27 países passarão a adotar para produzir de forma sistemática informação estatística sobre estes setores, denominados cultural e criativo.
(G.) - Como vai ser, então, coordenar um projeto desta envergadura, envolvendo um consórcio de entidades internacionais?
(M.V.) - Bom, também não é o único caso, porque, felizmente, já existem, naturalmente, vários consórcios a nível europeu — pois o espaço europeu tem permitido exatamente isso. Digamos que não é fácil gerir as reuniões, porque naturalmente há sempre interesses, há culturas e há até backgrounds das pessoas que são relativamente diferentes e, portanto, não é fácil. Mas também não é nada que não tenha já sido feito, até noutros contextos. No nosso caso concreto, de facto, há uma empresa portuguesa, que é a Qmetrics, que é a líder do projeto. Eu próprio sou designado principal investigador, e, portanto, há uma responsabilidade de instituições portuguesas relativamente significativa nesta área. Mas também, se este projeto não foi [diretamente] atribuído — porque foi resultado de um concurso – e a nossa proposta foi ganhadora é sinal que também os nossos currículos e as nossas capacidades deram prova de que seríamos capazes. Agora, naturalmente, há que provar isso, mas temos – e eu próprio tenho — experiência bastante significativa em coordenar projetos internacionais.
(G.) - Esta nova plataforma estatística, para estes setores, vai ser relevante para o dia a dia da comunidade cultural e artística?
(M.V.) - Vai ser da maior importância. Os grandes gestores têm uma máxima, em que dizem que, o que não se mede dificilmente é gerido, ou é muito mal gerido. Portanto, se nós não conseguirmos medir com relativa precisão o que é o setor e quais são os impactos que se tem quando se tomam medidas neste setor — quer os impactos económicos, quer os impactos sociais — muito dificilmente se conseguem tomar medidas, porque nem se sabe exatamente onde é que se devem tomar essas medidas. E muito menos se sabe os impactos económicos e sociais disso. Aliás, vê-se bem agora a situação nesta questão da pandemia, em que se verifica que há mais ou menos um certo consenso [em relação a] que os setores cultural e criativo foram os mais atingidos. E, portanto, justificar-se-ia, claramente, políticas de incentivo nestes setores, quer a nível nacional quer a nível europeu. E existem dificuldades muito grandes em tomar medidas nesta área porque, de facto, quando se tenta ser concreto levantam-se muitas questões, inclusivamente sobre a própria definição do que é o setor cultural e criativo. Aliás, ainda não há muito tempo, no Parlamento Europeu, houve várias questões colocadas por deputados sobre as políticas que estavam a ser pensadas pela Comissão Europeia para estas áreas, e uma das dificuldades que foi citada para tomar essas medidas, de política, foi claramente a falta de um quadro estatístico que permita obter informação fiável e comparável dos 27 países.
(G.) - Então, na sua opinião, os problemas sociais e económicos enfrentados pelo setor da cultura podem estar ligados à falta de informação sistemática sobre os trabalhadores?
(M.V.) - Sim, claramente. E podia ter havido políticas muito mais proactivas nesta área, se não existissem estas dificuldades. E se houvesse políticas mais proactivas, provavelmente muitos dos problemas que os direitos dos trabalhadores na cultura agora têm, provavelmente não [existiam]. Mas um dos entraves relativamente à definição de políticas é exatamente pela falta de informação nesta área. Repare, neste sentido, a Comissão Europeia, ao lançar um concurso destes, está claramente a prestar um serviço importante a estes setores, porque, de facto, dá instrumentos para, numa fase posterior, poderem vir a ser tomadas medidas, quer pela própria Comissão [Europeia] quer pelos agentes culturais. Porque mesmo estes, para tomarem decisões informadas têm de ter informação sobre isto.
(G.) - A pandemia veio acelerar a transição digital que está em curso há décadas. Esta situação acabou também por mostrar a importância de avaliar as mudanças que a tecnologia provocou na produção e consumo de cultura?
(M.V.) - Uma das componentes deste concurso é exatamente virada para esta questão dos serviços online. Todos temos a ideia de que os serviços online que são relativamente recentes, como a Netflix, Spotify e outros, [acabam por mediar] os consumos culturais. E a medida desses serviços online é muito pobre. Até porque, muitas vezes, a estratégia ou metodologia genéricas de avaliar as coisas são aquelas que passam no mercado e, portanto, tem um preço e são avaliadas [segundo] os preços de mercado. Esta é a regra geral. Ora, neste caso concreto, há muitos que nem passam no mercado porque são serviços que são pagos, mas por vias alternativas. Há aqueles que são pagos ainda por subscrição, mas há aqueles que são pagos, por exemplo, através de publicidade. Aparentemente as grandes empresas aceitam receber publicidade ou são pagas fornecendo os próprios dados. Veja-se o caso do Spotify: uma das versões que tem inclui aceitar publicidade. Há outro caso, por exemplo, do próprio Facebook, em que as pessoas não pagam diretamente, mas há um conjunto de dados que é explorado. E há outros, como no caso da Wikipédia, que até é completamente gratuito porque as pessoas aceitam colaborar. Portanto, temos aqui formas que levantam muitas questões e é uma área importante dos serviços da área da cultura que nem está a ser medida, ou está a ser medida de uma forma muito imprecisa. Essa também é uma das razões, claramente, que levaram a lançar este projeto e que a digitalização só veio acelerar.
(G.) - Portanto, analisar estes dados e fazer esta sistematização de conhecimento estatístico também será importante para a fase de retoma económica que se avizinha?
(M.V.) - Sim, porque, aliás, este setor, antes da pandemia, tinha já um peso muito significativo. Para dar uma ideia: todo o setor tinha vindo a crescer na Europa e, de acordo com as últimas estimativas, era responsável por 11 milhões de empregos diretos e 4 milhões de empregos indiretos. Estes setores tinham vindo a crescer muito. Os últimos estudos que há mostram que o setor teve este peso de 15 milhões de empregos [no total diretos e indiretos]. E também eram responsáveis, em termos do valor dos serviços, de acordo com as estimativas, por 1 trilião de euros, o que correspondia, mais ou menos, a cerca de 7% do Produto Interno Bruto dos países da Comunidade [Europeia]. Isto é muito mais do que aquilo que é atribuído a muitas outras indústrias, como a indústria automóvel e outras... portanto, este setor cultural e criativo é muito mais responsável do que os outros e tem estado num crescimento acelerado. Evidentemente agora houve um travão, e estes setores foram daqueles que tiveram o maior travão, mas evidentemente que a partir do momento em que a pandemia esteja resolvida, há todo um caminho para a frente para ser percorrido. E a necessidade de uma informação credível é ainda maior porque se, de facto, estes setores estão a crescer muito precisam, claramente, de mais informação atualizada e comparável entre os 27 países.
Nós estamos agora a fazer um levantamento das fontes, a ver o que há – pois, normalmente, quando se começa um processo de investigação, uma coisa que a gente faz é ver o estado da arte — e, naturalmente, notam-se diferenças significativas entre as situações dos diferentes países, o que dificulta, claramente, o desenvolvimento da indústria, porque, a princípio, pretende-se que a indústria tenha como mercado todo o espaço comunitário.
(G.) - Já que menciona essas diferenças, como avalia a atual situação de precariedade neste setor em Portugal, face aos restantes países da UE?
(M.V.) - O setor cultural foi atingido em todos os países, muito embora, como disse, tenhamos, às vezes, dúvidas do que é exatamente o setor cultural. Mas esse foi, em todos os países, dos setores mais atingidos. Agora em alguns países eles têm um peso mais significativo. Dentro do setor cultural, houve áreas mais atingidas, como a dos grandes espetáculos, mas não há ainda informação sobre este ponto. Aliás, ainda há pouco tempo foi produzido um relatório sobre quais os setores mais atingidos e, de facto, sabe-se que a cultura foi dos mais atingidos e provavelmente ainda vai levar algum tempo para se conseguir libertar completamente disso. Porque há muitas pessoas que ganharam receio. O facto de se dizer que acabou formalmente a pandemia não quer dizer que no dia seguinte as pessoas vão imediatamente ver espetáculos, porque não vão.
(G.) -Voltando ao projeto, o Gerador também está envolvido na iniciativa sendo o outro parceiro português a integrá-la. Como encara o seu papel no trabalho a desenvolver?
(M.V.) - Este consórcio tem cinco membros e eles, em princípio, não têm todos a mesma expertise – se tivessem provavelmente não seriam necessários [risos]. Há aqui, maioritariamente, dois tipos de expertise: por um lado, uma ligada mais ao conhecimento da cultura e outra mais ligada, se quisermos, à medida, à estatística e à análise de impactos económicos e sociais. O Gerador tem um bom conhecimento na primeira área, da cultura. Aliás, é dos atores que, nestas áreas, é dos mais ativos em Portugal. Como sabe, a Qmetrics e o Gerador têm um projeto em comum que tem bastante sucesso. Dentro desse contexto, penso que tem um papel neste projeto que podíamos chamar de interdisciplinar. E é isso que é interessante nas equipas. Também, por vezes, é mais difícil coordenar as equipas, porque as pessoas têm formação diferente, mas também se tornam muito mais ricas. O Gerador não tem o mesmo know-how que nós, mas também se tivesse era dispensável [risos] ou nós é que seríamos. O que torna isto interessante é que temos know-hows que são complementares.