Uma exposição com tudo o que é seu, de nome "Dentro das palavras". As obras da pintora e escultora Maria Flores bateram à porta do Espaço Exibicionista, uma galeria de arte, em Lisboa. E lá ficarão a morar até à reta final do ano, dia 30. Pelos traços de Maria e as palavras de Nuno Travanca, é através do silêncio que a palavra se "regenera". E é nesse processo que a artista chega ao seu público, num dar e receber coletivo.
Começou a pintar sem sequer saber que o queria fazer. Não tinha ninguém do mundo das artes na sua família, pelo menos que o saiba, mas desde criança que sabia qual o caminho a seguir. Na hora da decisão final só se candidatou a uma faculdade - a de belas artes da Universidade de Lisboa - e também só escolheu pintura/escultura. É nesta altura que nos diz "ela (pintura) foi colocada lá para eu a perseguir." E assim foi.
Com palavras amedrontadas pela timidez, mas com um sorriso de orelha a orelha, Maria Flores recorda a sua infância de forma aconchegante, "já era artista na primária!", acrescentou.
As letras sempre foram algo que a acompanharam. Sempre se inspirou muito em textos, líricas, filmes e músicas. Até os ditados populares se fizeram ler e ouvir em outras obras suas. Já tinha trabalhado esta realidade em contexto de imagens, mas reconhece que gosta de o fazer com alguém que a acompanhe "eu gosto de trabalhar em parceria e já quis fazer coisas em que, cada tela, por exemplo, ia ter uma pessoa que intervinha nela através da escrita. Só que as pessoas têm medo de não conseguir", continua. Foi neste processo que chegou até Nuno Travanca, seu amigo que participa com os seus poemas na exposição. Inicialmente, tinha-lhe pedido um poema para o livro que acompanha uma das suas obras, na tela, depois passou a duas. "É alguém com quem me identifico muito", e com quem se relaciona no seu trabalho.
A artista descreve a sua exposição como "uma viagem a uma memória pueril colectiva, condescendente com a lucidez e coincidente com o destino. Ao desvendarmos este segredo podemos encontrar cada um de nós o seu almejado descanso, a intermitência postal, o objecto coberto de fuligem que ressoa no imaginário, o corpo adentrando as palavras." É neste processo, secreto, intimista que o segredo se guarda e descobre.
Identidade. Não pinta rostos nas suas peças. Não o faz, porque tudo o que cria também parte de si. Mais do que uma reflexão, Maria gosta que o espectador entre nas suas obras. Se identifique, se reveja, se entenda mesmo que não seja o entendimento de Maria.
Gosta de deixar um "bocadinho de tudo" em aberto: "não gosto muito de falar. Cada pintura tem o seu propósito mas continua, na verdade, a ser sempre um enigma. Eu não gosto muito de dizer o que é que aquilo é para mim para que não haja limites. A pessoa que está a ver a exposição deve ter uma sensação especial com o quadro, sem padrões, ideias ou leituras em especial. Se eu der a minha, a pessoa já fica com aquela", reflete.
É entre uma jornada de criatividade que, ao longo dos anos em que ia pintando, desde 2004 que foi quando terminou o curso, que as suas memórias e vivências se tornaram telas e foi neste tropeçar nas redes sociais que o Espaço Exibicionista a descobriu e, em simultâneo, Maria decidiu abrir o seu atelier.
Muito jovem ainda, com cerca de um mês ou dois de abertura, o Espaço Criativo é um lugar de pessoas, as que Maria gosta muito. Recebe alunos e alunas, de diferentes idades e dos mais diversos ramos, artísticos ou não, que querem muito pintar, independentemente da sua motivação. "É um espaço que creio haver poucos." Diz-nos depois de lhe perguntarmos se é comum haver um espaço mais intimista onde as pessoas podem partilhar, passar o seu tempo a debater o seu conhecimento.
É num recanto de expetativas que gosta de estar. Desviada dos olhares, mas próxima das palavras. Tanto o é que um dos visitantes da galeria pediu que se apresentasse para partilhar consigo a leitura daquela janela aberta onde a chave do seu segredo estaria bem guardada. Desde o início do mês de dezembro que a exposição se encontra em exibição e permanecerá até dia 30 de dezembro a aguardar mais segredos, chaves e palavras que caminhem por dentro ou adentro dos que a visitam em cada pincelada das suas obras.