O período pandémico produziu efeitos que carecem de um estudo aprofundado, nomeadamente sobre a relação dos indivíduos com as instituições família, escola e trabalho: “Com a pressa de sair do confinamento e de todo aquele terror que vivemos, não sei se não passámos por cima dessas consequências”, afirma. Mariana Vieira da Silva reconhece que existiu uma preocupação com os assuntos estruturais, como a recuperação das aprendizagens e a redução das listas de espera para cirurgias, mas admite que as expectativas e os sonhos dos jovens foram deixados à margem. “Nós temos aqui um conjunto de gerações que viveu duas crises brutais”, reflete ainda sobre os jovens que concluíram o Ensino Superior no decorrer da crise pandémica e sobre aqueles que estiveram em situação de desemprego como consequência da crise económica de 2008.
Para a antiga Ministra da Presidência, “a existência de uma investigação e a exteriorização dessa investigação não são obrigatoriamente simultâneas”. Aponta o dedo ao comunicado do gabinete da Procuradora-Geral da República sobre a Operação Influencer, que empurrou António Costa para a demissão do cargo de primeiro-ministro: “Esta ideia de que não é preciso demonstrar nada, e se pode lançar o país numa crise política, é uma ideia muito preocupante”. Mariana Vieira da Silva acrescenta ainda que “mesmo que as sondagens digam que a maior parte da população acredita que o primeiro-ministro não fez nada de errado, [António Costa] não teve a possibilidade de se defender. Isso é um elemento central da justiça que precisamos de enfrentar”. Como resultado, sublinha que o XXII Governo “será sempre muito marcado pela forma como acabou”.
O mediatismo que envolveu a Operação Influencer e processos semelhantes pode ter influenciado os resultados das eleições legislativas, segundo a socialista. “Não haveria nenhum contexto mais favorável ao crescimento de um partido como o Chega que não a dúvida lançada sem grande detalhe. Essa abertura e a leveza com que tudo aconteceu criou o terreno mais que propício” à ascensão de partidos de extrema-direita, defende. Mariana Vieira da Silva debruça-se sobre as contradições do Chega, que contaminam o debate político: “Do ponto de vista das propostas políticas há coisas completamente contraditórias. O contágio é nas políticas, é na linguagem, é na atitude”. Analisando o panorama internacional, antecipa que o desaparecimento da extrema-direita poderá ser “muito lento”, especialmente se for tido em conta o rápido crescimento destas forças políticas um pouco por todo o mundo.
No Lugar Comum, teceu ainda comentários ao facto de o Partido Socialista (PS) ter perdido apoio entre o eleitorado na faixa etária entre os 18 e os 34 anos. “É evidente que oito anos e meio de poder associados ao efeito destas crises nos fez perder representatividade. Não tanto nos jovens, onde o Partido Socialista sempre teve bastantes dificuldades [em reunir consenso], mas nas jovens famílias”, explica. Acima de tudo, reforça o empenho do partido na renovação do seu programa e destaca a forma como, atualmente, encara a crise climática: “O Partido Socialista, desde a sua história, tem conseguido algo muito raro que foi ter renovado, do ponto de vista programático, a sua visão de sociedade. Somos hoje o partido com mais ação na área climática, ombreando com os partidos que a nível europeu quase se dedicam em particular a essa dimensão”. Acredita, no entanto, que o PS “tem de reconstruir a sua mensagem” para recuperar a relação com o eleitorado, “principalmente com as associações estudantis e de juventude”.
Já sobre a descida da taxa de abstenção, esboça um retrato dos portugueses que se deslocaram às urnas no dia 10 de março: “Acho que nós temos de olhar para a diminuição brutal da abstenção sempre de forma positiva, mesmo sabendo que, muitas vezes, o resultado da diminuição da abstenção é um voto muito mais emocional, do dia-a-dia, de protesto”, e não um voto de identificação partidária. Mariana Vieira da Silva descreve a crise da habitação em Portugal como “uma das dimensões de maior insatisfação”, algo que demonstrou ter “um peso grande neste resultado eleitoral”. E remata, referindo-se às obras ainda em execução no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência: “aquilo que vejo é um aproveitamento político para mostrar o momento em que isso ainda não é tão visível”. Mas há também sinais de esperança para a próxima legislatura, como a mobilização do excedente orçamental “para dar um salto na habitação pública”.
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