Depois de ter visto “Quando For Tarde” ser distinguido no Porto Femme, Matilde Calado estreou “Como o Gado”, no passado dia 5 de novembro, no Ymotion. Deste primeiro filme transporta para o segundo uma relação que travou com Mia Tomé, protagonista de ambos, e que marca, também, algo que as une: serem mulheres. “Como Gado” parte de um texto que Mia escreveu para o Expresso, e foca-se no comportamento de Hitchcock com as atrizes nos seus filmes. É uma reflexão sobre ser-se mulher e uma luta contínua pela igualdade.
“Este é um filme sobre o direito de igualdade, seja este no cinema como noutras áreas. A realidade é que o papel da mulher na nossa sociedade está muito marcado por uma geração que se viu presa a certos valores”, diz Matilde ao Gerador. A ideia para o filme, que partiu do artigo de Mia, teve de enfrentar as restrições a que a pandemia obrigou e o que seria um “projeto nos termos normais de uma produção cinematográfica”, acabou por ser repensado. “Rapidamente, eu e a Mia encontrámos soluções”, conta a realizadora.
Mia, que “tem o seu pequeno estúdio de som em casa”, e Matilde, com a sua “mesa de edição”, uniram forças e trabalharam juntas, à distância. “Foi um processo à distância, onde comunicávamos todos os dias por chamada, enviávamos material uma à outra e fomos afinando até fechar tudo”, conta Matilde. Para Mia, é de sublinhar que “a Matilde é muito trabalhadora, e ver isso em alguém é muito entusiasmante”.
“[A Matilde] é persistente, parece que nunca se cansa, e trabalhar com alguém assim é muito prazeroso. Quando as coisas funcionam, o trabalho continuo com alguém merece ser mantido, até fazer sentido a todos os intervenientes”, partilha Mia. Matilde completa, contando a história de como esta parceria começou e se tem prolongado no tempo: “Foi uma relação que se desenvolveu de uma forma muito orgânica. A partir do momento em que a Mia entrou na sala de casting para o ‘Quando For Tarde’, o meu filme anterior, soube quase automaticamente que seria ela a escolhida para o papel. No set o trabalho aconteceu de forma muito fluida
e mesmo depois de terminarmos o filme mantive-me sempre em comunicação com a Mia. E assim foi crescendo uma grande amizade. A minha admiração pela Mia e o seu trabalho é imensa, a ela estarei eternamente agradecida por todas as oportunidades que me tem trazido com as suas interpretações em ‘Quando For Tarde’ e agora com o ‘Como Gado’.”
Numa altura conturbada para o cinema português, “o circuito de festivais é deveras importante para a distribuição do cinema independente” — diz Matilde. Estes espaços de partilha e encontro tornam possível não só dar a conhecer os filmes aos públicos, mas também “interagir com os mesmos” e, desta forma, também receber um feedback direto de quem vê.
Sendo este um filme que se centra no papel na mulher no cinema (mas não só), Mia Tomé comenta que “felizmente já começas a ver outro tipo de papéis, outro tipo de guiões escritos e blindados ao sistema machista”. “Começas a observar isso não só na forma como os textos são escritos, mas também nas escolhas dos elencos, começa a haver espaço e papéis para mulheres de todas
as formas e feitios, assim como o mundo é feito de pessoas diferentes entre si”, continua. Já sobre as mulheres realizadoras e o lugar que existe para estas no cinema português, Matilde refere que “obviamente” existe um lugar para elas, e dá como exemplos de sucesso Sofia Bost, Mariana Gaivão e Leonor Teles.
“Tal como em diversas outras áreas, é importante potenciar a voz feminina, dando à sociedade uma nova perspetiva e opinião diferentes, que difiram da já comum e habitual misoginia da nossa sociedade. No cinema, festivais como o Porto Femme criam brilhantemente uma plataforma de discussão e de divulgação do trabalho de realizadores emergentes, potenciando a quebra de barreiras em prol direito de igualdade”, reflete Matilde Calado.
E é porque “o cinema nos ensina muito”, como diz Mia, que é tão importante refletir quem entra e quem o faz.