Em 2020 acordámos para uma das mais extraordinárias e terríficas experiências vividas na era moderna: um vírus que nos condicionou sonhos, objectivos, carreiras e bem-estar, sem mencionar os números de vítimas por todo o globo e ainda as mazelas com que muitas ainda lidam.
Sim, uma maleita com mais de dois anos que instaurou o medo, a paranóia e dividiu o mundo em duas facções, mudou o curso da História moderna porque, uma coisa é certa, nunca mais seremos os mesmos.
As relações físicas, desde um simples e companheiro abraço, aos tímidos progressos de um primeiro beijo, ficaram sem chão. Pior, todos ficámos com medo de pisar esse chão. O que isto fez à Saúde Mental? Ainda estamos a sentir o primeiro embate enquanto muitos ainda sobrevivem ao seu luto, alguns tentam recuperar das mazelas e tantos outros têm medo de regressar aos seus trabalhos físicos.
Alguns de nós acham estranho estar no meio de pessoas, mais recentemente sem máscara, e consideram muito difícil readquirir o ritmo de uma vida que conheciam, pois a tal liberdade que nos estava a ser dada às migalhas ainda nos remete para o trauma recente e actual.
Não bastando tudo isto, eis que quase passados dois anos da primeira notícia do Covid-19, a Europa e o mundo enfrentam, quase sem aviso, uma guerra. Uma guerra que já está a fazer, em tão pouco tempo, uma das maiores ondas de refugiados desde a Segunda Grande Guerra, sem contar com os horrores que estilhaçam cidades, famílias e futuros.
Naturalmente, as preocupações que tanto nos assombraram durante dois anos em relação a um vírus, feliz e finalmente mitigado, passaram num único instante para um outro temor, um novo medo, talvez até mais assustador porque vemos todos os dias, através dos canais noticiosos, pessoas como nós a serem privadas dos seus mais básicos direitos. E, infelizmente, sabemos que não há vencedores numa guerra.
Se a Saúde Mental de todos nós sofreu um rude golpe com o vírus, imaginem agora como não nos sentimos, ou vamos sentir, após esta nova calamidade que também terá repercussões globais.
Portanto, há que arregaçar as mangas e tentar perceber alguns sintomas que nos afectam particularmente durante estas crises: a ansiedade, as palpitações, a falta de sono, a extrema preocupação com o futuro, algumas tonturas, o desânimo, a falta de força, o querer desistir, tudo pode acontecer a cada um de nós.
Para conseguir evitar males maiores, temos de tentar perceber alguns destes sintomas para poder combatê-los de forma mais eficaz. O falar com o médico de família (que nesta altura pode ser complicado) ou com um psiquiatra ou psicólogo (o que para muitos é impossível por vários motivos), não deve impedir-nos de pedir ajuda.
E para pedir ajuda basta abrir o nosso coração e explicar o que sentimos, seja cansaço extremo por não conseguir dormir, seja um estado de ansiedade tal que parece que nos tira o coração do corpo, seja até um ataque de pânico que às vezes sugere outra coisa muito mais grave.
Este é o primeiro passo para conseguirmos resolver a nossa cabeça e coração, mas há outros bem mais fáceis. O mais indicado é não ver noticiários a toda a hora, nem abrir o feed no telemóvel, ou falar com colegas e amigos sobre a situação a cada minuto. Há que desligar desse mundo e escolher apenas uma fonte fidedigna e vê-la, por exemplo, ao final do tarde.
Lembro-me como se fosse hoje de ter passado quase 24 horas ligada à CNN enquanto as torres gémeas caiam e o seu pó assentava. Ninguém me conseguiu fazer arredar pé da frente do televisor. Passados anos, ainda tinha tremores ao relembrar ou revisitar as mesmas imagens que vi em repetição vezes demais.
Prometi a mim mesma não repetir esse comportamento neste extraordinário momento e decidi ajudar como devo, conheço e posso.
Pensem nisso também.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.