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No Castro preservam-se heranças, tropeça-se em descobertas e vivem-se recordações

Leonel Trindade. Povoado. Torres Vedras. Três nomes que assinalam um local a pouco mais de…

Texto de Patricia Silva

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Leonel Trindade. Povoado. Torres Vedras. Três nomes que assinalam um local a pouco mais de seis quilómetros do centro de Torres Vedras designado de Castro do Zambujal. Descoberto, ainda sem que se soubesse, numa escavação no início dos anos trinta, foi nos último oitenta anos que este nome soou por entre referências internacionais que traçam relações pelos mais diversos países do mundo.

Em 2012, o castro foi reclassificado como Monumento Nacional, aumentando significativamente a área protegida. Arqueólogos, mesmo que de técnicas rudimentares ou menos tecnológicas, como Leonel Trindade, Aurélio Ricardo Belo, Hermanfried Schubart e Edward Sangmeister, do Instituto Arqueológico Alemão, marcaram diferentes gerações da história portuguesa. A estes nomes juntam-se Michael Kunst, o casal Hans-Peter, Margareth Uerpmann, Rui Parreira, Elena Morán, entre muitos outros que vão preenchendo uma parede lateral do Museu Municipal Leonel Trindade. Voluntários, historiadores, aprendizes e curiosos.

Já em 2018, o castro voltou a sofrer intervenções de valorização por parte da Câmara Municipal, integrando assim o pacto para o Desenvolvimento e Coesão Territorial da Comunidade Intermunicipal do Oeste. Caminhámos ao longo de vários quilómetros. No vai e vem viajou-se por milénios. E assim se fala de uma herança que Torres Vedras não quer esquecer.

A primeira paragem aconteceu no Forte de São Vicente. // Fotografia de Jenniffer Pais

O relógio marcava pouco depois das onze horas quando o Sr. Carlos Antunes chegou no UMM, um jipe dos anos noventa que assinalava a reta final do fabrico de uma outra história que o tempo levou. Concentravam-se as atenções no Castro do Zambujal, um sítio arqueológico onde permaneceu um povoado fortificado pré-histórico, do período do Calcolítico (c. 2850 a. C. até cerca de 1759 a. C.). Perto dos olhares desconhecidos, mas quase esquecido pelos torrienses, o castro situa-se num esporão rochoso orientado a oeste.

Pelas estradas empoeiradas e delimitadas por altos e baixos, o Sr. Carlos, responsável pela West Shuttle, uma empresa de transfers e tours, outrora camionista, de espírito viajante, fazia pequenas paragens no tempo. A primeira paragem aconteceu no Forte de São Vicente, assinalando o Centro Interpretativo das Linhas de Torres.

Definidas por um sistema militar defensivo, erguido a norte de Lisboa, entre 1809 e 1810, foi o futuro duque de Wellington quem traçou uma estratégia de defesa, que tinha como objetivo fortificar pontos colocados no topo de colinas, para controlar os caminhos de acesso à capital de Portugal, reforçando os obstáculos naturais do terreno. Este sistema, constituído por três linhas defensivas, estendia-se entre o oceano Atlântico e o rio Tejo, por mais de 85 km. Quando concluído contava com 152 obras militares, armadas com 600 peças de artilharia e defendidas por cerca de 140 000 homens, tornando-se no sistema de defesa mais eficaz, mas também o mais barato da história militar.

Quem o procura, assim como a Castro do Zambujal, são os turistas. “O castro, apesar de todo o esforço que a câmara tem feito nos últimos anos, é muito desconhecido. Há, por vezes, muito mais interesse de estrangeiros, o que acontece também com as Linhas de Torres, do que propriamente com portugueses ou mesmo locais”, começa por explicar Carlos.

Reconhecendo que grande parte dos torrienses ainda não conhece o castro, “há até uma percentagem menor que nem sequer sabe que existe”. O motorista acredita que “parte das culpas” cabe ao sistema de ensino. “Na escola, saltamos da Revolução industrial para a Primeira Guerra Mundial, por exemplo. Olhando neste caso para as Linhas de Torres, a verdade, é que temos um património que foi extremamente relevante para a Europa, como foi a Primeira ou a Segunda Guerra Mundial. Talvez, se não fossem as Linhas de Torres, hoje estávamos todos a falar francês!”

Fotografia de Jenniffer Pais

Com um espaço que pinta a herança que lá se esconde, é na rota do turismo histórico e na procura dos antepassados que estes locais se assinalam no mapa.

Castro do Zambujal, uma descoberta invulgar nos anos trinta (a partir de um ‘tropeço’)

Descoberto por Leonel Trindade, em 1932 e, após a realização de uma primeira sondagem em 1944, foi dois anos mais tarde que o Castro do Zambujal se assinalou como Monumento Nacional. Ainda assim, este percurso inicial não seria possível sem o casal do castro.

Paul Bovier-Lapierre foi quem fez as honras, mesmo que não lhe fosse assim tão evidente. Começou por escavar um sepulcro a cerca de três quilómetros de Torres Vedras. Tholo, assim se chamava. Associado à idade do Cobre, tratava-se de um monumento em falsa cúpula que tinha uma das maiores câmaras da Península Ibérica. “Quando chegaram ao Zambujal pensaram que seria também uma necrópole da mesma época, porque viam semelhanças nas pedras. Com o avanço da investigação é que perceberam que seria algo diferente”, começa por nos elucidar Isabel Luna, conservadora das coleções de arqueologia do Museu Municipal Leonel Trindade.

Isabel Luna // Fotografia de Jenniffer Pais

Aurélio Ricardo Belo era quem assumia o controlo das escavações anos depois, sendo assim o primeiro diretor do museu que pisávamos, em 1929. Seguiu-se Leonel Trindade, primeiramente adjunto de Aurélio até que o mesmo viesse a falecer, assumindo, posteriormente, a direção do museu e das escavações, dando o seu nome ao museu nos anos noventa.

Com o avanço da investigação é que perceberam “que seria algo diferente”, começa por nos elucidar Isabel Luna, conservadora das coleções de arqueologia do museu.

Nos anos que se seguiram, o Instituto Arqueológico Alemão prestara um grande apoio à investigação do Castro do Zambujal. Tal como os nomes referidos anteriormente, uma nova direção de arqueólogos assumia a direção científica das escavações com Michael Kunst, o casal Hans-Peter, Margareth Uerpmann, entre 1994 e 1995, e com Rui Parreira e Elena Morán, em 2001 e 2002.

Esta cronologia torna-se evidente na Histórias do Zambujal, uma exposição de 50 anos de trabalhos que comemora anos de investigação desta parceria e contributo com o Instituto de Arqueologia Alemão. É nas salas que percorrem o antigo Convento da Graça – que acolhe o museu – que se contam as várias histórias sobre o Zambujal e reúne-se um espólio lato, datado entre o Mesolítico e a Idade do Bronze, e ainda alguma peças que foram cedidas pelo Museu Nacional de Arqueologia.

Ainda a percorrer os diversos rostos que contribuíram para a descoberta do Castro do Zambujal, Michael Kunst foi o último nome a assumir as escavações, tendo-se reformado há cerca de “um ou dois anos”, estando, neste momento, a aguardar-se um novo membro que dirija as mesmas. “Agora, precisamos de um elo para a geração seguinte”, afirma Isabel.

Caminhámos para uma zona mais escura. Era numa caminhada profunda, onde o imaginário nos levava até uma gruta, ou melhor, até à gruta da Cova da Moura, que revelou primordialmente, em Torres Vedras, materiais da pré-histórica recente, “uns ligeiramente anteriores ao Calcolítico e outros posteriores. Foi a Cova Moura que deu início às escavações do Castro Zambujal”.

Castro Zambujal, hoje. // Jenniffer Pais

A ‘senhora’ que habitava o Casal do Zambujal disponibilizava a sua casa para os estudantes participarem nas investigações. Curiosamente, foi também uma das trabalhadoras agrícolas que participou nas escavações do castro, em 1972.

Entre os investigadores de todo o mundo que se destacam na exposição, o Casal do Zambujal, um casal agrícola construído no século XVI, foi também parte integrante da descoberta do povoado. A conservadora das coleções de arqueologia partilha que “ninguém sabia o que isto era (machados de pedra polida da pré-história). No início do século XVI, colocavam-se muitas questões e é quando decidem guardar e analisar isto que um trabalhador das escavações, do casal do Zambujal, diz que tem muitas ‘coisas destas’ perto de sua casa”.

Inicialmente, a população pensava que estes materiais eram, nomeadamente, as pedras eram pedras de raio, algo que não se mostra tão distante com as emoções que e sentidos que o Sr. Carlos descrevia quando pisava o Castro Zambujal. Há também quem colecione estes materiais ainda nos dias de hoje.

Castro do Zambujal foi construído, de acordo com as escavações e investigações, durante um período de mudança climática, que deu assim origem a várias inovações tecnológicas e conflitos sociais.

Os achados arqueológicos do Zambujal incluem artefactos de cerâmica, de pedra, da qual se destacam o sílex e o anfibolito, de cobre, de ouro, de osso e de marfim, materiais ligados ao Calcolítico e à Idade do Bronze. // Jenniffer Pais

Os vasos cerâmicos que serviam para cozinhar, comer, armazenar alimentos foram o reflexo de uma evolução tecnológica constante que se assinalava não só Península Ibérica, como no mundo.

A estes artefactos juntavam-se ainda alguns de pedra, do uso do quotidiano, como era o caso dos machados, e enxós que serviam para cortar e talhar a madeira ou até mesmo as mós, que transformavam o grão de cereal em farinha, entre muitas outras funções.

No caso do arco e da flecha, utilizados para a caça, para a defesa do povoado e ataque daqueles que se assumiam como inimigos, representam-se, na exposição, as diferentes gerações que habitavam o castro há milénios.

Museu Municipal Leonel Trindade // Fotografia Jenniffer Pais

Já os ídolos cilíndricos – assim se designam as descobertas que ainda vivem no desconhecido – abraçam a teoria do sagrado. É juntamente com eles que muitos outros materiais em osso, como botões, cabos de faca e agulhas, se foram recolhendo e determinando ao longo dos cinquenta anos de investigação.

“Há uma energia que se sente neste local, inexplicável.” Carlos Antunes, 26 de novembro, 2021

A metalurgia é “decididamente” a ciência que afirma a atividade no Castro do Zambujal. Era praticada no povoado em todas as fases da sua ocupação. Acredita-se que as bolinhas do cobre que chegavam do Alentejo eram fundidas no castro, dando origem a artefactos de cobre.

“Existem muitas versões do que seriam as primeiras pedras que se foram descobrindo, ligadas ao castro”, dizia-nos Isabel. É nesta ótica que o Sr. Carlos, enquanto caminhava pelo castro, numa zona central que “parece uma eira” nos dizia que “há uma energia que se sente neste local, inexplicável”.

Carlos conta-nos ainda que os relatos arqueológicos que existem, pelo menos no tempo “dos romanos, sendo que isto é pré-romano” afirmam que o rio era navegável para pequenas embarcações. Recorde-se que o Castro Zambujal situa-se no sopé do monte do monte, onde corre a Ribeira de Pedrulhos, um afluente do rio Sizandro, que desagua no oceano Atlântico a cerca de dez quilómetros de distância. Nestas navegações, entre rio e mar, “alguma ligação havia, ainda que possa ser difícil de explicar.”

Castro do Zambujal , Torres Vedras // Jenniffer Pais

 Depois da reestruturação e preservação, em 2018, foi desenvolvida uma app que apresenta explicações relevantes sobre o Castro Zambujal e ainda um audioguia que nos remete para o tempo dos “arqueiros” na torre de vigia ou da população que ocupava o povoado. Foram também construídos passadiços para uma melhor mobilidade entre o espaço.

Ao longo da sua investigação, o Zambujal foi-se relevando cada vez mais uma área de extensão original de construção fortificada. No entanto, durante o último período glaciar, devido ao baixo nível da água do mar, os rios escavavam vales profundos e estreitos no terreno, o que se determina através das escavações geoarqueológicas, realizadas através do projeto Sizandro e Alcabrichel, como uma demonstração de um relevo da paisagem muito diferente do atual.

“É importante que haja mais qualquer coisa. O sentimento que eu noto de algumas pessoas que aqui vêm das duas uma: ou adoram ou é o desgosto total. A realidade é que esta representação histórica está em ruínas, mas a conexão que se tem com o local e com a história, não há igual!”, reflete o antigo motorista de espírito viajante.

“Aquelas pessoas que vêm fazer caminhadas, decidem vir a Torres Vedras e acabam por 'tropeçar' no Castro do Zambujal.” É neste tropeçar partilhado com o dono da empresa de transfers e tours que o património se faz ouvir.

Manifestações culturais que se estrearam no Castro do Zambujal

O fenómeno Campaniforme, apresentado também na exposição em exibição no Museu Municipal Leonel Trindade, assumiu-se decididamente como uma manifestação cultural em que, como nos conta Isabel, “pela primeira vez, os homens eram sepultados como guerreiros, acompanhados do armamento da época”. Eram acompanhados do armamento da época com pontas de cobre, punhal e braçal de arqueiro.

Isabel Luna, conservadora das coleções de arqueologia do Museu Municipal Leonel Trindade. // Fotografia de Jenniffer Pais

Seguia-se a idade do Bronze, um espólio que não é muito vasto, mas que nos elucida claramente o tempo histórico e a possível introdução de novos fenómenos culturais.

Numa última sala, sentimos a presença do “reino dos mortos”. Há descobertas que, na verdade, só foram determinadas depois de viagens longas, partilhas de conhecimento entre arqueólogos em conferências internacionais e ainda longas horas de documentários que guardavam mistérios em si. Isabel reconhece-o assim como toda a história que se descobre ao acaso, mesmo que se procure. É caso para se recordar as palavras do Sr. Carlos, “há sempre uma história para contar”.

Os estilos decorativos neste “reino” assumem, de imediato, diferenças nos estilos decorativos e no abandono dos ídolos em forma de placas de xisto. Tratam-se de sepulcros coletivos do Calcolítico, entre eles, as grutas naturais e abrigos, grutas artificiais, sepulturas megalíticas e “tholos” que, na sua génese, podem ter servido práticas e crenças religiosas.

É nesta última visita que o Zambujal se mostra um lugar concreto onde o Homem e a sua evolução se assinalam, assim como a influência do meio ambiente que lhe dar cor, espaço e vida. Mostrando-se um contributo no desenvolvimento e criação de sociedades, é atrás de um tempo que outros se seguirão e, como tal, não são só as palavras de Fausto Bordalo Dias, compositor português, que fazem sentido a todos aqueles que pisam o solo do Castro do Zambujal e de Torres Vedras. É castro um local cheio de histórias e de rotas. É também castro um (novo) local a assinalar no mapa.

O Gerador é parceiro da Câmara Municipal de Torres Vedras.
Texto de Patrícia Silva
Fotografia de Jennifer Pais 
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