A força da Democracia está na pluralidade das vozes que de forma igualitária a constituem: a mais participada das Democracias é também a mais forte. A perda de participação política que marca os nossos dias é, por isso, simultaneamente um factor e um sintoma de deterioração do sistema democrático. Cresce, em silêncio mas implacável, a distância entre as pessoas e a Democracia que deveria ser sua, e que só pode dizer-se plena quando for verdadeiramente inclusiva.
Os argumentos para a participação política tendem a focar-se no apelo ao voto, frisando a importância de não abdicarmos da nossa voz. A participação política é também uma forma de serviço à comunidade em que nos inserimos, ou uma forma ativa de defendermos os nossos direitos individuais e coletivos. Todos estes argumentos são válidos e verdadeiros. Mas esquecem que a política é muito mais que momentos eleitorais, e que a Democracia é mais que um voto. A política é, talvez acima de qualquer outra coisa, uma relação que mantemos connosco e com os outros. A política é, por isso, emocional, e faz falta o argumento romântico para a participação política.
Embora isso nem sempre transpareça em discursos altamente curados e ensaiados, a política é uma coisa de muita intimidade. Não há nada mais íntimo do que descobrir ou revelar como sentimos o mundo: as nossas ideias sobre relações em sociedade, sobre o papel do indivíduo no coletivo, ou sobre as ligações que temos com o mundo natural. O pensamento de alguém sobre direitos, sobre espiritualidade, sobre autonomia, sobre ética, comunidade, paz, memória, simbolismo, enfim – sobre política – refletem as suas mais profundas crenças, desejos e preocupações. O posicionamento político de alguém, especialmente quando é partilhado sem esse rótulo, é o que de mais perto fala da sua verdade. E saber de alguém essa verdade aproxima-nos profundamente.
Na minha vida ter-me-ei apaixonado mil vezes, vezes sem conta, por pessoas que se entregaram àquilo em que acreditam, e confessaram-no claramente, quase sem querer nem dar por isso. Quantos sorrisos troquei depois, quando por fim nos olhámos pela primeira vez, alma desnuda. Apercebermo-nos do quanto nos emocionamos a debater política é o momento em que nos apaixonamos por ela e por tudo o que ela trata, que inclui os outros e a nós mesmos. Só a paixão desses momentos permite fazer política verdadeira e transformadora. Só essa paixão nos permite mobilizarmo-nos para a ação, rumo aos nossos sonhos.
Por isso, o romance não é um sub-produto do trabalho político. Pelo contrário, é fator necessário a esse trabalho. Todos os ideais que nos desenham um mundo melhor e uma sociedade mais justa são românticos por definição, fugindo à análise determinista daquilo que é e, em vez disso, arriscando imaginar o que poderia ser. Não é possível idealizar o futuro sem nutrir a esperança de que vale a pena o trabalho, e de que é possível a mudança.
Se deixarmos de acreditar em ideais, o que defendemos? Se deixarmos de acreditar nas pessoas, por quem lutamos? Se abandonarmos o romance, que será feito dos nossos sonhos, desejos e ambições? E sem esses, que existência nos resta? A cantiga é uma arma porque nos revolta as emoções e acende as revoluções que somos. Se não vivemos profunda e constantemente apaixonados uns pelos outros, pela vida, e pelo mundo, poderemos dizer-nos vivos?
Fazer política é apaixonante. É apaixonarmo-nos pelo mundo, e por nós mesmos como parte dele. É ver a sociedade como uma coisa linda pela qual vale a pena lutar. É partilhar essa visão com outros, e entregarmo-nos em abraços de camaradagem que nos devolvem o fôlego. É deixar que nos encha o peito a alegria de imaginar o que poderá vir a ser.
Ser politicamente ativo é um ato de amor.