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O bê-á-bá da crise climática | O que precisas saber

Ano após ano, a humanidade vai-se aproximando do ponto de não retorno no que diz…

Texto de Redação

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Ano após ano, a humanidade vai-se aproximando do ponto de não retorno no que diz respeito aos efeitos das alterações climáticas. A pandemia da Covid-19 e a consequente crise económica acabou por relegar esta problemática para segundo plano nas preocupações mundiais, mas o problema mantém-se tão ou mais urgente como antes.

Segundo o líder da maior expedição de investigação ao Polo Norte, o ponto crítico para o aquecimento global irreversível pode até já ter sido ultrapassado e com ele as previsíveis consequências em cascata para o planeta. O alerta foi dado, há cerca de uma semana, na divulgação dos dados preliminares da expedição internacional MOSAiC, que esteve, durante um ano, no Ártico entre 2019 e 2020. Segundo Markus Rex, só nos próximos anos, será possível perceber se já ultrapassámos o ponto de não retorno do sistema climático. Certo hoje, é a necessidade urgente de adotar uma política de proteção coerente do clima.

Para sensibilizar e mobilizar para esta problemática, o Climáximo está a organizar um Acampamento de Ativismo Climático, que irá acontecer entre os dias 16 e 20 de julho, em Cabrela, Montemor-o-Novo. A iniciativa, com inscrições abertas até ao próximo dia 25 de junho, é composta por várias formações sobre ciência, capitalismo versus clima, interseccionalidade das lutas, conceitos e ferramentas de ativismo, transição justa, ente outras.

Neste artigo, pedimos ao Climáximo para responder a algumas questões sobre a crise climática, as suas consequências no nosso planeta e o que está, ou não, a ser feito por governos e organizações para combater esta situação.

1. De acordo com a ciência, quanto tempo temos para combater as alterações climáticas?

Menos de uma década. De acordo com o Relatório Especial do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), temos de cortar 50% das emissões a nível global até 2030, de forma a mantermo-nos abaixo dos 2º C de aquecimento até 2100, tendo 1.5º C como meta ideal. Em Portugal, por questões de justiça e equidade entre cortes de países no Norte e Sul Global, temos 9 anos para cortar cerca de 75% das nossas emissões. Isto significa que temos de começar já, uma vez que quanto mais tarde começarmos mais abrupta será a transição.

2. O que pode acontecer se não fizermos nada?

De acordo com o Climate Action Tracker, se seguirmos as políticas atuais vamos aumentar entre 2.7 a 3.1º C, valores bastante superiores àqueles que a ciência nos dita como linhas vermelhas para a continuação da civilização humana. Face à crise climática que já vivemos, nada será como antes. Em primeiro lugar, é de salientar que a diferença entre 1.5 e 2º C de aquecimento é grande – pode significar o salto entre a estabilização e a degradação. As consequências do aquecimento são múltiplas – aumento do nível das águas do mar, cheias, secas, desastres climáticos, más colheitas – e são ainda mais intensificadas a partir da marca dos 2º C de aquecimento. Daí para a frente, começamos um jogo bastante perigoso com os pontos de viragem da Terra, um efeito "bola de neve" de catástrofes climáticas onde já quase não é possível termos controlo e previsão sobre o que acontece.

Foto de Valdemaras D. via Pexels
3. O que já aconteceu?

Até agora, já aumentámos cerca de 1.1º C desde o início da Revolução Industrial. Pode parecer pouco, mas este ritmo é anormalmente acelerado para o planeta Terra. O sistema capitalista está de forma inédita a mexer nos mecanismos do planeta, a níveis quase sem precedentes. Para um clima estável para o ser humano, estima-se que temos de manter a concentração de CO2 inferior a 350 partes por milhão de CO2 (ppm), mas, atualmente, temos uma concentração de dióxido de carbono na atmosfera de mais de 415 ppm, algo que nunca aconteceu desde a existência da espécie humana. Tudo isto tem provocado, está a provocar, e continuará a provocar desastres exacerbados pela crise climática, o que leva à massa cada vez maior de refugiados e migrantes climáticos, bem como pessoas feridas, doentes ou em condições precárias de vida.

4. Este cenário é irreversível?

O mundo já vive em crise climática, e o aquecimento que o capitalismo provocou não pode "andar para trás". Porém, devemos manter o foco na ideia de que é possível não cair no abismo, e, na realidade, ter a crise climática como o momento em que a sociedade muda para melhor e mais justa, combatendo a crise climática ao mesmo tempo que resolvermos outros problemas estruturais desenvolvidos pelo sistema.

5. Como chegámos a este ponto?

Desde o arranque do capitalismo com a Revolução Industrial que têm sido consumidos combustíveis fósseis a um ritmo desenfreado, de forma a alimentar o desenvolvimento industrial e acumular riqueza. Quando a comunidade científica se apercebeu de que estávamos a provocar danos no planeta, houve uma tentativa deliberada por parte das grandes empresas petrolíferas – as maiores culpadas do crime – de esconder e desprezar a informação, criando lobbies negacionistas na política e na sociedade. O sistema capitalista estruturou a promiscuidade entre empresas de combustíveis fósseis, a finança e os governos, resultando num caminho desastroso ao abismo e à inação propositada, uma vez que o lucro se afigura acima da vida.

6. E agora, o que temos de fazer?

Agora, temos de mudar tudo estruturalmente. Sabemos que o sistema que criou esta crise não tem soluções verdadeiras para ela – todas as "soluções" baseadas na lógica de mercado capitalista não funcionaram e não vão funcionar, não só porque são ineficazes, mas também porque são injustas. Por isso, devemos encarar o desafio da nossa era como a oportunidade para mudarmos tudo: a forma como transportamos, produzimos, alimentamos, etc. Deixar os combustíveis fósseis debaixo do chão é só um primeiro passo. Depois, é preciso cortar 50% das emissões a nível global, através de uma lógica de desmantelar e requalificar todos os setores poluentes e substituí-los de acordo com as nossas necessidades, criando condições para produzirmos energia limpa, restaurarmos florestas, melhorarmos a mobilidade, apostarmos na economia dos cuidados, entre outros.

Foto via Pexels
7. Quais são os principais fatores que contribuem para as emissões de gases com efeito de estufa?

Em termos de fontes das emissões, os setores que mais emitem são áreas como a energia, indústria, os transportes, a floresta e agricultura, entre outros (militar, resíduos, etc). Em Portugal, sabemos, através do Inventário de Emissões desagregadas, produzido pelo Climáximo e pela Greve Climática Estudantil, no âmbito do Acordo de Glasgow, que os setores que mais contribuem para as emissões são a indústria energética, os transportes e a indústria, com destaque para a refinação, o papel e o cimento. Sabemos também que as infraestruturas mais poluentes no território são a refinaria de Sines, a central de ciclo combinado da Tapada do Outeiro, o complexo industrial de Setúbal da Navigator, entre outras.

8. O que está a ser feito pelas grandes empresas poluentes?

As grandes empresas estão deliberadamente a destruir o nosso futuro. Mais do que isto, são já responsáveis pelos desastres e degradação climática já vivida em muitos contextos, em particular no Sul Global, mas não só. Em Portugal, temos muitos exemplos de catástrofes cuja intensidade é uma consequência direta das emissões lançadas pelas grandes empresas. Assim, acumulam riqueza à custa da exploração de pessoas, terras e ecossistemas. Para "cereja no topo do bolo", muitas delas começam a pôr em prática o greenwashing, isto é, branding enganoso de práticas verdes, enquanto continuam as suas atividades destruidoras normais.

9. Qual é realmente a importância do Acordo de Paris?

O Acordo de Paris não é um compromisso sério nem real de ação climática. É apenas mais um documento não vinculativo assinado por governos e instituições que não produz nenhuma ação concreta ou eficaz. Embora tenha no papel que 1.5º C é a meta, mesmo se todas as partes cumprissem à risca todo o Acordo de Paris, iríamos aquecer mais de 3º C em relação a níveis pré-industriais.

10. A adoção de hábitos mais sustentáveis por parte das pessoas – como reciclar, andar de transportes públicos ou não consumir plástico de uso único – é suficiente para combater as alterações climáticas?

A adoção desses hábitos pode ser importante, mas não é nem perto de suficiente para combater as alterações climáticas. Quando ouvem falar de alterações climáticas, muitas pessoas engajam-se através da mudança de estilo de vida. No entanto, a crise climática só vai ser resolvida através de uma mudança sistémica. E essa mudança sistémica acontece através da mobilização, e não da nossa atitude enquanto consumidores num sistema capitalista. É perfeitamente legítimo que as pessoas comecem a atuar sobre a crise climática a partir daí, mas é crucial que depois compreendam a profundidade da questão para agir coletivamente.

Foto de Lawrence Makoona via Pexels
11. É possível combater a crise climática sem mudar drasticamente a maneira como vivemos?

A sociedade vai ter de mudar radicalmente, o que não significa que, no futuro, vamos viver sem conforto. Porém, neste momento, para combater a crise climática a mudança mais drástica e mais necessária na maneira como vivemos é sentirmos que esta é uma luta nossa. Ninguém a vai fazer por nós, ninguém nos vem salvar. A resolução da crise climática e a construção de um mundo mais justo é responsabilidade de cada um de nós. Para isto, é preciso mobilizar e engajar-se nos formatos de ação coletiva e organizada que nos permitem ser mais fortes.

12. Há soluções viáveis que não estão a ser postas em prática?

Sim. Para além de estar a falhar a prática do primeiro passo mais óbvio – deixar os combustíveis fósseis no chão – existem várias propostas que não estão a ser consideradas. É o caso da proposta da campanha Empregos para o Clima, que advoga a criação de 200 mil empregos públicos e dignos para o clima nos próximos anos nos setores-chave para reduzir as emissões de acordo com as metas da ciência, realizando uma transição justa que transforme a sociedade.

13. O que se entende por justiça climática?

A justiça climática é a lente política através da qual olhamos para a crise climática. É o reconhecimento de que não é só um problema aritmético, mas, sim, de justiça social para as pessoas. A justiça climática aponta que os menos culpados por esta crise são aqueles que mais vão sofrer. O conceito aponta a importância da transição justa com o envolvimento de trabalhadores e comunidade, o reconhecimento da sabedoria dos povos indígenas, o papel essencial dos cuidados na economia, entre outros. É incompatível com as ideias capitalistas de resolução da crise climática, e perceciona o colonialismo, o racismo e o imperialismo como estruturas a desmantelar. Em suma, justiça climática é justiça social, porque resolver a crise climática significa erguer uma nova sociedade que erradique as estruturas opressivas sob as quais o capitalismo assenta.

14. Porque é que consideram o ativismo climático tão importante para alterar o cenário que vivemos atualmente?

O ativismo é essencial porque as estruturas de poder que criam e alimentam a crise climática não nos vão dar de bandeja o que queremos. Precisamos de lutar para mobilizar e construir esta nova sociedade, cortando emissões ao mesmo tempo que estruturamos um sistema baseado na justiça e na ótica dos serviços públicos para as pessoas, e não no lucro privado. Se ousarmos lutar, outro mundo é possível.

Texto editado por Flávia Brito
Fotografia de Chris Leboutillier via Pexels

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