É verão, o som do amolador ouve-se ao fundo e, pela noite, é substituído pelo barulho do fogo de artifício. Estamos na Soalheira (Fundão), num “Portugal antigo” apresentado a David Pinheiro Vicente pelo seu pai e, agora, mostrado ao espectador por David. “O Cordeiro de Deus”, a sua mais recente curta, está nomeada para a secção competitiva de curtas-metragens de Cannes e pega, sem pinças, na tensão eminente entre a vida e a morte.
Depois de Onde o Verão Vai (episódios de juventude), que estreou na Berlinale, David continua a percorrer os trilhos do Verão e a encontrar-se com as camadas da juventude. Este espaço temporal tem “muito peso” na sua vida — como tem na de qualquer adolescente, que deixou de ser há pouco tempo — porque “é a altura em que não temos nada para fazer” e tudo parece acontecer de forma mais impactante. “O aborrecimento que se tem no verão, em conjunto com o calor, sempre me pareceu despertar muita coisa nas pessoas — desejos, tensões. Parece que não se consegue esconder tão bem o que pensamos no verão”, partilha com o Gerador.
E este misto de sensações, impossíveis de esconder, é constante na curta-metragem. Protagonizado por Miguel Amorim, o filme produzido por Gabriel Abrantes desafia os limites da infância e da idade adulta, num viagem que resgata o que ainda há de inocente quando se ultrapassa essa linha — e o ritual torno da morte é o seu último reduto. Na Soalheira, a morte sente-se de uma outra forma; segundo o realizador, “é um sítio com muitos mistérios”, onde se tem “uma relação mágica com a vida e a morte, que vem da religião”.
Além de Miguel Amorim, o elenco conta com Carla Galvão, Gabriel Salvado, Constança Alves, João Vicente, Daniela Freitas e Diogo Vale. Para David Pinheiro Vicente, era importante que o grupo fosse heterogéneo, sobretudo por “questões práticas”: “o grupo de atores mistura profissionais com não atores, dos quais dois são da Soalheira — as crianças, Gabriel e Constança. Era importante serem de lá por questões práticas, porque filmar com crianças é difícil e, sendo dali, pode fazer uma sesta na sua casa depois de filmar”. “O trabalho prévio foi de nos conhecermos, e aí percebi que tinham uma relação diferente com os animais. O menino contracena com o cordeiro e está habituado, o avô dele tem ovelhas. Isso não se pode fingir”, conta.
“O Cordeiro de Deus” é projectado na Sala Manoel de Oliveira, do Cinema São Jorge, no dia 28 de agosto às 21h45 e no Grande Auditório da Culturgest no dia 1 de setembro às 19h00. Em outubro segue para Cannes, que este ano não se realiza de forma presencial, onde tem a possibilidade de ganhar a Palma d’Ouro. Sobre a presença em Cannes, David conta que “representa um reconhecimento muito grande”. “Dá-me alegria que reconheçam o meu trabalho, mesmo no início, e que mais pessoas possam ver o meu filme, que é sempre o que desejo”.