Com direção artística e conceção de Inês Garrido, o espetáculo Parallax propõe uma reflexão sobre a ideia de identidade através de uma relação de envolvimento interventivo, ao longo de seis meses, na e com as comunidades do Bairro Social da Pasteleira. Com interpretação de Maria Luís Cardoso, estreia no Porto a 15 de dezembro, na Associação da Pasteleira Torres Vermelhas.
Em cocriação com Maria Luís Cardoso, Miguel F., João Grilo e Diogo Mendes, Inês Garrido criou um espaço regular de encontro e partilha de saberes no seio da Pasteleira, o “Crias”, acompanhado por um diário de bordo online, o “Parallax Log”.
“Começámos a abordar o território falando com pessoas que encontrávamos nas ruas e criando elos de contacto com as associações de moradores de cada lugar, com o centro de dia de Pinheiro Torres e com associações de ação social da zona de Lordelo do Ouro”, partilha Inês Garrido, realçando o objetivo de “não invadir o quotidiano e a intimidade deste lugar, nem abordá-lo do ponto de vista antropológico do objecto de estudo”.
“Colocámo-nos então num lugar de escuta e associação livre: ouvíamos aquilo que as pessoas queriam partilhar connosco, documentávamos ou criávamos sobre essas conversas e encontros, criando relações de estórias aparentemente não relacionadas e mostrávamos-lhes o material que tínhamos construído – voltando a colocarmo-nos no lugar da escuta”, continua.
Estes encontros serviram como matéria para a criação de um objeto multiforme que se expressa através do monólogo teatral e do vídeo numa relação de complementaridade. “Construímos um espetáculo baseado em histórias que fomos ouvindo de diferentes lugares, de diferentes pessoas, mas que de alguma forma tinham características comuns”, explica a diretora artística. “A ponte entre a ficção e a realidade é ténue, no sentido em que a narrativa desta personagem que construímos, Amélia, é povoada por histórias reais que nos foram contadas e por outras que inventámos.”
A narrativa de Parallax assenta numa ficção criada a partir de testemunhos reais de mulheres e homens da Pasteleira e, como diz Amélia, "A visão está aqui e a memória aqui. E eu já não sei o que vi ou o que é inventado."
Amélia é “uma mulher velha, de um bairro, que encontra uma artista da cidade que vai fazer um projecto sobre esse bairro”. Satirizando a ideia de “artista”, a personagem – uma velha interpretada por uma jovem – vai contando e personificando episódios da sua vida, reclamando domínio não só sobre a sua própria biografia, mas também sobre a sua vivência e intimidade.
“Os episódios que nos conta estão ligados à memória de contextos vivenciais – a que brincava quando era pequena, em que é que trabalhou, a relação com o seu marido. Os episódios que personifica estão ligados a posições políticas e emocionais sobre um determinado tema – o político que a realojou, a diferença de privilégio dos jogadores do Jogo da Vida (jogo este retratado à imagem do Monopólio), a salvação de uma outra Amélia face a um agressor, ou um jantar com o marido que não existe”, revela a autora.
A personagem posiciona-se assim em três lugares distintos: o da história, onde a sua memória é evocada; o da personificação, onde encarna corpos daqueles que com quem se cruzou; e o do pensamento-íntimo-disconexo-não filtrado, onde o processo do inconsciente se poetiza e sublima.
Neste espetáculo, propõe-se ao espectador que se posicione em diferentes pontos de observação, como metáfora para olhar as relações de fragilidade que consubstanciam a própria ideia de identidade.
O espetáculo surge de um desafio lançado por Rodrigo Malvar, do Teatro do Frio – Pesquisa Teatral do Norte, de apresentar uma proposta de projeto para o bairro da Pasteleira, integrando a programação do Cultura em Expansão.
Com estreia marcada para 15 de dezembro, na Associação da Pasteleira Torres Vermelhas (Porto), o monólogo estará também em cena, no Ermo do Caos (Porto), de 17, 18, 19 e 20 deste mês e, no CAL - Centro de Artes de Lisboa, de 7, 8 e 9 de janeiro.