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Parem de diabolizar o tampão

Fotografia de Pedro Lopes

Recentemente, lia o conteúdo publicitário de uma marca de pensos e tampões que se destacavam como tendo ingredientes naturais e “bons para a saúde”, ao contrário dos produtos menstruais regulares, que são, alega a marca, tóxicos.

Lamento ser desmancha-prazeres, mas os tampões e pensos que compramos no supermercado não são tóxicos para nós – ou, pelo menos, não há evidências de que o sejam. Pelo contrário, a evidência comprova que são seguros.

A cultura do medo é uma das mais eficazes no marketing. É fácil afirmar que os pensos ou os tampões estão na origem de cancros, doenças crónicas, perdas gestacionais ou quistos, assim como também é fácil de acreditar. Afinal, não são só as marcas que o defendem: caras que nos são conhecidas já o mencionaram em posts de Instagram ou mesmo em livros, e até alguns profissionais de saúde deixam o alerta. Assim sendo, seríamos apenas estúpidas se continuássemos a colocar deliberadamente dentro de nós ou, em contacto com a nossa vulva, algo tão prejudicial para nós.

Profissionais de saúde realmente deveriam ter autoridade na matéria, mas gostava de relembrar que, infelizmente, o cargo profissional não os torna intocáveis. Aliás, a pandemia veio colocar a descoberto muitas destas cabeças (mal) pensadoras com os ditos “médicos” que se revoltam contra o uso de máscaras ou que questionam a eficácia da vacina.

A cultura do medo, neste caso, também assenta numa cultura de privilégio: devemos comprar estes tampões em vez daqueles do supermercado que custam seis vezes menos, a menos que queiramos ter uma morte lenta e dolorosa.

Este mito à volta dos tampões e pensos tem algum fundo de verdade. Ou tinha, há 30 anos, em que se reconheceu que alguns dos seus componentes eram prejudiciais à saúde e entidades reguladoras em diferentes países começaram a exigir às marcas que os excluíssem da produção. Este tipo de componentes pertence à categoria de “disruptores endócrinos”, químicos que interferem no normal funcionamento das nossas hormonas e que só começaram a ser estudados recentemente. Nos últimos 20 anos muito se tem descoberto sobre eles e isso tem-se reflectido no crescente controlo e legislação sobretudo da produção industrial.

Estão definidos limites máximos de presença destes químicos nos bens utilizados no quotidiano, por forma a existirem em quantidades que não representem risco à saúde humana. Estes limites são definidos, em Portugal, pela Comissão Europeia desde 1999 e são objecto de revisões periódicas.

O tampão continua a ter disruptores endócrinos, mas a ciência tem demonstrado que os níveis são tão reduzidos que não representam uma ameaça à nossa saúde. Uma refeição, por exemplo, tem mais disruptores endócrinos do que um tampão.

Em conclusão, podemos falar de ecologia quando falamos das opções de produtos de recolha menstrual que temos à nossa disposição (sem esquecermos que a sustentabilidade menstrual também é um privilégio); podemos e devemos falar de saúde quando consideramos um produto que seja feito para uso interno, ou quando sabemos que temos propensão para alergias ou infecções; mas isso não implica que tenhamos de diabolizar o tampão ou o penso. Uma boa decisão é aquela que é tomada com conhecimento de causa – lamentavelmente, as marcas nem sempre são uma ajuda neste aspecto e tenho muita esperança que, eventualmente, lhes seja cobrada a responsabilidade e o respeito que nos devem, a nós, consumidoras.

Fontes:
Singh, J., Mumford, S. L., Pollack, A. Z., Schisterman, E. F., Weisskopf, M. G., Navas-Acien, A., & Kioumourtzoglou, M. A. (2019). Tampon use, environmental chemicals and oxidative stress in the BioCycle study. Environmental Health18(1), 1-9.   

Archer, J. C., Mabry-Smith, R., Shojaee, S., Threet, J., Eckert, J. J., & Litman, V. E. (2005). Dioxin and furan levels found in tampons. Journal of Women's Health14(4), 311-315.

Scialli, A. R. (2001). Tampons, dioxins, and endometriosis. Reproductive Toxicology15(3), 231-238.

DeVito, M. J., & Schecter, A. (2002). Exposure assessment to dioxins from the use of tampons and diapers. Environmental health perspectives110(1), 23-28.

Bobel, C. (2008). From convenience to hazard: A short history of the emergence of the menstrual activism movement, 1971–1992. Health care for women international29(7), 738-754.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Catarina Maia-

Catarina Maia estudou Comunicação. Em 2017, descobriu que as dores menstruais que sempre tinha sentido se deviam a uma doença crónica chamada endometriose, que afecta 1 em cada 10 pessoas que nascem com vulva. Criou O Meu Útero e desenvolve desde então um trabalho de activismo e feminismo nas redes sociais para prestar apoio a quem, como ela, sofre de sintomas da doença. “Dores menstruais não são normais” é o seu mote e continua a consciencializar a população portuguesa para este problema de saúde pública.

Texto de Catarina Maia
Fotografia de Pedro Lopes
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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