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“Quem é esta gente nos Painéis de São Vicente?”

Quem é esta gente? De onde vêm? O que simbolizam? Um bispo? Um pescador? Para…

Texto de Flavia Brito

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Quem é esta gente? De onde vêm? O que simbolizam? Um bispo? Um pescador? Para onde olham? O que querem dizer? Na verdade, pouco se sabe sobre a maior obra de arte antiga portuguesa.  A magnífica pintura, em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga, esconde mistérios que especialistas e ensaístas não conseguiram ainda decifrar, mas revela-se agora aos mais novos. Quem é esta gente nos Painéis de São Vicente? É uma boa pergunta e é também o título de um espetáculo de teatro, encenado por Vasco Letria, e baseado no livro homónimo de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, que pretende ensinar, mas também divertir e aproximar o publico infantojuvenil desta obra-prima do século XV.

"Muitas dúvidas ficam. E a ideia é logo muito boa, no início da peça, que é uma obra em aberto. Quer dizer que esta é uma hipótese, é uma história que se conta a partir dos painéis, como tantas outras histórias se contaram”, refere Isabel Alçada, após o ensaio de imprensa, no auditório do Museu Nacional de Arte Antiga, onde o espetáculo vai estrear no próximo domingo.

Nuno Gonçalves e os preparativos para a pintura são o mote para esta narrativa, que dá a conhecer factos e estudos reais, mas, essencialmente, estimula os mais novos espectadores a pensar sobre a admirável e misteriosa pintura com mais de 500 anos.

O pintor surge atarefado depois lhe ser encomendado o políptico – um retábulo composto por seis painéis a óleo e têmpera sobre madeira. Procura os materiais para obra, mas também os personagens e figurantes para aqueles painéis grandiosos. Muitos cidadãos comuns querem aparecer na pintura – não fossem os retratos as fotografias dos nossos tempos –, mas nem todos o conseguem, como a jovem Beatriz, que, tendo ficado de fora, amaldiçoa o trabalho, profetizando que deste ninguém se lembrará ou conhecerá o autor.

Entre a ficção e a História, o espetáculo, com produção da Foco Lunar, conta com 17 atores e figurantes em cena, que surgem através de vídeo, sendo que apenas um deles está realmente em palco: Tobias Monteiro, na pele do célebre artista, de quem também pouco se sabe.

Para o Vasco Letria, criador e encenador da peça, a escrita, o teatro, o cinema e a pintura são artes que surgem interligadas neste espetáculo, sendo que a própria iluminação vem da pintura e que são propositadamente seis os painéis onde se desenrola o vídeo.

Uma peça que une várias artes

“Basta olhar para os painéis para sentir que há ali uma tensão muito forte. Agora porquê? Creio que nunca se saberá”, afirma Ana Maria Magalhães, partilhando que a obra literária – lançada em 2017, numa edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, com a coordenação da editora Pato Lógico – surgiu de um desafio lançado às duas autoras. Uma ideia “muito atraente”, conta, por ser "uma obra magnífica, invulgar, muito à frente do seu tempo”, mas também porque ambas lecionaram a disciplina de História.

“Fui, muitos anos, professora do 5.º e 6.º ano, e nos livros de História do 2.º ciclo, geralmente, aparecem estes painéis, e não é fácil, com crianças de 9, 10 anos, ajudá-las a perceber quanto a obra é bela”, relata. “É demasiado longe daquilo que elas conseguem apreciar. Portanto, dar vida às personagens, através de uma história é uma maneira. Fazer esta magnífica peça foi, para nós, uma belíssima surpresa. Vai com certeza diverti-las, e aí começam a estabelecer laços de afeto com os painéis, a olhá-los de outra maneira, e a tentar, elas próprias, descobrir o que é que está por trás”, considera.

Quem são as figuras retratadas em tamanho real, o que representam, qual é o significado do políptico e quem o mandou pintar, são questões ainda hoje em aberto sobre o retrato de época, produzido no período dos Descobrimentos, e que junta 58 figuras da corte portuguesa quatrocentista, em torno da dupla figuração de São Vicente. “É muito engraçado ler o que os especialistas escreveram ao longo dos tempos. Porque têm ideias completamente diferentes. E projetam aquilo que eles próprios pensam, ou gostariam que fosse, ou de alguma forma o que os painéis lhes disseram”, comenta. “A figura do chapéu preto é o Infante Dom Henrique. Quanto ao resto, está tudo em aberto.”

Criar uma ligação com as personagens

Para Isabel Alçada, os jovens que virem a peça não vão esquecer esta obra-prima da história da pintura portuguesa e europeia, do século XV – atualmente em processo de conservação e restauro. “Esta obra é absolutamente central na nossa história de arte e, portanto, a nossa intenção é que os miúdos cedo na vida a conheçam. Porque, quando conhecemos uma coisa na infância, geralmente, temos uma relação com ela que é completamente diferente do que uma descoberta feita posteriormente”, refere, ressalvando a magnificência da obra em qualquer fase da vida em que se a contemple. “Estamos com a esperança de que esta obra-prima da arte portuguesa fique no coração dos leitores e dos alunos que vierem assistir à peça”.

Aquando da escrita do livro, o objetivo principal era despertar o interesse dos mais novos para a leitura. “É a nossa intenção central a partir da identificação com personagens. Eles querem saber qual é o destino daquelas personagens, o que é que vai acontecer àquela gente. Mas a partir da figura de Nuno Gonçalves e da procura que ele faz de personagens para a sua obra e do conflito...”

Já o encenador Vasco Letria comenta: “O que é interessante é que não lhes contamos tudo. Deixamos sempre um caminho aberto para a imaginação deles. Eles depois vão procurar o seu caminho.”

Um mistério por desvendar

“Em cada época, os descobridores vão avançando no conhecimento. Nós tivemos o privilégio de ter as pessoas que mais sabem sobre este assunto, que mais o estudam e que melhor conhecem os painéis a apoiarem-nos na informação inicial, a deixar-nos criar, mas, simultaneamente, a verificar se não havia nenhum pormenor que pudesse escapar ao filtro de quem vê do ponto de vista científico”, conta Isabel Alçada, sobre o apoio dos especialistas do Museu Nacional de Arte Antiga, no processo de criação do livro.

Estávamos em 1882 quando, numa sala escura do Paço da Patriarcal de São Vicente de Fora, se redescobriu esta obra-prima. Feito o achado e o seu restauro, especialistas portugueses e estrangeiros começaram a dissecar a pintura na tentativa de encontrar pistas sobre as principais personagens retratadas em ato de dupla veneração a S. Vicente, padroeiro de Lisboa. Mas, passado mais de um século, a pintura continua envolta em mistério. “Toda a gente projeta nestes painéis sentimentos muito fortes, ligados à nossa História”, diz Ana Maria Magalhães. “As grandes histórias têm de ter sempre este enredo, mistério. E os painéis têm isso.  Além de serem muito bonitos e belos, nada se sabe”.

Já para Vasco Letria, saber quem são realmente as pessoas “é o que menos interessa”. “Estas pessoas que vemos neste retrato de grupo são pessoas normais, são pessoas como nós, do dia a dia, que vamos ao supermercado. São mesmo. Se olharmos com atenção, são pessoas comuns e foi isso que as autoras também conseguiram fazer. Acho que, se é um príncipe, se é um rei, o Nuno Gonçalves fez as experiências antes com as pessoas ali da Rua do Tomé [o seu ajudante na oficina], portanto, todos nos podemos ser um rei ou uma rainha.”

Um espetáculo interativo e itinerante

Quem é esta gente nos Painéis de São Vicente? estreia a 7 de novembro, no auditório do Museu Nacional de Arte Antiga, onde permanecerá até ao final do mês. Depois, recorrendo às potencialidades da multimédia e do vídeo mapping, o objetivo é o espetáculo deslocar-se às escolas de todo o país, bibliotecas e auditórios.

“Noutras produções que tive, fiquei sempre muito orgulhoso quando os professores me ligavam, mandavam emails, ou os próprios pais, a dizer que o aluno tinha sido um miúdo que ficou muito melhor aluno, ficou muito mais dedicado por esta linguagem, por esta abertura que este género de teatro dá aos miúdos”, afirma o encenador. 

Ana Maria Magalhães termina: “Há muitas reproduções dos painéis. Mesmo enquanto não podem vir aqui vê-los ao museu, se, depois de ver a peça, olharem para os painéis no livro, já olham de outra maneira. E eles vão gostar muito da Beatriz a fazer feitiços."

Texto de Flávia Brito
Fotografias de Ricardo Ramos

Se queres consultar mais entrevistas, clica aqui.

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