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Rádios regionais: a voz da proximidade, em defesa da identidade local

Nasceram como “rádios pirata” e, hoje, depois da sua legalização no final da década de…

Texto de Flavia Brito

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Nasceram como “rádios pirata” e, hoje, depois da sua legalização no final da década de 80, constituem grande parte daquele que é o espectro da radiodifusão local. Mais do que entretenimento, as rádios regionais desempenham atualmente um importante papel na democratização da informação, na descentralização do discurso radiofónico, bem como na promoção da cultural local, estabelecendo uma relação de proximidade com os ouvintes, que ultrapassa, muitas vezes, os limites físicos da própria rádio.

“Este movimento das ‘rádios pirata’, que conduziria à radiodifusão local, está claramente identificado com a Revolução de Abril e o sentimento de liberdade e de democracia que o país vivia nos finais da década de 70, início da década de 80”, explica Telo Faria, presidente da direção da Rádio Voz Planície, Cooperativa Cultural de Animação Radiofónica, criada em 1987, com o objetivo de dar enquadramento legal ao processo de licenciamento das também conhecidas como “rádios livres” ou “alternativas”. “Os principais impulsionadores do fenómeno da radiodifusão local portuguesa referiam frequentemente a importância da existência de um discurso descentralizado e da partilha do processo de decisão sobre a coisa pública. Para tal, a apropriação dos meios de comunicação por parte das comunidades era vista como um passo fundamental para esse processo de exercício da democracia e da cidadania”, continua.

Em Portugal, depois de breves anos de livre e engenhosa manipulação do espectro radiofónico, chegou, em 1989, uma lei que organizou e limitou frequências, emissões e radialistas, ditando o encerramento de todas as rádios que emitiam ilegalmente. Todas as “rádios pirata” puderam, então, ir a concurso público e apresentar o seu projeto para operar dentro da legalidade. Meses depois, o Governo, na altura chefiado por Aníbal Cavaco Silva, anunciava quem deveria continuar e quem teria de encerrar os seus emissores.

Sediada em Beja, a Rádio Voz da Planície foi uma das que conseguiu alvará de radiodifusão, datava o ano de 1989. Desde essa data até hoje, o propósito de construir “uma verdadeira rádio" para a região do Alentejo mantém-se. “Durante estes mais de 30 anos de ação, temos pautado a nossa intervenção pela defesa da identidade regional, promovendo a estreita ligação com a comunidade que servimos e no compromisso de trabalhar em conjunto. Procuramos parcerias e apostamos na inovação”, partilha Telo Faria.

Fundada como “rádio pirata”, em dezembro de 1984, também a Rádio Clube de Arganil nasceu oficialmente como cooperativa, em 1987, no âmbito da legalização levada a cabo naquele período. “Foram 34 anos de altos e baixos. A Rádio Clube de Arganil viveu, logo no início, passados alguns anos da legalização, um período muito difícil, como grande parte das rádios do país viveram. Das muitas rádios que na altura se legalizaram, hoje certamente que mais de metade fecharam, por inviabilidade económica ou por outros motivos quaisquer", acredita Jorge Silva, presidente da direção daquela emissora há mais de duas décadas. "Foram 24 anos de muito trabalho, de muita luta, em que o nosso principal objetivo foi cimentar a rádio como uma rádio que tivesse capacidade financeira para não ter altos e baixos, uma rádio que possa sobreviver. É uma rádio de interior, que vive em Arganil, que está sediada num concelho que tem um tecido empresarial muito limitado e daí que não possamos sobreviver, de modo nenhum, só com receitas da publicidade”, clarifica o responsável.

A Rádio Barcelos obteve alvará em 1989. A partir dessa altura, e tendo em conta aquilo que era o seu projeto inicial de proximidade, a emissora preservou como principal missão dar a conhecer a cidade e o concelho aos barcelenses.  “Posso dizer que o concelho é bastante grande. É um trabalho que, desde essa altura até aos dias de hoje, se tem mostrado bastante complicado, mas é esse o principal propósito, que mais nenhuma outra rádio consegue ter”, fala Ricardo Loureiro, jornalista daquela rádio. “Aquilo que a rádio consegue ter, desde essa data de 89 até aos dias de hoje, é, acima de tudo, colocar as mais diversas freguesias, as mais diversas associações com voz na rádio, e isso é traduzido nos programas que fazemos em direto.” Na Rádio Barcelos, essa voz é dada ao longo de grande parte do dia, seja através dos noticiários locais, seja através dos programas direcionados para os ouvintes, que podem ir desde chamadas a aniversariantes aos discos pedidos: “Acho que, neste país, todas têm e é uma forma de colocar os ouvintes em diálogo com o locutor, mas também com outros ouvintes que vão participando e que enviam cumprimentos para os mais diversos ouvintes. Isto é muito próprio das rádios locais.”

A Rádio Barcelos emite em 91.9 FM e online
Um espaço de divulgação da cultura local

Para Telo Faria, a rádio sempre foi e continuará a ser um precioso instrumento no processo de desenvolvimento da cultura e do conhecimento: “A Rádio Voz da Planície, ao adotar uma programação que pugna pela defesa da identidade regional – no que à componente do entretenimento respeita – independentemente de abarcar diversos estilos e áreas musicais, é na música portuguesa, e muito particularmente na música popular e no cante alentejano, que funda a sua filosofia, com o objetivo, inequívoco, de contribuir ativamente para a promoção da cultura local e dos seus protagonistas”.

Paralelamente, a emissora integra na sua grelha de programas um conjunto de conteúdos dedicados à divulgação e promoção da atividade desenvolvida pelos principais agentes culturais da região, como agrupamentos e bandas musicais, grupos corais, companhias de teatro, associações culturais, recreativas e desportivas ou promotores de arte e cultura. “Nestes espaços, além da simples divulgação da agenda relativa às várias atividades desenvolvidas, há espaço para promover entrevistas e reportagens, para dar a conhecer ao auditório a produção cultural da região, numa perspetiva de promoção e valorização da cultura regional.”

Na Rádio Clube de Arganil, há, igualmente, programas específicos dedicados à música local. “Há um ano que não o fazemos, por causa da pandemia, mas temos um programa onde divulgamos os grupos locais e, quando falamos de divulgar os grupos locais, estou a lembrar-me, por exemplo, de divulgar as tunas, os grupos de cantares, os ranchos folclóricos, as bandas filarmónicas, que fazem connosco sessões ao vivo, todas as semanas, no nosso estúdio”, conta o presidente da direção.

A Rádio Clube de Arganil emite em 88.5 FM e online

Seguindo a mesma linha, na Rádio Barcelos, o foco da programação passa necessariamente por aquilo que é e o que se faz na região. “Não é por acaso que Barcelos é considerado um concelho de bandas, de muitas bandas. São muitas aquelas que existem por cá”, diz Ricardo Loureiro. Com programas direcionados para todos os estilos musicais, esta rádio – que embora local, é também generalista – privilegia aquilo que são os músicos da região, não obstante passe também música portuguesa, em geral, bem como música estrangeira. “O nosso principal foco é, primeiro de tudo, a música barcelense e minhota, depois a música nacional – os nomes da música que agora estão a surgir, e ainda bem que estão a surgir, e, portanto, também têm lugar aqui na rádio.”

A importância do jornalismo local

Jorge Silva é assertivo quando afirma o seu objetivo de fazer da Rádio Clube de Arganil “muito mais do que um gira discos, um leitor de CDs, ou um computador.” “Eu não posso ter uma rádio só para passar música”, declara. Com uma programação essencialmente local, a linha editorial implementada privilegia a informação e, por isso, a emissora conta com duas jornalistas a tempo inteiro que palmilham a região, procurando cobrir os acontecimentos que por estas terras acontecem, sejam eles políticos, económicos, sociais, desportivos ou culturais. “Quando falo em região, falo dos vários concelhos que abrangemos. Divulgamos tudo aquilo que nos chega de toda esta região do interior, que vai desde Arganil, Pampilhosa da Serra, Góis, Tábua, Penacova, Mortágua, Carregal do Sal, Nelas… Este espectro é o espectro de concelhos que procuramos, de facto, cobrir jornalisticamente em termos de divulgação de eventos”, clarifica o responsável.

Para Telo Faria, a principal missão das rádios locais é combater as assimetrias, na democratização da informação, e sempre na defesa e promoção dos valores e identidades culturais de um povo e de uma região. “A ligação dos indivíduos à rádio da sua terra acarreta um grau de emotividade, afetividade e sentimento de partilha.”

De acordo com o responsável, as rádios de proximidade “trazem para opinião pública o local, o problema que afeta aquele lugar, vila ou cidade”: “Na rádio local, debatem-se as potencialidades e constrangimentos da nossa terra, promovem-se as nossas festas e tradições, dá-se voz aos nossos autarcas, aos nossos dirigentes associativos, culturais, desportivos, abordam-se os problemas relacionados com a saúde, com a economia, com a política, mas a uma escala local.” Isso, atenta, faz toda a diferença relativamente às rádios nacionais, que, segundo o próprio, “ocupam-se com os principais acontecimentos que, invariavelmente, ocorrem nos grandes centros urbanos do país, e, quando olham para o interior, fazem-no, por vezes, em assuntos, em áreas carregadas de negatividade, trazendo para a opinião pública acontecimentos nefastos à imagem de uma cidade, de uma aldeia, de uma população.”

A Rádio Voz da Planície emite em 104.5 FM e online
Rádios de proximidade

A proximidade – que, nestes casos, é também geográfica – é o principal critério que diferencia as rádios locais das nacionais. “Costumo dizer que cada rádio local tem de ter a sua identidade, e essa identidade tem de estar o mais próxima possível do concelho onde está localizada. E tenho a certeza absoluta de que há uma parte importante do nosso auditório que nos acompanha por causa da música – é óbvio que é aqui importante, não há volta a dar-lhe – mas, acima de tudo, por aquilo que ouve por parte de quem faz aqui a rádio, isto é, o estilo que cada locutor tem e a proximidade que cada locutor consegue fazer”, nota Ricardo Loureiro. “A música é importante, mas até mais importante do que isso é a identidade que a rádio consegue transmitir, por tudo aquilo que emite nos programas que tem”.

Jorge Silva considera mesmo que existe um trabalho social que é desempenhado por estes meios radiofónicos: “As rádios locais têm um público que tem connosco um contacto muito diferente do que é uma rádio nacional, ou do que é uma televisão, porque a televisão é generalista, está a falar para toda a gente. Vocês não imaginam quantas mensagens recebemos, quando estamos à frente do microfone. Isso quer dizer o quê? Que as pessoas, além de nos ouvirem, têm a necessidade de dizer ‘eu estou aqui, eu estou a ouvir’, porque somos a companhia de muita gente, e estas pessoas conhecem-nos”, considera Jorge Silva, defendendo que as rádios locais são um fenómeno com cada vez mais importância, sobretudo junto dos mais idosos. “Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que o Governo, o próprio Estado, devia subsidiar as rádios locais, porque fazemos um trabalho social e o trabalho social é isto. As pessoas não estão nos lares, estão em casa, muitas delas sozinhas, ainda autónomas, a fazerem a sua vida, mas têm a rádio como companhia.”

*Esta reportagem foi inicialmente publicada a 7 de abril de 2021.

Texto por Flávia Brito
Fotografia via Pexels

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