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Rádios Universitárias Portuguesas: histórias com princípio, meio e sem fim

Na era das rádios piratas, naquele tempo imediato à Revolução de Abril em que se…

Texto de Redação

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Na era das rádios piratas, naquele tempo imediato à Revolução de Abril em que se multiplicavam as rádios locais, as rádios de vão-de-escada e as rádios minhocas, alguma da precariedade era compensada pelo tanto de paixão daqueles que a faziam. A Lei da Rádio de 1988 veio liberalizar a radiodifusão no país e atribuir autorizações, que começaram a ser emitidas a partir de 1989. Nesse jogo de cadeiras, pois as licenças a emitir eram limitadas a um número específico para cada local, concorriam também rádios universitárias, surgidas no seio académico e mantidas pelos estudantes, acompanhando esse frenesim radiofónico. Algumas não conseguiram licença e ficaram pelo caminho, como a Rádio Universitária do Porto. Outras ganharam o seu espaço e mantêm-se no FM até à actualidade. São elas a RUA (Rádio Universitária do Algarve), de Faro; a RUC (Rádio Universidade de Coimbra); a RUM (Rádio Universitária do Minho), sedeada em Braga e a UFM (Universidade FM), estabelecida em Vila Real. Indissociáveis do meio académico que lhes soprou vida, estas rádios permanecem como estandartes de uma existência necessária.

Fotografia da cortesia da RUC

A RUC, que celebrou oficialmente 35 anos em 2021, é uma rádio escola e apresenta-se como rádio local da cidade de Coimbra, feita por estudantes para a comunidade. Terá começado nos anos 40, segundo algumas fontes, como Centro Experimental de Rádio, secção cultural da Associação Académica. Nesses primeiros anos as emissões eram internas e episódicas, passando a regulares em 1983. Muda para o acrónimo actual em 1986 e recebe a merecida autorização em 1989, tomando 1 de Março como data simbólica de fundação, dia da Universidade. Tomás Cunha, estudante de Direito e presidente da direcção da RUC, descreve que há muito «amor à camisola» numa rádio feita em regime de voluntariado, por estudantes de diversas áreas, pessoas muito diferentes, que pensam de forma muito diferente e que tomam adaptação e resiliência como palavras-chave. O Tomás teve aulas de manhã, adiantou trabalho antes da entrevista e, depois desta troca de palavras, irá ainda conduzir o relato do jogo da Académica para a RUC. Isto é demonstrativo. Numa casa de experimentação e de muita irreverência, onde se permite testar o erro e ensaiar capacidades que servirão para a vida, a formação é contínua e em entreajuda permanente. Como rádio escola, a RUC tem cursos de relatos, de programação, de informação (oficina de redactores) e técnica de radiodifusão. Até porque se pretende que a geração anterior ensine a seguinte, ciclicamente, de forma a manter a estrutura e a substituir gerações, reciclando as gentes, quase em eterno retorno. Tomás comenta os marcadores horários, uns segmentos humorísticos que são uma das marcas da RUC e que surgem num processo de apoteose criativa chamada de Noites Spot, em que se convocam os associados para criar novos segmentos. A inventividade e o traço pessoal estendem-se aos programas da RUC, pelo que se oferecem programas de K-pop, de sons mais pesados como o Pecado Sonoro ou o Doomingo, programas literários como o 5 Minutos de Poesia, de música electrónica com o Kepler, de hip-hop com o Suburbano, de música africana com o Nô Badja e muitos, muitos mais, programas musicais, de nicho, de autor, irreverentes e imaginativos – contaminantes. E ainda a componente desportiva, com os relatos da Académica e o acompanhamento constante da vida universitária com espaços de debate e informativos. A RUC tem também uma relação de cumplicidade com editoras de música e com artistas independentes, «seja através das comemorações anuais da rádio ou pela grelha diária» e relaciona-se com a RUM e com a RUA, mantendo troca de programas com estas rádios. Tomás refere as dificuldades de manter os cursos e de fixar novos associados, devido à situação pandémica, mas também às alterações introduzidas pelo Processo de Bolonha, que encurtou os cursos.

Fotografia da cortesia da RUC

Nuno Ávila, uma das duas vozes do programa diário Santos da Casa, está na RUC desde 1989. Fausto da Silva, a outra voz do programa, está desde 1983. São dois dos históricos da RUC, outro seria o João Pedro Gonçalves, do Clepsidra, que está também desde 1983. Santos da Casa irá celebrar três décadas em 2022, aquele que é o programa de música portuguesa mais antigo da rádio. Em conversa com o Nuno Ávila, ele sublinha a ideia da «liberdade de passar qualquer música», qualificando a RUC como uma rádio de autor. Esta ideia de itinerância sonora, em que o locutor, ainda que num programa temático, vai facilmente deambulando por outros espaços musicais sem guião, porque não é necessário guião, é distintivamente de rádio universitária. A viagem é pessoal e transmissível, e complementa com: «a RUC é amor pela rádio e pela música, irreverência no bom sentido, é uma rádio que passa música de que os locutores gostam».

Fotografia da cortesia da RUM

Elisabete Apresentação, do Departamento de Programas da RUM, apresenta a rádio: «A RUM foi criada em 1984, e terá surgido da necessidade dos estudantes de terem um veículo para contestar um aumento de preços nas cantinas». A RUM teve também origem num Centro Experimental de Rádio Universitária. Elisabete continua: «Era uma coisa muito rudimentar, pequena, foi-se tornando profissional. Agora é totalmente profissional, uma rádio a sério». No início viam a RUM como a rádio dos estudantes e até a desconsideravam, mas houve uma mudança gradual e esse epíteto já é residual. Dada a sua origem, a RUM mantém uma relação próxima com a Universidade do Minho, protocolado, que se materializa através de vários programas como o Alumni pelo Mundo, que empresta diferentes perspectivas de antigos alunos; o UM & ID, que apresenta investigadores da Universidade e o UMinho em Antena com um compacto das notícias da Universidade e da comunidade estudantil. Através do RUM Lab, assume-se também a faceta de rádio escola, dando formação em informação e audiovisual, aberto a estudantes e a não estudantes. Se bem que a sua génese é como rádio universitária, cumpre-se agora como uma rádio virada tanto para a universidade como para a cidade e que «acaba por ser mais uma rádio regional», servindo o quadrilátero urbano de Braga, Barcelos, Famalicão e Guimarães, até porque a Universidade do Minho também está implantada nesta última cidade. Mantém programas de autor muito diversificados, como o de música brasileira Olhar de Lá e de Cá, de música galega Grandes Vozes do Nosso Mundo, literário Livros com RUM, sobre jazz, o Só Jazz, de José Carlos Santos, que completa 33 anos em 2021 e o Português Suave, dedicado a música portuguesa, de porta e ondas sempre abertas a novas bandas e a melhor forma de divulgar música que pode não encontrar espaço nas rádios nacionais. A RUM faz troca de programas com a RUC, numa estreita relação que se podia estender a outras rádios de génese universitária. A RUM mantém inscrita no seu ADN a irreverência que lhe deu forma e complementa-a com a maturidade de uma rádio que se quer de alcance regional – nos blocos informativos, nos programas de debate, no foco. 

A Universidade FM, que já teve o nome de Rádio Universidade Marão, teve o seu arranque em 5 de Maio de 1986, em Vila Real. Obteve licença em Dezembro 1989 para o município de Vila Real. Em 2004 aproximou-se da sua origem, ao instalar-se nas Residências Universitárias da UTAD. A RUA apresenta-se como rádio universitária de «cariz alternativo-cultural e condimentada com voluntariedade desinteressada» e foi fundada em 1990. Há outras rádios universitárias, como a Rádio Zero do Instituto Superior Técnico de Lisboa ou a Engenharia Rádio da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que emitem online. Diferentes percursos e contextos conduzem as rádios universitárias na actualidade. Todas elas são necessárias como incubadoras musicais, dado que dão espaço mais imediato e privilegiado a tendências sonoras que não encontrariam espaço nas rádios e na cena musical convencional, e não apenas através de programas de autor, também através de festivais e de concertos que organizam e veiculam e extravasam o espaço geográfico da própria rádio. Mas a rádio universitária não se esgota na música, dilata-se por inúmeras demonstrações do gosto e da criatividade, é sintonizar e descobrir.

Frequências:

RUA | 102.7FM  

RUC | 107.9FM Coimbra

RUM | 97.5FM Braga

Universidade FM | 104.3FM

Texto de Rafael Vieira
Fotografia da cortesia da rádio RUC

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