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Thunder Foods: “Vamos poder comer pão com uma parte de farinha de inseto”

Não se trata de trocar um bife por um gafanhoto, mas de incorporar proteína de insetos nas farinhas usadas, por exemplo, nos pães. Diogo Palha, da Thunder Foods, explica como será a alimentação no futuro.

Texto de Isabel Patrício

Fotografia de Mario M via Wikipedia

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Com a população mundial em franca expansão, tem crescido a necessidade de encontrar soluções alternativas para uma alimentação nutritiva e, em simultâneo, amiga do ambiente. Os portugueses da Thunder Foods acreditam que a proteína de insetos poderá dar um contributo importante nesse sentido e pensam inclusivamente em criar a sua primeira unidade industrial.

Numa entrevista por escrito, Diogo Palha, gerente desta empresa que nasceu a partir da Entrogreen – que produz insetos para a alimentação animal –, fala sobre o nascimento deste projeto, o financiamento que têm conseguido e a relevância desta alternativa alimentar, assegurando que não se trata de trocar um bife por um gafanhoto, mas incluir proteína deste tipo nas farinhas utilizadas, por exemplo, no pão ou até mesmo no esparguete.

Gerador (G.) – Quando é que a Thunder Foods nasceu e o que vos inspirou a criarem este projeto?

Diogo Palha (D. P.) Em 2021, foram aprovados os primeiros cinco insetos para alimentação humana na União Europeia. Entre eles, encontra-se o tenebrio molitor [larva da farinha], inseto ao qual a Thunder Foods se dedica. O nascimento da empresa não se deu, no entanto, por causa dessa alteração legislativa, mas, sim, porque era o momento de se separar totalmente os desenvolvimentos que estavam a ser realizados com a mosca soldado negro, a que se dedica a EntoGreen, daqueles que eram realizados com o tenebrio.

G. – Na sua visão, qual será a importância da introdução dos insetos na alimentação no Velho Continente?

D. P. É preciso criar soluções alternativas para alimentar, de forma sustentável, a população mundial, que superará os nove mil milhões de pessoas em meados deste século. A proteína de inseto, produzida de forma industrial, poderá contribuir como uma das soluções, daí a sua importância.

G. Sendo uma alternativa sustentável, o que impediu que esta opção fosse considerada mais cedo, no Ocidente? Por exemplo, surgiu, entretanto, alguma tecnologia inovadora que tornasse agora esta opção mais atrativa?

D. P. Os insetos fazem parte dos hábitos alimentares de uma franja substancial da população mundial, sobretudo, na Ásia e em África. No entanto, esses insetos são capturados na natureza, não são produzidos com esse objetivo. [A grande questão], quando se fala sobre proteína de inseto, é [relativa à] produção de forma industrial e sobre isso nunca se tinha trabalhado anteriormente. Note-se que os especialistas em insetos no passado eram especialistas em matar esses insetos, pois podiam tornar-se uma praga. Não havia especialistas em criar insetos. Produzir proteína de inseto de forma industrial exigiu e continua a exigir grandes esforços de Investigação & Desenvolvimento (I&D). Estes esforços começaram há relativamente pouco tempo, pelo que só agora começam a existir projetos capazes de produzir esta proteína.

G. – Em termos de sustentabilidade ambiental, como é que os insetos se comparam com alternativas de proteína não animal, como o tofu?

D. P. O tofu é um produto de origem vegetal, produzido a partir da soja, que é a base da alimentação animal. Para produzir mais soja, há apenas dois caminhos: ou aumentamos a produtividade dos solos – sendo que a pressão sobre a produtividade dos solos já é fortíssima hoje e o seu aumento implica a utilização de fertilizantes – ou alargamos a área produtiva, o que implica deflorestação. Um produto derivado da soja não pode ser considerado uma nova fonte de proteína, pois não o é. No entanto, os insetos são uma nova fonte de proteína face às tradicionais, sendo que a sua obtenção é mais sustentável do que as fontes tradicionais pelo facto de exigir muito menos recursos (espaço, água e alimentação).

G. – Ainda no que diz respeito à sustentabilidade, que características defendem para as vossas infraestruturas para que também elas sejam mais amigas do ambiente?

D. P. Na Thunder Foods, ainda estamos em fase de Investigação & Desenvolvimento. O nosso objetivo é industrializar o processo de produção de proteína de tenebrio molitor e estamos nesse caminho. Ainda não temos unidade produtiva, mas tão só uma unidade de I&D. Naturalmente que o tema da sustentabilidade faz parte da natureza da empresa e que nos preocuparemos em que a futura unidade industrial seja o mais eficiente possível, tenha alimentação por energia solar, a frota de veículos seja elétrica e que os subprodutos utilizados representem a menor pegada possível.

G. – A Thunder Foods está hoje, como disse, ainda numa fase embrionária. Qual será o vosso primeiro produto e quando chegará ao mercado? Referiram, a certo ponto, a possibilidade de produzirem farinha a partir de larvas de escaravelho.

D. P. O desafio da Thunder Foods é conseguir industrializar o seu processo e fazê-lo funcionar da forma mais estável, constante e automatizada possível. Não está no nosso horizonte, pelo menos imediato, produzir os nossos próprios produtos, mas, sim, fornecer a nossa proteína a quem depois a incorporará nos seus produtos. Em princípio, não teremos produtos Thunder Foods a chegar ao consumidor, mas, sim, produtos com proteína Thunder Foods a chegar ao consumidor final.

G. – Receiam que o mercado ainda não esteja preparado para este produto, isto é, que os consumidores ainda sintam alguma estranheza?

D. P. Sinceramente, não. Quando falamos de alimentação com insetos, as pessoas veem-se a dar uma dentada num gafanhoto, e isso cria alguma repulsa nos ocidentais. No entanto, ninguém está a falar de substituir um bife por um gafanhoto. A alimentação com insetos vai passar pela incorporação de proteína de inseto em forma de farinha em receitas. Vamos poder comer pão cuja farinha inclui uma parte de farinha de inseto, tornando-se, assim, num pão proteico. O mesmo sucederá com o esparguete ou com um snack. O aspeto do produto será igual ao que já conhecemos e, a nível do sabor, tão pouco existirão grandes diferenças. Por isso, achamos que a possível repulsa relativamente a produtos alimentares com inseto não vai ser uma questão complexa de ser ultrapassada.

G. – Em termos de preços, quão competitivo será este tipo produto e qual será o segmento de mercado em que mais apostarão?

D. P. A produção industrial de proteína de inseto exige investimentos muito avultados, pelo que o preço desta proteína ainda é mais elevado do que o preço de outras proteínas. À medida que os anos passarem, que a tecnologia de produção fique mais madura e que os níveis de produtividade aumentem, [esta proteína deverá] tornar-se mais competitiva. No entanto, pensamos que vai ser sempre um produto de valor acrescentado. Na Thunder Foods, vamos trabalhar para empresas de produção de produtos alimentares que pretendam incorporar proteína de inseto nos seus produtos. Os clientes destas empresas vão ser, sobretudo, no início, clientes que valorizam esta diferenciação, quer pelo tema da sustentabilidade, quer pelo tema da saúde.

G. – Em que ponto estão, em termos de financiamento? Há um ano, pelo que foi escrito, estavam a tentar levantar um investimento de cinco milhões de euros.

D. P. A Thunder Foods tem um plano de investimento que é substancialmente superior a esse valor. Neste momento, estamos prestes a poder considerar a nossa tecnologia como estabilizada e, nessa altura, será o momento de fechar negociações com os investidores com quem temos vindo a conversar.

G. – Têm algum apoio público ou comunitário? O enquadramento atual é favorável ao desenvolvimento desta alternativa alimentar?

D. P. Até ao momento, a Thunder Foods viu aprovadas três candidaturas a apoios comunitários, que vamos começar a executar, no segundo semestre deste ano. Será a primeira vez que a empresa irá contar com apoios deste tipo. Quanto ao enquadramento, podemos considerar que o mesmo é favorável para o desenvolvimento desta alternativa. Já temos as entidades do sistema científico a debruçarem-se fortemente sobre o tema, temos os consumidores a começarem a procurar, temos as indústrias a interessarem-se, temos legislação e começamos a ter investidores dispostos a abordarem esta temática, pelo que o enquadramento se pode considerar favorável.

G. – O conflito em curso na Ucrânia veio mostrar a dependência do Velho Continente em vários pontos. No caso da alimentação, de que modo podem os insetos contribuir para a nossa autonomia?

D. P. Tanto a pandemia – que acabou por não trazer problemas à cadeia de abastecimento alimentar, mas que podia ter trazido problemas muito graves – como agora a guerra da Ucrânia vieram demonstrar que é fundamental reforçar a soberania alimentar. A produção industrial de proteína de inseto permite que os países possam possuir, no seu território, uma solução adicional, o que, sem dúvida, reforça a autonomia alimentar.

G. – Na sua perspetiva, como será a nutrição do futuro e de que modo diverge da atual?

D. P. Acreditamos que, cada vez mais, serão incorporadas preocupações de sustentabilidade, saúde e bem-estar [na alimentação]. Não creio que seja uma nutrição divergente da atual, mas, sim, uma nutrição que evolui movida, por um lado, pela necessidade e, por outro, pelas preocupações da sociedade.

G. – E quais serão os próximos passos da Thunder Foods?

D. P. Estabilizar a tecnologia que estamos a desenvolver, angariar investimento e construir a primeira unidade industrial para produção de proteína de tenebrio molitor para alimentação humana.

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