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“Toda a gente se esforça para sentirem que a casa deles vai ser sempre cá”

«A memória que tenho desde pequena é que em agosto, na casa dos meus pais,…

Texto de Carolina Franco

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«A memória que tenho desde pequena é que em agosto, na casa dos meus pais, se reunia a família toda. Toda a gente cabia. Depois, de madrugada, no fim das romarias, juntávamo-nos a tomar o pequeno almoço; íamos buscar pão e manteiga e ficávamos na conversa. No dia a seguir, repetíamos». É com as palavras de Lurdes Esteves, natural de Monção, que se inicia a reportagem “Depois de agosto, a saudade — Ir à terra e encontrar pedaços de identidade”, publicada na Revista Gerador 32. Quatro meses depois, retomamos contacto, e Lurdes recorda que “os primos e tios que viviam em França, quando não vinham em agosto, vinham no Natal e traziam presentes e chocolates que não havia cá em Portugal”. “Estávamos sempre à espera que eles viessem, primeiro, porque tínhamos saudades, e, depois, pela curiosidade do que iam trazer de diferente”, conta a rir. 

Os Natais de Lurdes eram, também, “presenciar a emoção com que os pais recebiam os filhos que estavam num país estrangeiro para ganhar a vida, e que sentiam alívio ao ver que eles estavam bem”. Com os primos, lembra-se de jogar às cartas em frente à lareira e correr pela casa a jogar às escondidas, quando era mais nova, enquanto os adultos punham a conversa em dia, agora sem fronteiras. À medida que foi crescendo, percebeu que havia um devolver de quem estava fora, a quem por cá ficava: “os filhos faziam questão de garantir que os pais tinham tudo o que era preciso para o Natal, como o bacalhau, o bolo rei, que alguns pais nem tinham possibilidades para comprar”. Como vivia numa casa com “algum terreno”, brincavam, Lurdes e os seus primos, ao ar livre, na manhã de 25.

Há vários anos que o Natal de Lurdes raramente é sinónimo de uma lareira com a família reunida à sua frente. Desde que foi vendo alguns tios a partir, mas sobretudo desde que a vida a forçou a despedir-se dos pais, o Natal não lhe parecia o mesmo. Ressignificou-o com o nascimento do seu filho, que “dá alegria à casa”, ainda que divida as celebrações com o pai. “Desde que perdi os meus pais, o Natal nunca mais foi o mesmo. Perdeu o encanto. Mas desde que o meu filho nasceu, passou a fazer sentido novamente”, conta. Na véspera de Natal, não falta a chamada para os tios que ainda estão por cá, e para os primos com quem brincava em frente à lareira ou no terreno em torno da sua casa, na infância. 

Joana Rocha, que cresceu no Marco de Canaveses, teve uma experiência diferente da de Lurdes, que se alterou quando os seus pais emigraram para Inglaterra. Dos seus 23 anos de vida, há sete que vive com a irmã mais nova e os avós, mas todos os dias conversa com os pais por videochamada. “Infelizmente, habituamo-nos à ausência, tem de ser, por uma questão de sobrevivência, e, com a rotina, uma pessoa vai-se habituando e não pensa tanto nisso, mas claro que no início, quando eles foram para lá, eu tinha 15 ou 16 anos e sentia muito a falta deles. Nem que seja só por uma questão de estares o dia todo fora de casa e quando chegas queres ter ali a tua mãe, nem que seja só para te dar um ‘olá filha, como é que correu o dia? está tudo bem?’. Claro que isso acontecia nas videochamadas que fazíamos, mas não é a mesma coisa chegares a casa e saberes que tens ali aquele beijo na testa, da mãe, e que está tudo bem. Claro que isso fazia, e continua a fazer, muita falta”, partilha Joana.

Este ano, por força das circunstâncias, os pais de Joana terão de ficar em Inglaterra pelo Natal. “Normalmente não ficamos mais de três ou quatro meses sem nos vermos, e este ano eu e a minha irmã éramos para ir lá, mas com a covid-19 achamos que não vai dar”, partilha. A ausência que se sente na vida de todos os dias intensifica-se “em datas festivas”, como o Natal ou os aniversários de Joana e Rita, a sua irmã — ainda que os pais tentem “sempre vir ao aniversário de uma das duas, todos os anos”. “Quando não conseguem, claro que se sente muito essa falta, porque é um dia especial; é o teu dia e querias estar com os teus pais e festejar, e às vezes não dá. Mas claro que o momento em que se sente mais é no Natal.”

Desde que tirou a carta de condução, é Joana quem vai buscar os pais ao aeroporto. No dia em que chegam, é garantido que há um almoço ou jantar de família. “Tem de haver pão fresco e vinho, que acho que é o que eles sentem mais falta”, diz a filha que tão bem conhece os pais. 

Ana Carolina Vieira, cujo irmão também se encontra emigrado na Suíça “vai fazer cinco anos”, conta que quando o irmão e a cunhada regressam a casa “toda a gente se esforça para eles se sentirem acarinhados, e sentirem que a casa deles vai ser sempre cá”. Há jantares com a família toda reunida, e uma mãe que “faz questão de pôr tudo direitinho para eles, comprar tudo o que ela sabe que eles gostam, e fazer os pratos que eles mais gostam de comer”.

“Estando longe, há sempre a vontade de tentar fazer com que eles, não estando presentes fisicamente, estejam presentes na nossa vida. Sempre que acontece alguma coisa, ligamos-lhe logo a contar, para não se sentirem de parte”, conta Ana Carolina. Ainda assim, não esconde a falta que o irmão lhe faz: “uma coisa de que sinto imensa falta é estar com o meu irmão nos momentos mais simples do dia, porque até estudar, eu e o meu irmão estudávamos juntos; ele ia ao café e eu ia sempre com ele, e perdeu-se isso. Agora, sempre que ele vem cá, leva-me para todo o lado”, diz entre risos.

Ao longo destes anos, Joana e Rita mantiveram-se sempre próximas dos pais, por muito que existissem fronteiras físicas entre eles. Assim que se viram obrigados a emigrar, os pais garantiram que nada lhes faltaria, e as videochamadas tornaram-se “parte do dia a dia”. Joana, cujas vivências a fizeram ter de crescer, confessa que “quando era mais nova” lhe “custava muito quando ficava doente”, quando “precisava de ir ao médico ou ao banco” e, mais tarde, quando precisou de “começar a ir ao mecânico”. “Se queria ver as coisas feitas tinha de ser eu a ir e a fazer, porque também não queria chatear os meus avós com isso. Mesmo quando tinha de ir ao médico com a minha irmã, era sempre eu a ir — e ainda sou. Nessa altura até ficava meia revoltada, tipo ‘porque é que tenho de ser eu a ter este trabalho todo? não é suposto’, e quando fui para a Universidade, até agradeci e pensei ‘consigo ir a qualquer lado e desenrascar-me, não tenho qde estar à espera de ninguém para ver as coisas feitas’”, confessa. 

“Se por um lado, quando era mais nova, isso me irritava e achava que era uma injustiça e era um fim do mundo, hoje em dia agradeço, porque me fez uma pessoa desenrascada. Os meus pais ensinaram-me a ser uma pessoa muito desenrascada, em qualquer lado”, conta a jovem. 

Este ano, Lurdes vai passar o Natal com a sua família mais restrita, como tem feito nos últimos anos. Joana irá, certamente, fazer uma videochamada com os pais, mesmo que possa “parecer um dia como os outros” pela sua ausência física. Ana Carolina vai juntar a família em casa para comunicar a distância. Todas aguardam, ansiosamente, o próximo abraço. 

Este é o primeiro artigo de uma semana temática dedicada à emigração, que parte da reportagem “Depois de agosto, a saudade — Ir à terra e encontrar pedaços de identidade”, publicada na Revista Gerador 32
Texto de Carolina Franco
Fotografia de Philipp Dubach disponível via Unsplash

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