Sete atrizes dão corpo a dezasseis personagens, numa peça que tem uma visão da sociedade estruturalmente patriarcal, onde questões de raça, género e classe ganham nova pertinência no período de crise global que atravessamos durante décadas. Estreou no dia 20 de maio e estará em exibição até dia 5 de junho, no D. Maria II. Com direção de Cristina Carvalhal, a peça traz à tona temas políticos e sociais. "Top Girls" dá voz a um grupo de mulheres que a História "insiste em esquecer".
Integrado no Ciclo dedicado a Caryl Churchill, "Top Girls" a "frustração do desejo" e a "ascensão do poder de uma mulher de sucesso contemporânea" são o mote para uma reflexão perante "o ordenamento social e político patriarcal" e da sua ausência de mudança. Este é um dos dramas centrais. Marlene, a protagonista é uma mulher que se organizou da melhor forma para ser bem-sucedida na sua carreira, sacrificando valores maiores e vida pessoal para ser “acomodada”.
Cristina Carvalhal, agora, sob a direção da peça, ainda que já conheça bem o texto pela sua experiência em palco, como atriz, em tempos teria o papel de uma das personagens "isto foi um convite da direção do Teatro Nacional. Eu ponderei, voltei a ler a peça e pareceu me extremamente pertinente voltar a ela. Está cheia de referências aos anos 80, aliás, a Caryl deixa isso explícito. É quase como uma resposta a quando Margaret Thatcher assume o cargo de primeiro-ministro", explica.


Decidindo manter essas mesmas identidades de forma a existir alguma distância, ainda que situada, Cristina recorda a direção da Fernanda Lapa, "É a primeira vez que faço esta peça como diretora. Já o tinha feito como atriz e a direção era da Fernanda. Este espetáculo é também uma homenagem para revisitar este texto que foi importantíssimo no teatro, assim como ela, por todo o seu trabalho, conhecimento. Era uma feminista e, a tudo isso, aglomera-se à necessidade e pertinência de o abordar perante os dias de hoje". Cristina reconhece que a mudança desde então não foi tão assinalada como deveria "as mulheres continuam a ganhar menos que os homens; assim como os cargos mais específicos, ainda que categorizados pela escolaridade, continuam a ser ocupados, maioritariamente, por homens. E a realidade é que, a nível numérico, somos praticamente o mesmo número de pessoas", continua.
Reconhecendo que é também necessário "lutar no dia-a-dia" e para que essa luta faça ainda mais sentido, reconhecer as nossas origens, é também algo premeditado olhando para a peça no seu ímpeto.
Fazendo um paralelismo com a peça "Distante", também presente no ciclo, há uma harmonia que complementa ambas as peças, não só por estrearem no mesmo dia e por terem um espaço temporal, como chegam a tocar na dicotomia abstrato-real. A crítica política e social é intrínseca e, apesar de ser uma peça só de mulheres, existe também uma conexão "subtil" e indireta que Cristina também reconhece, no geral, com todo o ciclo "esta peça só tem mulheres e, normalmente, era chamada e é como uma peça feminista. No entanto, a Caryl afirma muito concretamente que não. Isto é uma peça sobre um sistema; a questão do poder que também está muito presente no "Distante." É certo que está mais focado sobre as mulheres, mas porque são também as primeiras a sofrer os efeitos dessa hierarquização", completa.


"Sobre uma sociedade capitalista, selvática que não tem valores que tem valores como humanismo ou a proteção dos mais fracos". Assim se define "Top Girls", no Teatro D. Maria II.