Ser psicólogo é, muitas vezes, um exercício de sobrevivência num paradoxo. Por um lado, sentimos o peso de sermos subvalorizados, especialmente quando nos comparam com médicos psiquiatras. Por outro, colocam-nos num pedestal irrealista, como se a nossa profissão fosse uma armadura contra qualquer tipo de sofrimento. No fundo, somos desumanizados por duas diferentes vias: por aqueles que não reconhecem o valor do nosso trabalho e por quem nos vê como imunes às dores que ajudamos os outros a enfrentar.
Há momentos em que parece que somos apenas uma extensão do trabalho dos psiquiatras, como se o nosso papel fosse secundário, uma espécie de eco às intervenções médicas. A psicologia, com toda a sua riqueza em compreender o comportamento humano, é frequentemente reduzida a algo que "apoia", como se a legitimidade do sofrimento só pudesse vir de uma receita.
Mas a verdade é que nós não prescrevemos comprimidos; ouvimos histórias. Não tratamos apenas sintomas; mergulhamos nos traumas, nas camadas sociais e emocionais que moldam quem cada pessoa é. O nosso trabalho não cabe num manual de diagnóstico, e é aí que reside o seu poder.
Apesar disso, o reconhecimento por este trabalho é, muitas vezes, mínimo. Somos colocados numa escala onde os salários são baixos, a visibilidade é escassa, e a sensação de luta por reconhecimento parece eterna. Tudo isto reflete uma visão antiquada e redutora do que significa cuidar da saúde mental.
E, enquanto lidamos com essa desvalorização, carregamos outro fardo: o da idealização. Há uma expectativa de que, por sermos psicólogos, somos inabaláveis. As perguntas surgem: "Como é que podes estar ansioso?" ou "és psicólogo e estás depressivo?". É como se as pessoas esquecessem que também somos humanos.
Sim, sabemos nomear o que nos acontece. Temos o conhecimento técnico. Mas isso não nos protege das dores que vêm com crises pessoais, traumas ou perdas. Saber identificar a tempestade não faz com que seja mais fácil atravessá-la.
Esta ideia de que somos perfeitos, sempre em controlo, afasta-nos do direito de sermos vulneráveis. Muitos de nós evitam pedir ajuda porque o medo de parecer "menos profissional" é sufocante. Essa necessidade de estar sempre à altura de uma expectativa irreal não é só injusta — é perigosa.
Entre a desvalorização e a idealização, criamos um espaço onde o burnout floresce. Carregamos histórias, traumas e desabafos que não são nossos, mas que fazem parte do nosso trabalho. E, ainda assim, quem nos segura? Quem nos ouve?
Ser psicólogo, às vezes, é sentir que não há espaço para ser humano. Que temos de estar sempre disponíveis para os outros, enquanto o nosso bem-estar é colocado em segundo plano. E isso, a longo prazo, é insustentável.
Está na hora de derrubar essas barreiras. De perceber que os psicólogos não são heróis, nem máquinas. Não somos melhores nem piores do que ninguém. Somos essenciais para a saúde mental coletiva, sim, mas também somos pessoas que merecem respeito e apoio.
A psicologia não é uma extensão da psiquiatria. É uma ciência em si, tão válida e necessária como qualquer outra. Para continuarmos a cuidar dos outros, precisamos de cuidar de nós mesmos, sem medos ou julgamentos.
É tempo de desmistificar a ideia de que somos intocáveis e aceitar que, tal como qualquer pessoa, também temos as nossas batalhas. Não somos infalíveis, mas somos indispensáveis. E isso, por si só, já deveria ser suficiente.