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“Ver Com Olhos de Ficar”, de voltar e de refletir a fotografia. Assim se apresenta o f\est Amarante

O relógio assinalava as dezoito horas e uns tantos minutos. O local eram os claustros do Museu de Amadeo de Souza Cardoso. Iniciava-se assim a inauguração daquela que é a primeira edição de f/est Amarante – Festival Internacional de Fotografia, que se fazia acompanhar também no online. Determinada como uma “edição zero” da mostra do festival, dá palco, olhares e voz aos fotógrafos Antero de Alda, João Silva, Leonel Castro e Paulo Pimenta.

Dotada de 24 fotografias inéditas, e de muitas outras que nasceram em Amarante, no pensamento, o festival marcava o início de uma exposição que apela à observação, prolongando-se até dia 17 de agosto. Parar e ficar. Parar e voltar. “Ver Com Olhos de Ficar”. Com olhos de quem parte, de quem fica e de quem visita.

Momento de inauguração da primeira edição de f/est Amarante – Festival Internacional de Fotografia.

Desde Vila Meã até ao centro de Amarante e passando por locais identificados na app Amarante Tourism como a Ecopista, o Parque Florestal, o Campo da Feira e a Quelha das Garridas, as imagens que retratam as pessoas e a vida de Amarante são apresentadas nos mais diversos locais.

Desmistificar lugares, teletransportar, criar memórias e construir narrativas independentes que viajam pelo passado, presente e futuro, foram os pontos de partida, “complexos, mas muito próprios” que deram liberdade a Lino Silva, fotógrafo fundador e curador do festival, de distribuir pontos de reflexão, íntimos, pela cidade, que se determinassem como uma ‘janela aberta’ para a comunidade local e para todxs aquelxs que a cidade recebe.

A relação entre Lino e Amarante já vem de longa data. Cedo foi professor e, desde então, sempre se identificou muito com a cidade, “fiquei com ligação muito próxima às pessoas, desde que dei aulas cá. Admiro muito da cultura que a cidade respira e, quando me foi lançado este desafio em concreto, sendo eu fotógrafo foi quase como um casamento perfeito, esta combinação de juntar a fotografia à cidade de uma forma mais democrática, de tornar acessível a fotografia a toda a gente”, começa por nos explicar o curador.

Não sendo novidade que Amarante é uma cidade que abraça as artes diversas, a fotografia não seria exceção. Registando-se como uma das primeiras iniciativas abrangentes que se foca na área em específico, abre portas e olhares a artistas, alguns deles descendentes ou que passaram grande parte da sua vida na cidade. Lino explica que “uma vez que a cidade de Amarante é um museu a céu aberto e tão visitada, é uma forma de relacionar essa realidade com a fotografia e perceber o que este trabalho e exercício fotográfico é aos olhos de público”.

Sobre o passado, fala-se de uma homenagem póstuma ao professor Antero de Alda; o presente, acompanha o trabalho dos fotojornalistas do Público e do Jornal de Notícias, Paulo Pimenta e Leonel Castro, respetivamente; e o futuro, pela visão do estudante do Instituto Português de Fotografia, João Silva.

Mais do que uma exposição que retrata as tradições, os costumes e a comunidade de uma cidade, “Ver Com Olhos de Ficar” é uma homenagem, uma reflexão e a vivência de quem por cá passa.

Os sítios mais “improváveis”, são o mote que envolve as fotografias de cada um dos fotógrafos. Lino explica-nos que “qualquer sítio em que as fotografias estejam expostas é válido porque, na essência, é o que a cidade é e as fotografias só lhe vão dar um pouco mais de riqueza”. Sem critério específico de escolha de estruturas para a colocação das fotografias, assim nasceu a harmonia “perfeita” entre a cidade e a fotografia.

“É um movimento importantíssimo para a cidade”

Da zona mais antiga da cidade, nas ruínas que trespassam o rio Tâmega até às ‘quelhas’ tão características de pedras sujas e gastas que compõem pequenos arcos e pontes, a fotografia acompanha todxs aquelxs que por lá passam. Os andaimes que dão corpo, por enquanto, ao Cineteatro dão vida aos olhares dos artistas que completam a exposição, assim como o Museu de Amadeo de Souza Cardoso que, além de ter inaugurado todas estas visões é também palco da lente de João Silva, jovem fotógrafo, que tal como Lino afirma, “fez todo o sentido porque tendo a fotografia evoluído das artes plásticas, nomeadamente, a pintura, é também momento de refletir a Fotografia como um elo de ligação da cidade às diversas formas artísticas que a distinguem quer nacional quer internacionalmente”.

João Silva, fotógrafo de 22 anos que integra o núcleo grosso de fotógrafos presentes na exposição, nasceu e cresceu na cidade de Amarante e, no que toca à relação do festival com as artes diversas concorda com o curador, afirmando ainda que “nós temos muitos bons fotógrafos cá, em Amarante, que nunca tiveram ou terão possibilidade de expor, aliás, nem eu teria se não fosse esta chamada do f\est Amarante, sendo que não tínhamos propriamente algo criado e voltado para a Fotografia. É certo que Amarante tem uma boa relação com a Fotografia, mas, no seu ativo, não tinha propriamente uma abertura. Tivemos o Eduardo Teixeira Pinto e o António Carneiro que também se dedicou um pouco à fotografia, anteriormente, mas, depois disso, poucos foram os nomes que conseguiram singrar na cidade ou que tenham partido da cidade para expor, mesmo no que toca à fotografia de autor. Este festival, é uma porta aberta e ativa para combater essa dificuldade que sentimos até então, o que é ótimo. É muito importante termos oportunidade de expor o nosso trabalho e receber jovens e novas pessoas na cidade. É um movimento importantíssimo para a cidade”, explica o jovem fotógrafo.

Entre as raízes e o gosto, eles se difundem

Antero e João abraçam a cidade de Amarante desde raiz. João nasceu nela, já Antero, dedicou grande parte da sua residência e visão a ela. Paulo e Leonel tinham espólios e visões de Amarante, exteriores, mas que retratam “muito bem” a cidade aos olhos de quem chega e a recebe numa harmonia recíproca.

João, numa breve conversa, contou ao Gerador que a partir da liberdade criativa e de pensamento que lhe foi atribuída nesta exposição chegou ao retrato que, para si, lhe fez muito sentido “em quinze dias, desenvolvi doze fotografias e, depois disso, foram selecionadas seis, tirando uma delas que foi escolhida a partir de arquivo. Eu optei por fotografias de família. As pessoas mais próximas de mim que, no meu entender, estão muito integradas no dito ‘amarantino’, que são os meus avôs, o sobrinho deles, o meu primo e o Amândio, um senhor que visitei, com quem conversei e que partilhou histórias que alimentavam muito a fotografia que eu fazia”.

"O Amândio, senhor que visitei, com quem conversei e que partilhou histórias que alimentavam muito a fotografia que eu fazia." João Silva

A representação feita por João e Antero de Alda, muito envolvidos no crescimento da cidade, remete para um olhar que parte do cerne da comunidade e que se harmoniza com as visões de quem chega, como o Paulo e Leonel. É também dessa diversidade que João e Lino, o curador, nos falam.

Parte da seleção fotográfica da exposição resulta de arquivo de alguns artistas, nomeadamente, do Paulo Pimenta, e de momentos captados, durante este ano de 2021, como foi o caso do trabalho do João Silva e do Leonel Castro. É no tempo e no espaço que estas imagens se difundem numa cronologia distante, mas que de forma mais ou menos provocatória transportam o seu público para memórias um tanto nossas como de quem nunca por lá passou ou presenciou. É com esta partilha de “dar e receber” que, assim como a comunidade local, quem pára para observar recorre à memória, seja ela qual for. “Percebi que todas elas (as fotografias) tinham um fio condutor do antes, do agora e do depois, desde o que estava em arquivo ao que foi criado e completado. Nesta visão geral fiquei muito satisfeito com o resultado final”, acrescenta o curador.

É com as palavras de Agustina Bessa-Luís, escritora amarantina, que o olhar de Paulo Pimenta se cruza, remetendo a uma tarde de Verão, onde o rio se alegra com crianças e pessoas por entre uma levada, praticamente submersa, feita de pedras do mesmo. É também destas experiências que a exposição vive, do reconhecimento das vivências e da evolução da própria cidade que, de alguma forma, se vai construindo ao longo destes marcos.

É também com as palavras de Agustina Bessa-Luís, escritora amarantina, que o olhar de Paulo Pimenta se cruza.

O antes, o agora e o depois é ainda remarcado pelo contraste dos edifícios antigos com representações fotográficas mais jovens e vice-versa. Lino explica-nos que esta dinâmica também teve em consideração o “poema” que abraça o sítio e contrasta com a representação que lá se difunde, “ou seja, num sítio em ruínas decidi colocar uma foto moderna e mais limpa e, em contrapartida, numa estrutura moderna e requalificada recorri à representação de uma senhora idosa, a limpar as lágrimas com um lenço. Tão depressa é o neto que passa e vê a fotografia da avó, como é a avô que fala orgulhosamente sobre a fotografia que o neto lhe tirou e expôs”, afirma.

“Uma comunidade que abraça a fotografia hoje, amanhã e sempre. Em locais onde não era suposto ser, somos

Descobrir o território e as pessoas é uma viagem que acompanha os lugares, os artistas e todxs aqulxs que chegam e passam pela cidade Amarantina. "Talvez a surpresa seja um encontro ou reencontro com o património material e imaterial que existe e persiste”. As palavras de Lino acrescentam ainda uma recetividade positiva quer dxs residentes da cidade como de quem se desloca para conhecer a exposição e Amarante. Da simplicidade, o conceito disfuncional faz sentido, através da sua unicidade, a cada olhar que observa cada uma das fotografias e, dessa forma, direciona-se pluralmente.

A descoberta é também algo que acontece através dos locais em que as fotografias estão expostas, isto porque, alguns não eram reconhecidos pelos próprios habitantes, “na altura da montagem da exposição, em conjunto com pessoas que me estavam a auxiliar, da Câmara Municipal de Amarante, um dos senhores que estava a ajudar, numa das quelhas disse-me ‘eu tenho setenta anos. Já cá vivo há tanto tempo e nunca tinha passado nesta quelha. Isto valida logo um autoconhecimento e é algo que faz sentido e que passa também por levar quem sempre viveu aqui e ouviu falar dos locais, a conhecê-los realmente.”, partilha o curador.

O desafio é ir à procura. Lino, já se encontra a preparar a edição de 2022 com um concurso internacional que irá englobar diferentes categorias, palestras e workshops. A mostra levanta apenas o véu de um festival que já pensa numa próxima edição ao pormenor, onde até os mais pequenos terão momentos de aprendizagem O curador adianta que a próxima edição contará com novxs convidadxs internacionais, o desenvolver novas ferramentas, palestras, entre muitas outras atividades que lhe darão corpo. “Não ficaremos por aqui.” Quem o diz é Lino. A cidade assim o espera.

Texto por Patrícia Silva
Fotografias da cortesia do festival

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