Visões do Império. Este é o nome do documentário de Joana Pontes, Filipa Lowndes Vicente e Miguel Bandeira Jerónimo. Realizado por Joana, e contando com a produção e distribuição de Vende-se Filmes, o filme que estreou mundialmente no DocLisboa assinala no dia 15 de Julho a estreia nas cidades portuguesas.
Pensar no coletivo é refletir perante o mote que motivou a realização de Visões do Império. Tudo começou quando Joana Pontes se encontrava a fazer a sua investigação de Doutoramento, que invocava a correspondência da Guerra Colonial e da história Contemporânea, "eu tinha em mãos cerca de cinco mil cartas, juntamente com as minhas fotografias... As cartas para além do próprio conteúdo, o interessante era perceber o circulava com as cartas. Mais do que nos aerogramas, nas nas cartas podíamos encontrar por exemplo, dinheiro, amuletos, imagens de santos, flores secas, enfim, várias coisas. Entre elas, fotografias. Eu comecei a perceber que essas mesmas fotografias eram diferentes, ou seja, as que os militares mandavam à família e aos amigos ou aos camaradas de armas eram diferentes", começa por explicar Joana.
Neste mergulho profundo no passado colonial, a seleção de fotografias do império português - captadas desde os finais do século XIX até à Revolução de Abril de 1974, que permitiu terminar o regime político que governava Portugal, assim como o estatuto colonial de vários territórios africanos em 1975, permitindo-lhes assumir-se como países independentes - permitem uma relação mais próxima, que contorna as partilhas académicas e mais formais, entre o "cidadão comum" que pretende saber mais sobre as memórias e a história. A realizadora partilha que "ao consultar esse livro [Império da Visão] coordenado pela Filipa Lowndes Vicente pensei como seria interessante trazer conteúdos tão relevantes que estão na academia trazê-los para o espaço público".
As reflexões que surgem pela revisitação de fotografias da infância de Joana, em Angola, assumem-se assim como um fio condutor de uma procura de "contextos, realidades e sentidos sobre a documentação fotográfica do império colonial português" e, por essa mesma razão, Joana Pontes, Filipa Lowndes Vicente e Miguel Bandeira Jerónimo cruzaram-se em almoços, longas conversas e pesquisas. Revisitar as suas fotografias de família, através de uma "luz diferente" que não tão intimista e com uma carga emocional tão forte, despertou a curiosidade levando Joana a uma investigação a partir e com os seus "historiadores".
Nesta viagem também se descobriram os locais onde, nos dias de hoje, se compram e vendem fotografias e postais partilhados e com origem em contextos coloniais e ainda os arquivos onde se guardam as milhares e de fotografias relacionadas com o passado imperial português. Com a ajuda de Miguel e Filipa, Joana fala sobre a apropriação, circulação e importância até na partilha de informação da fotografia que, na altura, passara também como um instrumento político, propagandístico, documental e probatório.
A (re)descoberta de imagens e histórias perdidas ou esquecidas no chão da feira é algo que Joana considera perturbador, "pensar que, um dia, também as minhas coisas podem ter este fim... É muito perturbador chegar à Feira da Ladra e ver as fotografias, até mesmo de família ou como a aquela do militar que eu comprei, por um euro ou dois euros. Álbuns completos, por exemplo. Aliás, a Filipa faz essa reflexão no filme. Estes registos, estas imagens deveriam de estar, talvez, com as suas famílias ou num arquivo que possibilitasse o seu uso para conhecermos melhor a vida destas pessoas, ao invés de estar no chão da feira. Ou nem sequer estar no chão da feira, porque muitos destes materiais ligados às colónias têm compradores certos", explica.
É nesta ótica que a realizadora considera ser muito oportuno explorar mais sobre estas partilhas e memórias, porque "no fundo é trazer para casa pessoas que nós não conhecemos, que tiveram uma vida, sentimentos, trajetórias que viveram uma narrativa e que, agora, sobretudo, se nada tivesse sobre essas fotografias, então ainda menos a poderíamos compreender. Esta coisa dos arquivos pessoais é, de facto, muito perturbador. É a memória exposta e, depois, a memória exposta sem ser tratada também levanta muitas questões.", acrescenta Joana.
No caso dos postais, que têm fotografias e depois tem algo escrito, a realizadora acha muito interessante explorar a escrita em simultâneo com a imagem, isto porque "dá-nos uma compreensão mais completa do que aquela imagem aparenta. Porque as imagens, aparentemente, são quase neutras. Nós olhamos para uma que tem um enquadramento, uma composição, uma luz, motivo, mas na realidade quem a fez, quando a fez e qual o objetivo dessa imagem só nos chega através do texto ou de um outro complemento", explica. Os textos apresentam-se assim como uma componente de compreensão das narrativas da época.
Procurando ainda um entendimento, quase essencial, que se difunde no filme perante o colonialismo moderno e a crescente democratização da câmara fotográfica como uma prática fotográfica num elemento central na imaginação e construção do projeto imperial, xs investigadores e historiadores abraçam a importância da fotografia como uma ferramenta que nos leva a repensar criticamente a história de Portugal e a das antigas sociedades coloniais.
É assim que Visões do Império nasce. A partir da curiosidade e da necessidade de trazer para o espaço público elementos que permitam uma discussão e uma reflexão fundamentadas sobre a história recente. É uma contribuição para o debate e para todxs aquelxs que hoje , ausentes de vivencias da época, entendam e pensem sobre o passado.