Visto como um dos maiores inimigos do meio ambiente, o plástico, afinal, não é, por si só um problema. “É um material nobre”, sublinha Vítor Hugo Gonçalves, CEO da Água Monchique. “O plástico não tem pernas”, brinca o responsável, que atira que o material em questão não vai parar aos oceanos por vontade própria e é mesmo ainda hoje o mais sustentável. O problema está, assim, na forma como o tratamos – ou melhor, não tratamos –, após ser utilizado.
Numa conversa por telefone, Vítor Hugo Gonçalves conta-nos como a Água Monchique se tem tornado cada vez mais amiga do ambiente, apostando em materiais reciclados e explorando também materiais inovadores. Fala ainda sobre o papel do consumidor e sobre o impacto das crises que vivemos (pandémica, à qual se veio somar a resultante da guerra) nos esforços rumo a uma economia mais verde.
Gerador (G.) – Quando e como iniciou a Monchique o seu caminho rumo à sustentabilidade ambiental?
Vítor Hugo Gonçalves (V. H. G.) – Dos nossos vetores de desenvolvimento e crescimento da empresa, sempre fez parte esta atenção à sustentabilidade. Não é um assunto novo. Esta sensibilidade sempre existiu na empresa, não só em termos de sustentabilidade no produto, mas também na própria operação. Portanto, é algo que é transversal. Nos últimos anos, essa consciencialização por parte da empresa [cresceu] e [deu-se] a introdução até dessa consciência na cultura da própria empresa. Já faz parte do nosso ADN e da nossa forma de pensar. Quando pensamos hoje no futuro da própria empresa, a sustentabilidade é claramente um vetor essencial. Hoje, é incontornável na cultura da empresa o pensar sobre a sustentabilidade.
G. – Quais têm sido os maiores desafios na conjugação dessa aposta na sustentabilidade ambiental com a necessidade de ter um negócio rentável?
V. H. G. – Esse é um ponto muito curioso porque, se há algum tempo a sustentabilidade implicava sempre um custo acrescido, a força da tecnologia, as novas práticas e o descobrimento de novos materiais estão, cada vez mais, a atenuar esse efeito no custo. Ainda hoje um produto mais sustentável implica, ainda assim, um custo acrescido. Por exemplo, a nossa garrafa 100 % reciclada, que foi a primeira garrafa de água em Portugal a apresentar o chamado rPet a 100 %, custa hoje ainda 20 % mais do que uma garrafa feita em PET virgem. Contudo, assumimos este custo como sendo um fator também diferenciador da nossa forma de estar no mercado. Acreditamos também que com a escala, mais à frente, esses custos serão mais atenuados. É uma aposta no futuro, acreditando que o custo de ser sustentável será cada vez mais baixo.
G. – Quando pensamos em água engarrafada, vem imediatamente à cabeça a imagem de garrafas de plástico abandonadas e a poluir. Como é que a Água Monchique está a desconstruir essa ideia e que passos têm dado para reduzir esse impacto?
V. H. G. – O plástico, às vezes, é uma falsa questão. Costumamos brincar, muitas vezes, a dizer que o plástico não tem pernas. O plástico, quando vai parar aos oceanos, é porque é mal tratado. O plástico é um material muito nobre, incrível e que revolucionou a forma como consumimos e até a validade [dos produtos]. O consumidor, quando olha para o plástico, pensa só no fim do ciclo do produto. O plástico é muito mais do que isso. O PET ainda hoje é o material – e isto pode parecer um contrassenso – mais sustentável que existe. O que não é sustentável é o que acontece no fim do ciclo do produto, porque não é tratado pelo consumidor, ou seja, não é colocado no sítio certo para ser encaminhado para reciclagem. Se assim o fosse, o plástico [seria] o produto mais sustentável que existe. O custo de produção do plástico, em termos de carbono, é o mais baixo que existe no setor, se compararmos com o vidro ou até com o tetrapack. Quanto ao transporte, um camião transporta quatro vezes mais produtos engarrafados em plástico do que engarrafados em vidro. Muitas vezes, o consumidor não tem esta perceção. O plástico é 100 % reciclável, ou seja, pode entrar no loop da economia circular, ser reciclado e ser transformado em rPet, que, curiosamente, é um produto escasso no mercado, ao mesmo tempo que vemos imagens de plástico desperdiçado e deitado no lixo. Como é que a Monchique está a olhar para esta questão? Primeiro, com um apelo muito forte ao consumidor para que recicle. Fazemos parte de um grupo de empresas que está a querer transformar o ciclo do produto, com a implantação de um projeto [que passa pela instalação] de máquinas, nas quais as garrafas podem ser depositadas e é devolvido um valor às pessoas. Esse plástico é, depois, encaminhado para a reciclagem. Além disso, criámos uma app através da qual premiamos os consumidores, registando as garrafas que estão a colocar nos ecopontos para incentivar a reciclagem. Mais, todas as nossas garrafas incluem já 30 % de rPet. As normas da União Europeia obrigam que até 2025 se tenha 25 % de rPet. Já ultrapassamos essa meta, desde 2020. Já reduzimos também o peso das nossas garrafas e dos nossos garrafões em cerca de 16 %. Poupamos cerca de 300 toneladas de PET. Mais, estamos a estudar novos materiais, com base em materiais orgânicos. Em breve, teremos novidades. Todo o ciclo está a ser trabalhado em várias frentes.
G. – Disse que o rPet ainda é um material escasso. Entende que essa escassez decorre apenas de os consumidores não colocarem o plástico nos ecopontos ou há falhas também nas próprias infraestruturas responsáveis por essa reciclagem?
V. H. G. – Ainda há um défice na oferta de [agentes dispostos a] trabalharem essa matéria-prima, mas, cada vez mais, o setor privado, juntamente com a Sociedade Ponto Verde, por exemplo, está a arranjar formas de trabalhar esses materiais. Acredito que esse equilíbrio será atingido. O grande problema está no fim do ciclo do produto, ou seja, este apelo ao consumidor para que devolva as garrafas no local certo para a reciclagem é um trabalho fundamental, para que também essas empresas, que querem investir na transformação dessa matéria-prima, tenham material. Há muito PET que é importado para ser trabalhado. Não faz sentido algum. Há um desequilíbrio. Portugal ainda está longe das metas de reciclagem, no que diz respeito ao PET. Ainda não conseguimos consciencializar os consumidores ao nível do que se faz hoje no Norte da Europa, onde cerca de 95 % do PET é colocado nos ecopontos.
G. – Por outro lado, estão a trabalhar também para que os vossos rótulos sejam mais sustentáveis, em termos ambientais. Que mudanças têm feito, nesse campo?
V. H. G. – Já agora, queria destacar que não é por acaso que as nossas garrafas são todas cristal, isto é, não têm cor. Isto facilita o processo de reintrodução do rPET no ciclo do produto. No caso dos rótulos, já diminuímos as dimensões e o plástico que é utilizado já é reciclado. Mais, o plástico utilizado no filme que envolve as garrafas, nos packs, já é também 100 % reciclado.
G. – Em março, a Água Monchique anunciou a criação de um departamento de inovação, sustentabilidade e digitalização. Porque é que decidiram criar esta nova ala e o que vos levou a juntar estas três áreas num só departamento?
V. H. G. – São três temas que são quase indissociáveis, ou seja, a sustentabilidade pede muito de inovação, de novas tecnologias e novos materiais. Fazia todo o sentido condensar estes três vetores num departamento só. Depois, somos uma empresa que está constantemente à procura de novas soluções, quer em termos de logística, em termos de maquinaria, quer em termos de produtos. Portanto, fazia todo o sentido criarmos um departamento focado em descobrir novos caminhos, em termos de inovação, sustentabilidade e digitalização, sendo esta última incontornável para conseguirmos maior eficiência nas operações.
G. – Falemos também sobre as vossas infraestruturas. De que modo estão as vossas fábricas a ficar também mais amigas do ambiente?
V. H. G. – Fizemos várias alterações [a essas infraestruturas]. Em 2019, fizemos uma requalificação do nosso parque de máquinas. Hoje, temos máquinas que consomem menos 25 % de energia e produzem 50 % mais. Só por aí há um nível de eficiência e de rácio entre o consumo energético e produção marginal que é superior. Depois, em termos de investimentos em ar comprimido, conseguimos reduzir em cerca de 30 % o custo de energia. Portanto, consumimos menos carbono. Toda a iluminação da empresa é com LED. A Água Monchique fez um contrato com a Endesa para que toda a energia consumida venha de fontes renováveis. Temos esse certificado passado pela Endesa e com base em parceiros internacionais. Portanto, a preocupação relativa à sustentabilidade ambiental vem da raiz até ao produto, isto é, da parte produtiva à parte estrutural até à parte do produto. A sustentabilidade é algo holístico.
G. – Dito isto, sente da parte dos consumidores reconhecimento em relação a esses esforços de sustentabilidade?
V. H. G. – O consumidor está, cada vez mais, informado e procura produtos e empresas que reflitam a sua forma de estar na vida. Acredito que o consumidor também reconhece à Água Monchique um esforço nessa procura de sustentabilidade. A nossa água tem sido reconhecida por ser inovadora e por ter um design atrativo. Acreditamos que o consumidor hoje, mas sobretudo o consumidor do futuro, sabe reconhecer este esforço e vai preferir [o nosso produto] em detrimento de outros.
G. – Abrindo a lente e traçando o cenário macro, que avaliação faz do enquadramento que Portugal oferece hoje às empresas que procuram ser mais amigas do ambiente? Há incentivos suficientes?
V. H. G. – É sempre possível fazer mais e melhor, mas, em termos de incentivos e benefícios fiscais ligados à sustentabilidade, tem sido feito um esforço, nos últimos quatro anos. Tem crescido muito essa preocupação e as entidades governamentais têm tido o cuidado de perceber e direcionar os fundos para a sustentabilidade. Estamos no bom caminho. Ainda não é suficiente, é possível fazer mais, mas tem sido feito um esforço, que tem de ser reconhecido.
G. – O contexto de crise que o país e o mundo têm enfrentado nos últimos dois anos tem afetado, de alguma forma, a dedicação e a atenção dada a estas questões da sustentabilidade?
V. H. G. – Não é preciso ir muito longe. Recentemente, a União Europeia abriu a possibilidade de se voltarem a abrir as centrais a carvão e as centrais nucleares, numa tentativa de criar alguma independência energética. Além disso, têm aumentado os preços de alguns materiais mais sustentáveis, Isto poderá atrasar e mitigar um bocadinho o esforço, em termos de sustentabilidade. É natural que isso aconteça, mas acredito que voltaremos a tempos em que essa preocupação voltará a estar na ordem do dia. Em tempos de emergência, como os que estamos a viver, é natural que se tenha alguma prudência, porque há valores humanos e humanistas que se sobrepõem, mas a sustentabilidade estará na ordem do dia logo que voltemos à normalidade.
G. – E da parte dos consumidores, tem sentido alguma mudança nos hábitos de consumo, tendo em conta a atual conjuntura?
V. H. G. – Para já, não é notória essa reação, mas acredito que o consumidor mudará um bocadinho a sua decisão de compra, em virtude desta subida de preços. Devido à perda de rendimento, o consumidor vai adaptar o seu ato de compra e irá tender um bocadinho para produtos um tanto ou quanto mais baratos. Normalmente, esses produtos – não digo sempre – têm menor sustentabilidade.
G. – Olhando agora para o futuro, e tendo em conta o cenário que já traçou, quais serão os vossos próximos passos em termos de sustentabilidade?
V. H. G. – Não posso abrir muito o livro, mas posso adiantar que temos em pipeline vários projetos, que nos vão permitir alcançar segmentos de mercado, onde hoje a Água Monchique não está posicionada da forma como gostaria. Esses projetos trarão um índice superior de sustentabilidade a esses segmentos e serão quase uma mudança de paradigma na forma como se aborda o consumo da água, quer o consumo doméstico, quer o consumo profissional. Temos muitas novidades interessantes. Lançámos, no ano passado, o nosso ecopack de dez litros, com menos 63 % de plástico. É um produto que está a ter uma adesão muito grande por parte dos consumidores. Pretendemos lançar mais produtos nessa linha, que estarão ligados à inovação.