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Ana Pêgo: “É urgente perdermos a mania do descartável”

Com muitas formas, cores e tamanhos, há uma “espécie invasora” que se tem multiplicado, de forma alarmante, nos oceanos: o plástico. Quem o salienta é Ana Pêgo, formada em Biologia Marinha, beachcomber e criadora da Plasticus Maritimus, uma página no Facebook, que, entretanto, se transformou também num livro e em oficinas para escolas e famílias.

Texto de Isabel Patrício

Fotografia cortesia de Plasticus Maritimus

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Numa conversa telefónica, a bióloga fala sobre a sua relação de longa data com o mar, a consciencialização para a poluição por plásticos e a urgência de se abandonar o descartável, em prol de soluções reutilizáveis e, portanto, com menor impacto sobre o planeta.

Gerador (G.) – Cresceu junto ao oceano e acabou por se formar em Biologia Marinha. Que relação tem com o mar e como é que essa ligação foi evoluindo ao longo da sua vida?

Ana Pêgo (A. P.) – Tive a sorte de os meus pais morarem ao lado da praia. Tinha a praia como quintal. Era um local onde gostava de estar diariamente e os meus pais também gostavam muito. No verão e no inverno, íamos à praia fazer piqueniques, passear na maré vazia, explorar as poças da maré. Tenho a sorte de continuar a viver ao lado da mesma praia. Desde sempre, tive esta ligação forte [ao mar]. Sempre tive também um fascínio pelos animais que ali vivem, não só pelas características individuais de cada espécie, mas também pelas formas, movimento e cores. Todos estes animais são fascinantes.

G. – Tendo essa relação tão próxima com o mar, quando é que tomou consciência da poluição por plásticos?

A. P. – Mais tarde. Já tinha visto lixo na praia, mas nunca tinha pensado bem no assunto. Lembro-me de ir de férias com amigos para a costa alentejana e apanhávamos, às vezes, uns garrafões e redes de pesca [no mar], mas nunca tinha tomado consciência da presença desta nova espécie na praia. Foi só em 2011 que comecei a notar [o problema]. O que é que isto está aqui a fazer? De onde veio? Como é possível estar aqui? Começou a deixar-me bastante intrigada, até porque há dias em que há muito lixo na praia e [o problema] torna-se ainda mais chocante. Nas minhas idas à praia, a certa altura, o meu foco deixou de ser a vida marinha e começou a ser a areia. Percebi rapidamente que sozinha não ia conseguir salvar a minha praia, quanto mais o planeta. Era muito frustrante. Ainda por cima, não se falava muito sobre isto. Estava na praia a apanhar lixo e percebia que a minha família, os meus amigos e toda a gente que me rodeava continuava a consumir sem consciência do que se estava a passar. Nessa altura, saí do laboratório no qual estava a trabalhar e comecei a dedicar-me à educação ambiental. Comecei logo a tentar introduzir este tema nas minhas atividades. Muitas vezes, ligavam-me para substituir professores e ia diretamente da praia. Não tinha nada preparado, só tinha o meu saco de lixo e aproveitava para falar com os miúdos sobre o assunto. 

Ligada desde sempre ao mar, Ana Pêgo quer sensibilizar as pessoas para a poluição por plásticos. Fotografia cortesia da Plasticus Maritimus.

G. – E foi nessa altura que surgiu também a Plasticus Maritimus?

A. P. – Só em dezembro de 2015 criei a página no Facebook com esse nome. Durante esse ano, acompanhei páginas no Facebook de pessoas que faziam o mesmo que eu noutras partes do mundo e comecei a perceber que havia dois tipos de pessoas que apanhavam lixo na praia. Uns são os beachcleaners, que são aquelas pessoas que fazem grandes limpezas, mas não estão a olhar para os objetos. Simplesmente, consideram que é lixo e é para ser retirado da praia. Outros são os beachcombers, que, às vezes, são mais seletivos nas suas recolhas, mas tentam investigar os objetos que encontram. Há coisas que vieram dos Estados Unidos e do Canadá. Há coisas que são antigas. Isto começou a fascinar-me. Já colecionava alguns elementos de fauna marinha. Toda a vida fui colecionando coisas da natureza. A certa altura, comecei a colecionar também lixo marinho, plástico.

G. – Por isso, diz que é uma espécie e não considera esses objetos simplesmente lixo.

A. P. – Exato. Os beachcombers são uma espécie de detetives do lixo, mas também guardam algumas destas coisas, com objetivos específicos: fazer exposições, prestar serviço educativo, fazer obras de arte. As minhas peças foram aumentando e pensei que, se as pessoas não iam à praia ver o que estava a ver, teria de encontrar uma maneira de levar o lixo até elas. Comecei a colecionar palhinhas, cotonetes, escovas de dentes, bonecos, garrafas de água. Costumo dizer que o beachcombing me salvou, porque comecei a ir à praia já com uma postura diferente. Anteriormente, ficava completamente deprimida ao ver o lixo e ao perceber que ninguém estava a par do assunto. O beachcoming começou a dar-me algum gozo e comecei a ir à praia já com uma postura diferente, a pensar que cada objeto que ali estava tinha uma história para contar, era de alguém, veio de algum um sítio, serviu para alguma coisa. Foi nessa altura que criei a página no Facebook chamada Plasticus Maratimius, já a pensar que esta era uma espécie invasora, que estava a invadir as nossas praias e as nossas vidas. Nunca pensei que a página chegasse a tanta gente. O meu objetivo, inicialmente, era publicar mais para a família e amigos.

Ana Pêgo quer conhecer as histórias dos objetos que o mar traz à costa. Fotografia cortesia da Plasticus Maritimus.

G. – E como é que surgiu o diálogo entre a arte e esse lixo?

A. P. – Ver estas cores, estas formas dá-me uma grande tentação de fazer qualquer coisa. [O diálogo com a arte surgiu] de forma bastante espontânea. Nem sei bem explicar. Ora, estava a agrupar as coisas por cores, ora por coleções. No início, começava a guardar estas coleções em caixas ou em sacos.

G. – Por outro lado, faz hoje algumas ações em escolas. Qual a importância de agir e despertar a consciencialização para esta questão desde logo nas camadas mais jovens?

A. P. – É importante que os miúdos desde pequenos sejam educados a mudar comportamentos e a estarem atentos a estas coisas, que podem ser dramáticas não só para o ambiente, mas também para a nossa saúde. O plástico ainda não está a ser encarado como um problema de saúde pública, mas deveria. Há muitos artigos científicos que têm sido publicados, que provam as consequências da poluição por plásticos. Neste momento, sabe-se que há plástico a circular nas nossas veias e há plástico alojado nos nossos pulmões. Portanto, é importantíssimo os miúdos serem educados a mudar comportamentos e a estarem atentos a estas questões ambientais, mas, acima de tudo, é fundamental que os adultos estejam devidamente informados e motivados para alterarem comportamentos e darem um bom exemplo às crianças.

G. – A falta de informação ainda é grave ou já tem sido mitigada?

A. P. – Ao fim destes anos todos, tenho ficado um pouco frustrada ao regressar a algumas escolas onde tive oportunidade de trabalhar durante algum tempo e perceber que está tudo na mesma. Por exemplo, continuam a não fazer a devida separação do lixo e não reduziram o lixo nos lanches das crianças. Muitas vezes, as escolas têm dificuldades em gerir os resíduos e, portanto, seria importante que os lanches das crianças produzissem menos lixo. É preciso um trabalho muito grande por parte dos adultos, dos municípios e das juntas de freguesia.

G. – Mas a falta de mudança, nesses casos, deve-se mesmo à falta de informação ou haverá outro motivo?

A. P. – Nas escolas, os professores, muitas vezes, dão as matérias [simplesmente] como matéria, isto é, ensinam as crianças a fazer a separação do lixo e consideram a matéria como dada. É evidente que há exceções. Há escolas que têm feito um trabalho incrível de mudança, mas toda a comunidade escolar deveria estar envolvida, inclusivamente os funcionários de limpeza, que, muitas vezes, não têm a oportunidade de assistir a estas palestras. Tem de haver um envolvimento de toda a gente. Falar com crianças e com escolas é a forma mais fácil de chegar às pessoas. Estamos sempre com a esperança de que as crianças, se aprenderem, passem [o conhecimento] aos pais, porque é muito difícil, por exemplo, ir às empresas. Gosto muito também de fazer oficinas com famílias, porque, assim, estou com os pais e com os filhos. Também adoro as oficinas que faço em julho. Gosto de estar uma semana inteira com os miúdos, dos oito aos 12 anos, e estarmos a trabalhar um tema. Gosto de misturar ciência e arte, falar desta questão do plástico, mas, ao mesmo tempo, estarmos a brincar. Uma coisa lúdica, com jogos e atividades artísticas.

G. Em 2016, dizia numa entrevista que era preciso, em paralelo, encontrar materiais que substituíssem o plástico. Seis anos depois, foram feitos avanços significativos, na sua opinião?

A. P. – Tem havido algum esforço para tentar arranjar materiais [alternativos], tanto a nível científico, como a nível empresarial e industrial, mas ainda não há o material ideal para substituir o plástico. Uma coisa que seria urgente seria perdermos esta mania do descartável. O plástico pode ser importantíssimo. Tem sido um material incrível. Mas, depois, vemos este material como um problema de gestão dos resíduos. Uma garrafa de champô que chega ao fim vai para reciclar, o que é uma pena, porque a garrafa está impecável. Podíamos só reenchê-la, mas isto para as empresas é uma coisa complicada. É muito mais fácil encher as garrafas, vendê-las e o comum cidadão que se responsabilize pelo lixo. Continua a haver uma responsabilização das pessoas pelo lixo produzido, quando, muitas vezes, não estão agilizados os meios para que essas pessoas tenham comportamentos diferentes. Em relação aos produtos, há já algumas opções no mercado, mas, por vezes, são muitas caras. O plástico continua a ser muito barato. Este será um processo complexo e lento.

G. E quanto ao greenwashing, que retrato faz?

A. P. – Há muito greenwashing. As pessoas, se calhar, pagam mais por um determinado produto que diz que é biodegradável e ficam mais tranquilas, mas, na verdade, o produto não é biodegradável. Ou se calhar é, mas em 500 anos.

G. Voltamos à questão da informação.

A. P. – Pois, as pessoas nem sabem muito bem a diferença. Não distinguem o biodegradável do degradável. Tenho feitos alguns testes, e incentivo as escolas a fazerem o mesmo, para [apurar de que modo ocorre] a degradação dos objetos. Fiz durante um ano um teste com copos que diziam ser biodegradáveis. Passado um ano, estavam na mesma. Portanto, eram compostáveis, mas não num compostor doméstico. Era preciso um compostor industrial. Em Portugal, só temos dois compostores industriais, mas nem sequer funcionam durante o tempo suficiente para fazer a degradação desses copos.

G. Tudo somado, na sua perspetiva, quais deveriam ser os próximos passos a tomar para mitigar a poluição por plásticos?

A. P. – Há produtos que deveriam ser retirados do mercado. Por exemplo, aqueles sacos de plásticos para a fruta e os legumes. As pessoas têm de se habituar a levar os seus próprios sacos. Além disso, [é preciso] deixar de ter esta coisa dos descartáveis ou, pelo menos, que deixem de ser tão baratos. Se fossem mais caros, as pessoas já não iam recorrer a eles de forma tão simples e automática.

G. Portanto, a prioridade deveria ser acabar com os produtos descartáveis.

A. P. – Sim, e também haver maior coerência por parte das instituições.

G. – Refere-se às empresas?

A. P. – Às empresas, mas também aos municípios e às juntas de freguesia. Há muitas localidades e escolas que não têm contentores de separação do lixo à porta. Portanto, há escolas que têm dificuldade [nessa separação dos resíduos], mas também não são ativistas o suficiente [para lutarem pela mudança]. Muitas vezes, nestes municípios, se calhar, ninguém percebeu que existem poucos contentores em determinados sítios ou que não estão a ser despejados as vezes suficientes. Temos de ser também um bocadinho ativistas e ter um papel mais ativo.

G. Quais serão as próximas atividades que tem em calendário, além das oficinas de julho, que já referiu?

A. P. – No final de junho, vou montar uma exposição em São Jorge, nos Açores. Além disso, no Dia Mundial dos Oceanos, que se comemora a 8 de junho, teremos atividades na [Fundação Calouste] Gulbenkian, em Lisboa, para escolas. Teremos também oficinas da Plasticus Maritimus nas Bibliotecas de Praia, em Oeiras. 


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