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A mudança é sempre demasiado lenta para quem mais precisa dela

Fui convidada pela Bantumen para o evento privado da Power List 100 Personalidades Negras Mais…

Texto de Redação

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Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Fui convidada pela Bantumen para o evento privado da Power List 100 Personalidades Negras Mais Influentes da Lusofonia e estive o tempo todo a aguentar para não chorar, comovida pela humildade, pelo companheirismo, e pelo black power naquela sala.

Saí com a certeza de que tinha de escrever este texto, que não prega a nenhuma supremacia, mas sim a um reconhecimento das raízes e das consequências de uma desigualdade dura, que teve (e continua a ter) impacto em muitas gerações.

Notei uma característica comum em todos os discursos, desde atletas, a estilistas, empreendedores, ativistas, artistas, e qualquer pessoa que subisse àquele palco por ter um percurso digno de longas ovações de pé, do mais imediato e espontâneo reconhecimento: a tão dura quanto bonita humildade preta.

Em várias entregas de prémios a pessoas brancas (das que assisti), quando alguém sobe a palco para ter um espaço de fala que lhe é dado porque trabalhou e merece ali estar, na grande maioria das vezes, as pessoas aceitam, reconhecem o seu mérito, e agradecem a quem lhes ajudou. Está tudo bem até aqui, não é falta de humildade.

Em várias entregas de prémios a pessoas pretas (das que assisti, e que se confirmou naquela gala), quando alguém sobe a palco para ter um espaço de fala que lhe é dado porque trabalhou e merece ali estar, na grande maioria das vezes, as pessoas acham que havia alguém que ainda merecia mais, ou que «não fizeram nada de especial» para estarem ali, ou admitem que não estão habituadas a que lhes deem voz e por isso não querem centrar o discurso nelas, mas sim falar sobre a comunidade. Não estou a dizer que isto não acontece também com alguns brancos, mas são a excepção e não a regra.

A humildade preta é bonita, mas tem muitas camadas de uma opressão feia.

Por ser a regra, deixa-nos a pensar em que sociedade vivemos para pessoas tão incríveis (algumas das mais incríveis que conheço) acharem que não têm direito ao mesmo lugar de fala. Estão habituadas a não serem chamadas, a não serem convidadas, a não serem reconhecidas de igual forma – e quem é chamado sente que deveríamos chamar outros muitos mais vezes no lugar deles. Não existiram tantas ovações de pé (que eram tão merecidas!), não existiu tanto idolatrismo. Existiu preocupação com a futura geração crioula. Existiu irmandade, admiração mútua, e choro. Muito choro. Porque é (mais) difícil, porque o caminho não é igualmente seguro, porque carregam traumas e sonhos de gerações nas suas famílias, porque nunca chega.

É fácil de entender, embora difícil de digerir, esta dor na humildade preta.
Muitos foram os discursos que lembraram os avós, que ainda pertenceram a gerações escravizadas, e passaram sonhos às próximas gerações. Sonhos tão ousados quanto terem direito à liberdade de viverem a sua vida.

Avós que transmitiram sonhos, mas também muitos medos e castrações: a ideia de que alguns lugares não eram acessíveis, a ideia da não-pertença, de não-reivindicar o seu espaço, a ideia de auto-silenciar a sua voz.

São gerações e gerações de famílias que crescem no medo de serem vistos, de aparecerem, de serem condenados, punidos e perseguidos.

Para além das óbvias consequências económicas e culturais que o colonialismo trouxe, muitas vezes passam-nos despercebidas todas as consequências psicológicas que teve, e continua a ter.

E claro que a conversa sobre as consequências do colonialismo é difícil de se ter, mas só abrindo um espaço mínimo para essa conversa é que podemos debater o nosso papel nas soluções para o progresso. Não é possível dizermos que vivemos numa verdadeira democracia enquanto existir racismo estrutural.

No final da cerimónia, o Dino d’Santiago cantou a sua música «Voei de Mim», em que nos fala das lutas de uma geração portuguesa cujos pais vieram de «um voo longo, longo, longo, longo» à procura de melhores condições, de gente empurrada para vidas duras de trabalho invisível. Fala-nos de serem empurrados para personagem secundária nas suas próprias vidas, para servirem um sonho que nem é seu.

O futuro também é vosso. Djunta mô.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre a Carolina Pereira-

Carolina Salgueiro Pereira é uma ativista na área dos direitos humanos, feminismo e media, tanto no terreno, como fazendo uso das histórias para motivar a mudança e organizar movimentos grassroot. É a fundadora do movimento da ONU Mulheres HeForShe em Portugal, que mobiliza os jovens para promover a igualdade de género e os direitos das mulheres e das comunidades LGBTQI+. É a Co-Diretora da Sathyam Project, na Índia, uma organização que apoia raparigas e mulheres através da educação, ajudando a quebrar ciclos de pobreza. Carolina é também uma Global Shaper do Fórum Económico Mundial, liderando campanhas LGBTQ+ e estando envolvida numa série de outras iniciativas com instituições como as Nações Unidas, o Parlamento Europeu ou a Right Livelihood Foundation. Sempre a tentar fazer o mundo um pouco melhor. E sempre melhor a fazer isso.

Texto de Carolina Pereira
Fotografia de Estúdio Manifesto
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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