Numa sociedade hiper-mediatizada que vive para o ecrã, de falsas esperanças e ilusões, Manuel Molarinho (na voz e baixo) e Ricardo Cabral (na bateria) não poupam na crítica e sarcasmo nas letras do primeiro álbum homónimo, Baleia, Baleia, Baleia. Mordazes e viscerais, eles pertencem ao rock e punk que acorda, coloca o dedo na ferida e desconforta, mas como alguém que quer e anseia avanço e não estagnação. Venham, portanto, daí conhecer os Sentidos da Música desta baleia a triplicar.
Para se evocar um sentimento ou uma emoção através da música, o lado racional pode atrapalhar ou, pelo contrário, ajudar?
Ricardo - Pode ajudar, uma vez que o lado racional é o que vai ajudar a avaliar a criação. É o que me ajuda a limar as arestas e a finalizar o que anteriormente se prendia, essencialmente, ao lado emocional.
Manuel - Sim, para nós o lado racional está, obrigatoriamente presente, sobretudo nas letras. A utilização das palavras é cuidada e minuciosa. Mas, por outro lado, a composição em Baleia Baleia Baleia é bastante visceral e intuitiva. Seguimos um pouco o lema de não pensar demasiado e deixar fluir.
Qual é ou quais são as músicas que fazem o teu corpo mexer?
Manuel - É uma pergunta difícil. Cada vez mais acho que quase todas nos podem fazer mexer no contexto certo, mas diria que as que mais mexem comigo, geralmente, têm tensão.
E aquelas que te conduzem a um estado de espírito imediato?
Manuel - Aquelas que têm um universo tão singular e insubstituível que trazem uma emoção atrelada que é só delas.
Achas que o facto da música ser invisível, não palpável, ajuda-a a ser mais intuitiva e, por conseguinte, ter uma outra relação com a nossa consciência?
Ricardo - Acho que, pelo facto de não ser visível, torna-se mais sugestiva e capaz de criar uma relação com a nossa consciência diferente para cada um, mais profunda e mais forte que qualquer outra expressão visual. Afinal de contas, a música é a primeira arte!
Já te aconteceu pensares numa imagem, num ambiente específico ou espaços enquanto compões?
Manuel - Sim, creio que não será o ponto de partida mais comum para nós mas a componente visual é indissociável da banda. Conscientemente ou não, temos muito dos recantos do nosso quotidiano e da cidade onde vivemos neste álbum, por exemplo.
Se pudesses desenhar e pintar a tua música, como seria e que cores teria?
Manuel - Creio que a nossa música, neste primeiro disco, teria cores vivas e berrantes, muito contraste e ruído. Saltitaria entre a Julie Mehretu, Pollock, Basquiat e a Pop Art.
Como é que imaginarias o sabor da música mais especial para ti? Doce, amargo, salgado como o mar, agridoce?
Ricardo - As músicas mais especiais para mim evocam sabores muito diferentes entre si.
Manuel - Concordo com o Ricardo mas diria que o sabor dominante seria a acidez.
Pensa no cheiro mais importante para ti, aquele que ficou na tua memória. Que música lhe associarias?
Ricardo - Não há música capaz de o descrever.
Manuel - No meu caminho diário, quando ia para a escola, passava numa arcada que fazia uma corrente de ar gigante que concentrava o cheiro maravilhosamente intenso de todas as flores das floristas ao pé do cemitério onde foi a minha primeira casa. Qualquer música do Carlos Paredes acompanha bem essa memória, por exemplo, a Sede e Morte ou mesmo os Verdes Anos. A Echo and Abyss do James Blackshaw também casa bem nessa memória. E a Book of the Month dos Lovage seria a banda sonora perfeita para o cheiro a pele.
Achas que a música pode ser um bom veículo para fixar e guardar memórias?
Ricardo - Claro que sim.