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Entrevista ao NBC: “A arte pode convergir com o espaço que as pessoas preconceberam como sendo negativo”

“A arte pode conduzir ao melhor que há em nós”; “a arte pode convergir com…

Texto de Ricardo Gonçalves

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“A arte pode conduzir ao melhor que há em nós”; “a arte pode convergir com o espaço que as pessoas preconceberam como sendo negativo”. Estas duas citações ilustram bem a conversa que tivemos recentemente com o NBC, a propósito da sua participação na 3.ª edição do Muro — Festival de Arte Urbana de Lisboa, que se realiza entre os dias 23 e 26 de maio, no Lumiar. O Gerador foi desafiado pela GAU – Galeria de Arte Urbana, que organiza o festival, a pensar em ideias criativas para a programação de 2019 do Muro que, acima de tudo, envolvessem música. Um dos momentos que surgiu como resposta a este desafio foi harmonizações entre música e obras visuais, com três músicos portugueses: o NBC, a Surma e o Tó Trips.  O desafio proposto pelo Gerador e, desde logo aceite pelo rapper de origem são-tomense, era, então, o de pôr em diálogo um artista plástico com um músico, sendo que este último teria absoluta liberdade para criar um tema, inspirando-se no trabalho mural a desenvolver pelo primeiro.

A tarefa parece simples, mas depende de um certo grau de complexidade imposto pelo artista. Neste caso, Timóteo Tiny Santos partiu da obra mural criada pelo artista italiano Peeta e transportou-nos para o seu próprio universo, que há mais de 20 anos conhecemos pela sigla NBC (Natural Black Color). Uma voz de brio, já reconhecida no panorama nacional, que vai do rap ao r&b passando pelo soul, e cuja letras têm habitualmente um cunho de intervenção bem vincado.

A obra do italiano, que NBC viu apenas em rascunhos facultados pelo próprio artista, é composta de traços a branco e preto, que evidenciam uma certa tridimensionalidade geométrica e que, vista de diferentes perspectivas, pode criar interpretações distintas. Esse mote de que tudo pode ser diferente, “consoante a perspetiva”, impõe-se, simbolicamente, na música criada por NBC, O mundo não é a preto e branco.

“Ele explicou-me a peça, que vai estar num túnel e que consoante o lado que entras, tens diferentes perspetivas. A partir dessa ideia, comecei a construir a letra, tendo em conta a cor da peça, apenas a preto e branco”, explica o rapper em conversa com o Gerador.

“As opiniões que temos sobre o quer que seja vão mudando a partir do momento em que mudamos de perspetiva”

Decidido quanto ao mote inicial, NBC procurou criar na sua canção uma analogia à “Alegoria da Caverna” de Platão. “Foi a primeira imagem que me ocorreu, porque traduz aquilo onde todos vivemos. Nós passamos o tempo todo das nossas vidas dentro de uma alegoria em que hoje nos dizem que é assim, mas noutra dimensão temos diferentes perspetivas. As opiniões que temos sobre o quer que seja vão mudando a partir do momento em que mudamos de perspetiva”, sustenta.

Processo criativo: das palavras à melodia?
Para esta entrevista, NBC recebeu-nos no Noiz Estudio, em Loures, onde a canção foi produzida por Tayob, produtor e fundador deste espaço, com quem o rapper nunca tinha trabalhado antes. Para NBC, bastaram duas horas de conversa para que se criasse um fio condutor para a produção do tema. “Foram duas horas de conversa para conhecermos e percebermos a sensibilidade de cada um. Na música, a sensibilidade está muito presente. E é preciso sentir o espaço do outro. Tudo isso conta muito quando vais deitar a tua alma para fora, quando vais para o microfone dizer coisas. A tua alma está exposta. Por isso é que, quando chegamos a um sítio novo, precisamos de sentir o ambiente”, conta.

É claro que para NBC esta andança não é nova, nem particularmente inovadora. Para o autor de álbuns como “Maturidade” (2008) ou “Toda a gente pode ser tudo” (2016), a música funciona como terapia – “para manter o cérebro ativo” –, mas não obedece, necessariamente, a um ritual de criação. “Quando era jovem, se calhar tinha mais aquela postura artística firmada. Mas depois cresces e vão-te pedindo para fazeres parte de coisas, sendo que hoje em dia um dos meus trabalhos é ser songwriter para outros artistas”, realça. Neste espaço de tempo que é de trabalho, “as palavras estão sempre presentes” e um dia inteiro pode dar uma letra boa ou não, refere.

“Neste momento, se quiser falar sobre política eu tenho de estar dentro da política, ir aos sítios e tentar mudar o que está mal”

Não obstante as possíveis adversidades, a grande preocupação de NBC é que a sua mensagem se mantenha original, até porque “há sempre coisas novas para se fazer na música”, remata. Ainda falando do seu processo criativo, o músico admite que, há 20 anos, começava mais facilmente por uma “palavra ou dica”, mas, hoje em dia, “mais pela melodia”, comenta. Conta-nos que entrou na música pelo reggae e que só depois se transportou para o hip hop, ou seja “as palavras”. Olhando para trás reconsidera: “Aí a melodia antes da letra.”

Neste ponto da conversa, entramos numa reflexão mais abrangente sobre a música portuguesa. Para o artista que agora quer “musicar as palavras com outros contornos”, os rappers em Portugal ajudaram a redefinir a língua portuguesa, tal como a conhecemos hoje. Para exemplificar cita aquela que é a sua frase de eleição no rap português: “Hormonas controlam zonas onde neurónios estavam a habitar.” Faz parte do tema 6.ª Feira, de Sam the Kid e, no seu entender, demonstra bem o carácter disruptivo com que alguns destes artistas definiram novos caminhos em termos da nossa língua.

Por outro lado, o caminho que o rap nacional percorreu está hoje consolidado e é bem aceite. Além disso, por toda a convergência a que se assiste em termos de géneros musicais, há menos um problema de rótulo que sempre afetou, por exemplo, a sua própria imagem. “Na parte que me toca, eu devo ter sido a primeira pessoa a sofrer desse problema dentro do género hip hop. As pessoas não sabiam em que prateleiras deviam colocar os meus discos”, conta.

Se há uns anos era visto com um músico de grande cunho interventivo, atualmente prefere que a sua música esteja mais distante dessa configuração. “Poderei estar mais interventivo a falar, mas não na música”. Se, por um lado, reconhece a imagem associada ao género musical, por outro, refuta a ideia de que ainda faz sentido continuar a cantar sobre temas políticos. “Neste momento, se quiser falar sobre política eu tenho de estar dentro da política, ir aos sítios e tentar mudar o que está mal. Assim sendo, prefiro que a minha música seja uma coisa mais livre nesse espectro.”

NBC editou o seu último álbum "Toda a Gente Pode Ser Tudo" em 2016

Político ou não, NBC denota essa característica de alguém profundamente concentrado nos problemas que nos rodeiam. Recentemente, o músico colocou uma tradutora de língua gestual num vídeo da sua canção “Espelho”. A abordagem, refere, serve apenas para chegar a outros públicos, mas com consciência da multiplicidade dos mesmos. “Não estou à espera de que o resto do mundo pense nisso. Mas através da música tenho uma plataforma para falar nesses problemas e isso tem que ver com a forma como quero estar mais integrado na sociedade”, realça.

No fundo, toda esta conversa é sobre diferentes linguagens artísticas, diferentes interpretações de mundo. No meio disso, a liberdade é fundamental? “Desde o primeiro dia”, sublinha. Para o músico é preciso que as pessoas “tenham ideias fora da caixa”, que não vejam o mundo apenas a “preto e branco”. As diferentes perspetivas, de um mural pintado ou de uma canção, podem demonstrar como “a arte pode convergir com o espaço que as pessoas preconceberam como sendo negativo” e mudar as dinâmicas. Isso também é “justiça social”, porque bem vistas as coisas “tudo é uma luta pela integridade”, conclui.

Texto de Ricardo Ramos Gonçalves
Fotografias de Diana Mendes
O Gerador é parceiro do Muro — Festival de Arte Urbana de Lisboa

Se queres ler mais entrevistas sobre a cultura em Portugal clica aqui.

 

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