Mordi forte os teus lábios
Sobre eles os meus
Uma fronteira impossível
O espaço entre nós
O espaço em nós
Solução orgânica sanguínea carnal
Regulação natural
Dos fluxos e das marés
Se entre nós há sal
É do que alimenta a terra
Se em nós há mal
Malamente me coloco
Neste espaço ausente
Interior exterior dentro fora
Não sei onde
Habitualmente as geografias
Dão mapas e os mapas caminhos
Os caminhos andares os andares viagens
As viagens partidas e chegadas
As chegadas casas e descanso
As partidas malas e miragens
Aqui não há aqui ou além
Sede da sede lugar da sua ausência
Onde estamos não estamos
Onde somos não somos
Circula um indizível perfume
Pétalas de flores arcanas
Sobre e sob a pele
O tempo suspenso ou ainda não reparado
Os reparos são danos palavras poderes
E não quero nenhum deles
Quero-te sem danar palavrar poderar
O nosso carnaval a nossa carne a mordedura impossível
Da alma que fazemos porque podemos morder a alma
Comê-la antes do pequeno almoço
Deglutir infinitamente a finitude na coreografia
Autónoma que nos encarna
O fim é um horizonte
E aqui não há horizonte porque aqui não há fim
Aqui não há cinzas porque a vida foi embora
Aqui não se morre pois não se vive
Aqui respira-se até onde o músculo vai
Oxigénio faz chama chama faz fogo fogo faz luz
Luz faz calor calor faz presença presença faz faz
Fazemos pois e o resto não importa
Importância é coisa pouca quando a alma se faz carne
E nos olhos a morte morre morrida por
Nem se saber que tal coisa emprenhou nos medos
Nos rochedos nas cavernas nas grutas
Sombra tanta que nem sei porquê
Nem a sombra recorta a definição de nós
Ou o luar sobre o fausto do verdadeiro abraço
-Sobre Jorge Barreto Xavier-
Nasceu em Goa, Índia. Formação em Direito, Gestão das Artes, Ciência Política e Política Públicas. É professor convidado do ISCTE-IUL e diretor municipal de desenvolvimento social, educação e cultura da Câmara Municipal de Oeiras. Foi secretário de Estado da Cultura, diretor-geral das Artes, vereador da Cultura, coordenador da comissão interministerial Educação-Cultura, diretor da bienal de jovens criadores da Europa e do Mediterrâneo. Foi fundador do Clube Português de Artes e Ideias, do Lugar Comum – centro de experimentação artística, da bienal de jovens criadores dos países lusófonos, da MARE, rede de centros culturais do Mediterrâneo. Foi perito da agência europeia de Educação, Audiovisual e Cultura, consultor da Reitoria da Universidade de Lisboa, do Centro Cultural de Belém, da Fundação Calouste Gulbenkian, do ACIDI, da Casa Pia de Lisboa, do Intelligence on Culture, de Copenhaga, Capital Europeia da Cultura. Foi diretor e membro de diversas redes europeias e nacionais na área da Educação e da Cultura. Tem diversos livros e capítulos de livros publicados.