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Brasileiras Não se Calam e dizem “basta” à xenofobia

“Casou com uma brasileira”, “as brasileiras andam sempre pouco vestidas”, “ah, mas é brasileira” são…

Texto de Carolina Franco

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“Casou com uma brasileira”, “as brasileiras andam sempre pouco vestidas”, “ah, mas é brasileira” são algumas das frases curtas, mas que soam como lâminas quando as protagonistas das mesmas as ouvem. Em Portugal, existe um discurso xenófobo generalizado dirigido a mulheres brasileiras e existe também, agora, um projeto que diz bem alto: Brasileiras Não se Calam

Ana Paula Costa, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, disse recentemente em entrevista à agência Lusa que com a pandemia “cresceram os discursos xenófobos contra as mulheres brasileiras em Portugal, (...) um discurso que sempre existiu, estereotipado sobre a mulher brasileira, ligado ao seu corpo e à sexualidade”. E foi precisamente em torno desse discurso que o grupo Brasileiras Não se Calam surgiu.

“Sofremos assédio e a discriminação desde que chegamos a Portugal, mas a ideia de fazer algo a respeito, para ajudar outras mulheres, surgiu mesmo após o episódio do Big Brother de Portugal, em que uma das participantes disse que a brasileira ‘já tem a perna aberta’. A partir daí, percebemos o quanto a discriminação contra as mulheres brasileiras está enraizada e é naturalizada em Portugal, e o quanto é necessário falar e expôr esses casos”, contam ao Gerador

No site e através das redes sociais, vão partilhando, em anónimo, algumas denúncias de mulheres brasileiras a viver em Portugal (mas não só), que em algum momento sofreram discriminação ou assédio com base na sua nacionalidade. “Almocei em um restaurante com um grupo de amigos, na hora de pagar a conta, o garçom percebeu que era brasileira e disse que eu poderia comer de graça se sambasse para ele”, ou “uma vez estávamos voltando de um bar no Cais do Sodré, área cheia nas noites de Lisboa. Éramos três mulheres brasileiras e um amigo gay. Passou um grupo de homens portugueses e o chamou de paneleiro. Fomos defendê-lo e ao ouvir nosso sotaque eles começaram a gritar: ‘brasileiras p***s! O que estão fazendo aqui suas p***s?’ Ao redor ninguém fez absolutamente nada”, são alguns exemplos. 

As organizadoras do grupo partilham que já falavam “com algumas amigas antes da criação do projeto”, mas por estarem num país estrangeiro e por saberem “o caso de outras amigas que tentaram denunciar e nada aconteceu com os agressores”, a tendência é terem “medo e receio em denunciar”. Hoje, dizem “basta” e juntas enfrentam esse medo. 

https://www.instagram.com/p/CFsef-RJZVx/

Da sombra das “Mães de Bragança” às telenovelas

Em abril de 2003 saía uma peça no telejornal da RTP com as sombras de quatro mulheres que se auto-intitulavam “Mães de Bragança” e, segundo o texto pivot lido pela jornalista Sílvia Brandão, diziam “ter a vida desfeita à conta de alegadas prostitutas brasileiras que trabalham nas casas de diversão noturna de Bragança”. “Elas chegam-se a eles, agarram-se a eles e eles não são de pau, e sobem (...) não é só o sexo e as provocações que elas lhes fazem e que nós não fazemos, há outras coisas no meio. E depois eles querem-se livrar e não conseguem”, diz uma das mulheres com voz distorcida na mesma peça, agora disponível no arquivo da RTP

A impressão de Brasileiras Não se Calam é a de que “o episódio das Mães de Bragança ainda continua sendo perpetuado atualmente”. “Parece haver uma rivalidade muito grande e uma tentativa de menosprezar e culpabilizar as mulheres brasileiras ao invés de responsabilizar os homens, como se eles não tivessem escolha e como se fossem as mulheres brasileiras que os obrigassem a estar com elas”. Quanto à fonte dos ataques que as mulheres que se associam ao grupo vão recebendo, notam que “têm sido feitos por homens e mulheres”.

Ester Amaral da Paula Minga, doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade de Lisboa, publicou em 2018 o artigo “Além das Mães de Bragança - a estereotipização da mulher brasileira no jornalismo português”, disponível na revista mediapolis, que analisou o impacto que o caso teve na propagação de estereótipos nos media portugueses. No mesmo artigo, refere ainda o impacto do “período colonial” na imagem da brasileira, que “carrega o contributo fundamental do luso‑tropicalismo, sobretudo por meio de uma das suas principais teses, a miscigenação, incorporado e alçado a ícone tanto pela cultura portuguesa quanto pela brasileira”. “Porém, a partir da chegada em massa de imigrantes brasileiros e da presença cada vez mais constante de sua cultura em Portugal – por meio principalmente, das telenovelas – em finais do séc. XX, as representações sociais acerca das brasileiras foram‑se atualizando sem, contudo, perder seu caráter de exotismo e exuberância”, conclui também nas considerações finais.

Como exemplo desse estereótipo do “exotismo e exuberância”, as Brasileiras Não se Calam referem não só a “imagem das mulheres brasileiras mais hipersexualizada do que mulheres de outras nacionalidades” nos diferentes media, mas também na publicidade. “Um exemplo que tivemos recentemente foi o de uma marca de esmaltes que tinha uma cor chamada "Kiss Me I'm Brazilian", para a qual foi realizada uma petição contra o nome, e a marca resolveu tirá-la do mercado”, contam. Mas também levantam “muitos outros exemplos” presentes no vocabulário do dia a dia em centros de estética ou lojas de roupa interior: “a calcinha ‘brasileira’, o biquini ‘brasileiro’, a depilação ‘brasileira’ “. “Tudo isso acaba sendo naturalizado, mas contribui ativamente para que esse estereótipo continue sendo propagado pelas pessoas no exterior”, defendem. 

https://www.instagram.com/p/CFQJNwHJadQ/

Discriminar sem olhar à idade e o mote para a união

Numa entrevista dada ao Jornal de Notícias a propósito do projeto, Brasileiras Não se Calam mencionavam que “em alguns relatos, crianças brasileiras com 12 anos são chamadas de ‘p***’ na própria escola e escutam dos próprios profissionais que lá trabalham, quando se vão queixar dos assédios, que a culpa é delas por serem brasileiras e usarem calças de ganga para irem à escola”. 

Quando lhes perguntámos como se protegiam crianças deste tipo de ataque, responderam-nos que acreditam que “a melhor forma de evitar que esse estereótipo das mulheres brasileiras continue sendo propagado nas crianças é realizar intervenções nas escolas, com o objetivo de desconstruir essa visão negativa e errônea que têm de nós, e também de outras mulheres imigrantes que também são discriminadas, só que de formas diferentes, como é o caso das mulheres africanas, negras, latinas, ciganas”.

Para contextualizar, o grupo comenta que “esses estereótipos muitas vezes estão presentes dentro da própria família e a escola acaba sendo um lugar onde são propagados, então o ciclo se repete ao longo das gerações, como em um dos relatos onde uma criança de quatro anos perguntou à mãe porque seus colegas de escola diziam que a mãe dele era uma ‘p**a’, mesmo sem saber ainda o que isso significava”. Vão mais além, reforçando a importância que também os adultos que trabalham nas escolas têm: “também é necessário que esse trabalho de desconstrução seja realizado com os próprios profissionais que trabalham nas escolas, e que, muitas vezes, também contribuem para o problema e não dão o apoio necessário a essas meninas por não acharem que é uma questão grave”.

 “Já tivemos relatos de uma menina que foi culpabilizada pelos diretores da escola onde estudava por ser brasileira e ir assistir as aulas de calça jeans. Pensamos em realizar um projeto nesse sentido, mas ainda não conseguimos apoio”, partilham.

Além de unir forças entre mulheres brasileiras que sofrem de assédio e discriminação em Portugal e noutros países e lhes dar voz, o grupo Brasileiras Não se Calam oferece, de forma gratuita, apoio psicológico, jurídico, aulas e cursos, organizados por voluntárias. O objetivo é apoiar “as mulheres brasileiras que enfrentam essas questões diariamente: assédio na rua, assédio no local de trabalho, assédio em escolas e universidades, assédio em instituições públicas de saúde e segurança, que são discriminadas e não conseguem emprego ou casa para arrendar”.

 “Esperamos que, cada vez mais, elas se sintam seguras para denunciar e que percebam que a culpa nunca é da vítima. Em relação à população portuguesa, esperamos que as pessoas que ainda nos enxergam dessa forma consigam desconstruir esses preconceitos contra as mulheres brasileiras, e que também a justiça e o Estado possam interiorizar essas questões com a gravidade e a prioridade que têm, já que somos muitas e que contribuímos muito para a economia do país. Além disso, que possam realizar um trabalho educativo e punir os agressores de forma mais severa”, concluem. 

Num tom embebido em sororidade, garantem que juntas são mais fortes. 

Texto de Carolina Franco
Fotografia de Sasha Freemind disponível via Unsplash

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