Novamente incêndios. Meus sentidos pêsames a todas as vítimas dos incêndios. A tristeza que me toca, chama-se reincidência. Quando para esse looping? Disse uma vez Pepe Mujica, “o bicho humano é o único animal que tropeça 20 vezes na mesma pedra”. Assistimos outra vez a uma severa temporada de incêndios, no meu caso assisti ao vivo, a cores e fumo. Resido na Covilhã e, por qualquer canto, travessa ou viela desta cidade, era possível perceber o que estava acontecendo, a nuvem pyrocumulos tornou a bucólica paisagem da Serra da Estrela em dantesca.
Grandes áreas do território português são anualmente queimadas por incêndios florestais, a degradação da paisagem é contínua e progressiva. Ao apagar das chamas, apontam-se culpados, os média publicitam os factos, orientam-se meios de combate mais eficientes, mas raramente os esforços são direcionados para as consequências. Normalmente as áreas ardidas não são objeto de reabilitação ou recuperação, ficam abandonadas à sua sorte e autorregeneram-se de forma descontrolada. As consequências não esvanecem no ar com abrandar dos fumos, perduram além da extinção dos incêndios. Estamos a encarar a situação de maneira reativa. Para pôr travão a reincidência, primeiramente torna-se fulcral, “perceber que se o fogo é um processo ecológico, os incêndios são uma construção social, pois têm origem na interdependência entre os sistemas humanos e naturais” (Tedim & Leone, 2017, p. 398). À ocorrência, frequência, intensidade, severidade etc., dos incêndios estão relacionadas com as ações e influências da humanidade sobre o ambiente. A intervenção antrópica provoca constantes mudanças das características originais do meio ambiente, refletindo no comportamento dos incêndios, tornando os incêndios mais robustos e mais difíceis de serem debelados.
Traduzindo em bom português, certamente escutou “foi fogo posto, é preciso pegar esse piromaníaco”. Dados estatísticos da Autoridade Florestal Nacional sugerem que entre 20% e 30% dos incêndios são propositais, os chamados fogos postos. Os incêndios intencionais, por fogo posto, podem não representar um grande número, mas não significa que a maioria dos incêndios não sejam oriundos das atividades humanas. Aproximadamente 90% das ignições dos incêndios em Portugal decorrem das intervenções do homem. Estradas, motores, geradores, linhas e postes de transmissão elétrica de alta tensão, beatas de cigarro, resíduos metálicos e vidros, entre outras causas de ignição. É justamente a intervenção antrópica que faz soar os alarmes de catástrofes, a ação humana negligenciada com o ambiente, pode deflagrar incêndios e potenciar consequências caóticas. A realidade atual é composta por uma paisagem marcada por interações urbano-florestais, com o campo próximo da cidade ou vice-versa, acentuando as proporções dos incêndios.
A repetição da frase “fogo posto” empregada nas ruas, na Assembleia, em Belém e em São Bento, é um estratagema. É sabido e notório o esvaziamento e abandono do interior, o desordenamento do território, a substituição da flora autóctone em detrimento de eucalipto e outras espécies invasoras, a falta de educação e gestão florestal/ambiental, gases com efeito estufa, aquecimento global etc. (fique à vontadinha para aumentar essa lista). Temos que encontrar alternativas para o “é o que é”. O fogo que arde, neste caso não é o do conhecimento, que Prometeu ofereceu aos humanos segundo a alegoria mitológica. No entanto, parece-me que assim como o titã, estamos condenados a um ciclo de dor e sofrimento.