No ano em que viu canceladas todas as digressões nacionais e internacionais, a artista e colecionadora termina 2020 com a quarta e última coleção da tetralogia "Coleção de Pessoas": a "Coleção de Espectador_s". Antes da estreia mundial do espetáculo, na Sala Garrett do Teatro Nacional Dona Maria II, em julho de 2021, Raquel André iniciou uma grande conversa com as testemunhas e interlocutores que se deixaram afetar pelo trabalho que tem desenvolvido, apresentando um projeto multidisciplinar, em três momentos, que privilegia a relação e um encontro direto com o espectador.
Em todos os projetos, a artista coleciona espectadores, convidando-lhes a ativarem uma relação artística, o que vem gerando um arquivo de imagens, textos e objectos, que agora dão origem a esta nova coleção. "Desde a estreia do espetáculo da 'Coleção de Amantes' que tenho vindo a colecionar espectadores. Em todas as apresentações do espetáculo, peço aos espectadores, num determinado momento, que capturem o nosso encontro, que utilizem os seus telemóveis e que fotografem aquele encontro irrepetível. Peço também que me enviem por email essas fotografias", explica, ao Gerador, Raquel André, que, depois de ter percorrido, nos últimos 6 anos, 36 cidades diferentes no mundo, já recebeu mais de mil imagens. O mesmo pedido é feito também nas versões livro, teleteatro e exposição da mesma coleção. "Já na 'Coleção de Colecionadores', nas apresentações do espetáculo, peço a pelo menos um espectador que me entregue um objeto que transporte consigo naquele momento e, assim, guardarei aquela noite efémera. Com isso, já colecionei 251 objetos desde 2016." Por fim, na 'Coleção de Artistas', a performer pede que um espectador lhe conte um momento de transformação na sua vida, através de um evento artístico: "Assim tenho vindo a colecionar espectadores, através de histórias, neste momento 24 histórias."
Raquel André tem, desta forma, colecionado espectadores, desde 2015, em todos os momentos de interação pública da "Coleção de Pessoas". "A 'Coleção de Espectadores' surge, assim, como um projeto que atravessa todas as outras coleções."
Nesse sentido, a artista lançou, no passado dia 20 de outubro, o site bilingue collectionofspectators.com, dirigido a espectadores de toda a Europa - um projeto que surge no contexto da celebração do Dia Europeu do Espectador, uma iniciativa da rede europeia BeSpectACTive! e para a qual foi, este ano, selecionada para dinamizar.
No website, são difundidos desafios, duas vezes por semana, para execução de tarefas, propostas, conversas e surpresas. Esses desafios "trazem conteúdos ao processo de coleção do outro" e que vão, gradualmente, compondo um projeto artístico virtual em forma de fotos, vídeos, áudios e textos. "O que nos interessa é precisamente a subjetividade de cada um a partir de uma instrução comum. Por isso, sim, a diversidade, heterogeneidade, subjetividade, individualidade são o centro e motor, são o que consideramos interessante e de qualidade", partilha a Raquel André.
"Não temos uma meta quantitativa a atingir, pode apenas uma pessoa, ou até mesmo nenhuma, participar. O movimento de a pôr no mundo é um gesto. Pode reverberar ou não. Pode chegar apenas a uma pessoa. Pode ficar no silêncio de várias. Pode ser que haja demasiadas interações. Acho que o que consideramos interessante, nesta perspetiva, é esse risco de não sabermos o que pode acontecer." Nas palavras da colecionadora, a experiência de um trabalho online também é essa: "A relação aqui e agora de um evento artístico ganha outra dimensão espaço-temporal, e essa experiência está a ser incrível".
A proposta artística culminará na realização do Festival de Espectador_s a decorrer online no site e plataformas sociais do projeto, já no próximo dia 21 de novembro.
Mas o projeto multidisciplinar não se fica pelo lançamento do site, integrando ainda dois momentos onde se privilegia o contacto direto com o espectador. Assim, a partir de amanhã, dia 18, e até dia 29 de novembro, a artista fará a ocupação artística “Espectador_Espectador_”, no Centro Cultural Malaposta, em Odivelas.
Depois da residência artística, será apresentado um programa que inclui uma exposição, uma oficina, performances, conversas e conferências que em torno da pergunta “O que é ser espectador_?”. "Ser espectadora talvez seja um estado que permita a experiência a uma transformação". É o que nos responde Raquel André, quando lhe fazemos essa mesma questão. "Essa é a minha resposta ao que é ser espectadora. É que, na verdade, não vejo diferença na minha resposta do que será ser artista."
A “Exposição-Inventário Coleção de Espectador_s”, que fica patente a partir de amanhã, dia 18 de novembro, apresenta a relação que a colecionadora estabeleceu, ao longo dos últimos seis anos, com os milhares de espectadores nos projetos “Coleção de Amantes”, “Coleção de Colecionador_s” e “Coleção de Artistas”, com um projeto de expografia do designer portuense Sérgio Couto. Já a a “Oficina d_ Espectador_”, que decorre de 22 a 27 de novembro, é limitada a 10 espectadores, que partilharão a história das suas vidas através das experiências artísticas que os transformaram. O resultado desta culmina em performances públicas de 28 a 29 de novembro, altura em que as duplas Ana Borralho e João Galante e Ondamarela apresentam performances-conferência.