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Opinião de Mafalda Fernandes

Estamos em 2024: é necessária uma resolução de Ano Novo Negra

Nas Gargantas Soltas de hoje, Mafalda Fernandes, nos fala sobre as listas de resoluções para o novo ano. “Em 2024, necessitamos de uma resolução de ano novo negra. Sim, porque além destas listas infinitas focadas no nosso umbigo, é também importante criarem-se listas coletivas.”

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Chegou aquele momento em que todos olhamos para a infinita lista de objetivos que temos para este novo ano. Todos sabemos que após os primeiros dias, não teremos a capacidade de dar continuidade, muitas vezes porque estes objetivos não são realistas para nós, outras vezes porque criamos objetivos com base no que outras pessoas querem. Para não falar da necessidade que temos, imposta socialmente, em realizar este tipo de listas ou criar quadros com imagens que definem como nós gostaríamos que fosse o nosso ano. É importante compreendermos que sim, estes objetivos, se bem definidos, podem de certa forma funcionar como um apoio à nossa saúde mental, mas caso contrário funcionam apenas como um catalisador do caos, da vergonha e da culpa.

Em 2024, necessitamos de uma resolução de ano novo negra. Sim, porque além destas listas infinitas focadas no nosso umbigo, é também importante criarem-se listas coletivas. Neste ano, gostaria que a comunidade negra deixasse de esperar tanto pelos outros. Esperamos que um governo nos apoie, quando nenhum partido compreende as nossas dores. Esperamos que alguém responsabilize a polícia pelas agressões cometidas contra a nossa comunidade. Esperamos que os tribunais exerçam justiça por Claudia Simões. Esperamos que o acesso à saúde, educação e habitação seja colocado nas nossas vidas, porque parece sempre que quem está no poder vai olhar a nossa vivência em honra dos direitos humanos. Não vai acontecer.  E por isso é importante que se crie uma lista coletiva de objetivos a serem atingidos pela comunidade. Uma lista criada por pessoas negras para pessoas negras.

Depositamos demasiada confiança naqueles que nunca que passaram pelas nossas experiências. E acreditamos que um dia vão reconhecer a nossa humanidade. Enquanto isso deterioram a nossa saúde mental, pois esta espera infinita cria um esgotamento coletivo e o trauma racial inerente à nossa vivência não é sequer reconhecido pelo DSM V. Estamos doentes, não somos doentes. E a doença cura-se em comunidade.

Em 2024, eu espero que a comunidade negra confie mais em si e nos seus. Espero que cada irmão negro aprenda que as nossas diferenças são muito menos importantes que as nossas semelhanças. Que não só na dor, mas também na alegria, há algo que nos une. Quero um reconhecimento pela perseverança e resiliência dos nossos ancestrais e um agradecimento à linhagem que mantém estas características no nosso sangue.

Quero tudo isto, não por mim, mas por nós. Criei esta lista de resoluções de ano novo que talvez possa ser adicionada às vossas resoluções pessoais, de forma a que encontremos uma mudança coletiva em 2024.

  1. Planeia uma viagem individual ou em grupo, para descobrires mais sobre a comunidade negra e a sua história. Podes fazê-lo com vários grupos em Lisboa: Batoto Yetu (https://batotoyetu.pt/guided-tours-african-presence-in-lisbon-batoto-yetu-portugal/) ; Naky (https://africanlisbontour.com/best-of-lisbon-guided-walking-tour/). Ou então podes fazê-lo no Porto comigo (www.africantourporto.com);
  2. Participa nas reuniões públicas da tua junta de freguesia. É  uma boa forma de irmos implementando na política aquilo que são as nossas necessidades como comunidade;
  3. Inicia um clube do livro e começa a discutir e a aprender vários aspetos da nossa história, principalmente sobre quem éramos nós antes de sermos escravizados e colonizados;
  4. Aprende algum tipo de atividade que é estereotipada como não sendo feita por pessoas negras. Somos capazes de fazer tudo e podemos provar. Pode ser ir para a faculdade, ou um desporto como o xadrez, por exemplo;
  5. Faz voluntariado com pessoas da tua comunidade. Existem associações pequenas que dão apoio a diversas comunidades mais vulneráveis, principalmente em Lisboa. (https://www.academiadojohnson.com/) e (https://www.facebook.com/cavaleirossaobras/);
  6. Elimina energias negativas da tua vida. Escolhe bem as pessoas que te rodeiam, aniquila todo o tipo de relações tóxicas. Só conseguimos ajudar os outros se formos capazes de nos ajudar a nós próprios também;
  7. Pesquisa e aprofunda o teu conhecimento sobre a história da comunidade negra através da leitura (utiliza a tua biblioteca municipal) ou através de pesquisa na internet (Google Scholar). Podes também enviar mensagem para coletivos negros a pedir que te enviem uma lista de leituras;
  8. Vai ao médico e faz um check-up. Físico, de saúde e bem-estar pelo menos uma vez por ano. Agrupei uma pequena lista de médicos negros no meu Instagram;
  9. Sê intencional na forma como consomes e gastas dinheiro. É importante que consumas num negócio negro pelo menos uma vez por semana. Podes sempre ir ao mercado Afrolink (https://afrolink.pt/) organizado pela Paula Cardoso, em Lisboa ou então passar pela Feira Afro no Porto (https://www.instagram.com/feiraafrosporto/);
  10. Cuida da tua saúde mental e escolhe um psicólogo que compreenda aquilo que são as tuas vivências e o contexto social em que vives. Podes marcar consulta comigo via (https://www.instagram.com/quotidianodeumanegra/) ou contactar diretamente a Afropsis (https://www.instagram.com/afropsis/);
  11. Junta-te a um coletivo anti-racista;
  12. Vai votar dia 10 de Março, nas próximas eleições legislativas.

-Sobre Mafalda Fernandes-

Nascida e criada no Porto, filha de pais brancos e irmã de mulheres negras. Formada em Psicologia Social, o estudo e pensamento sobre problemas sociais relacionados ao racismo, são a sua maior paixão. Criou o @quotidianodeumanegra, página de Instagram onde expressa as suas inquietudes. Usa o ecoturismo como forma de criar consciência anti-racista na sociedade. Fã de Legos, livros e amizades, vive pela honestidade e pelo conhecimento. 

Texto de Mafalda Fernandes
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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