À cabeça, a Vintage for Cause tem dois propósitos claros. Por um lado, reduzir o desperdício têxtil, num mundo que se quer comprometido com a luta contra as alterações climáticas. E por outro, empoderar as mulheres com mais de 50 anos, numa sociedade marcada pelo envelhecimento demográfico. Assim, esta marca de moda circular, criada por Helena Silva há quase uma década, oferece hoje vestuário criado a partir de stock morto e tecidos sustentáveis, mas também workshops para mulheres à procura de aprender a transformar peças de roupa.
Ao fundo, a estante com tecidos coloridos em desalinho denuncia o coração do negócio. Numa conversa por Zoom, Helena Silva conta-nos como trocou o Direito pela moda sustentável e como a indústria tem evoluído nesta última década, sinalizando que a pandemia, apesar de todos os desafios, também abriu espaço para novas oportunidades e terreno para a consciência de que é preciso tomar consciência do impacto das ações diárias no quadro global do planeta.
Com os olhos no futuro, a fundadora e diretora executiva da Vintage for a Cause sonha com uma rede de estúdios, com o design como campeão e as mãos das mulheres menos jovens como certeza. E antecipa que as empresas terão mesmo de olhar para lá dos lucros e começar a preocupar-se também com o valor que geram.
Gerador (G.) – Como é que chegou ao mundo da moda? Sei que começou a sua carreira como advogada. Como é que foi fazer essa transição?
Helena Silva (H. S.) – Foi um percurso um bocadinho improvável. Sou licenciada em Direito, trabalhei numa seguradora e fui advogada durante muito tempo, mas sempre gostei de estudar outros temas. Em 2012, chegou-me à caixa de email uma pós-graduação em empreendedorismo e inovação social e foi durante essa pós graduação que comecei a trabalhar na ideia de criar a marca, apesar de a minha motivação não ser, propriamente, ter uma marca de moda ou ter um negócio. O que acabou por ser preponderante foi o facto de a minha mãe ser costureira e eu, durante toda a minha infância e adolescência, até já na idade adulta, ter usado roupa feita por ela. Como tenho mais duas irmãs e um irmão, a minha mãe sempre reaproveitou a roupa, e isso, de alguma forma, condicionou um bocadinho o meu gosto pessoal por ter peças um bocadinho diferentes, que não conseguia pagar ou não conseguia encontrar. Normalmente, ou eram [peças] de designer e eram muito caras ou eram [peças] em segunda mão e tinha de as adaptar, porque ir a tribunal com roupa excêntrica ou estar numa seguradora com roupa muito icónica não fazia sentido. Portanto, fui parar aí [à Vintage for a Cause] por confluência destes fatores: a minha experiência pessoal e também aquele contexto formativo. O trabalho da pós-graduação era apresentar uma ideia de negócio social, um negócio de impacto, que resolvesse um ou mais problemas, que pudesse ser sustentável, gerar receita e de alguma forma ser replicado. Na altura, simplesmente tinha de apresentar uma ideia e ocorreu-me aquilo. Quando vim morar para o Porto, vim morar para uma zona envelhecida, portanto, sabia que havia senhoras sozinhas, que tinham máquinas de costura e que tinham imensas roupas vintage engraçadas, que podiam ser transformadas. A minha própria mãe, quando deixou de trabalhar, senti que sofreu uma atrofia muito grande, em termos de perceção do mundo, até perceção do próprio valor e de motivação para estar ativa. Foi um bocadinho a confluência destas várias coisas que fizeram com que a iniciativa começasse.


G. – A questão ambiental já nessa altura estava na sua mente?
H. S. – O projeto nasce como uma resposta para diminuir o isolamento e a exclusão social que as mulheres sofrem a partir dos 50 anos, sobretudo por estarem fora da vida ativa. Desde o início, o modelo do projeto é o reaproveitamento de recursos que já existiam em abundância. Neste caso, era a roupa usada ou a roupa vintage, que tivesse mais qualidade. Portanto, desde sempre que tinha esta preocupação, que tem mais que ver com inovação, ou seja, combinar recursos que estão estacionados, que não estão a ser aproveitados, e colocá-los de forma que se crie algo novo e com um impacto positivo, mas não tinha a perceção que isso tinha um impacto ambiental positivo. Só a partir de 2015 ou 2016 é que começo a perceber que aquilo que estávamos a fazer se chama upcycling. Em 2016, estivemos numa feira em Berlim, que se chama Ethical Fashion Show, e aí, sim, percebi que aquilo que estávamos a fazer já tinha um enquadramento muito claro noutros países e aprofundei mais a questão do impacto negativo da indústria têxtil. [Por outro lado], desde sempre que temos workshops, numa lógica de criar uma ocupação capacitante para mulheres que estão em risco de exclusão e, muitas das vezes, até em risco de ter doença mental. No início, elas faziam estas peças com a ajuda de designers, sempre com a expectativa de que isso pudesse aumentar seu perfil de empregabilidade e, claro, aumentar o seu rendimento. Percebemos muito rapidamente que a maioria delas, a partir de determinada altura, por vários motivos, inclusivamente muito por força daquilo que é o nosso ritmo biológico, não queria trabalhar e muito menos queria trabalhar das nove às cinco. Quem já esteve na indústria e já foi costureira não quer voltar a ter essa pressão. Então, percebemos que havia aqui uma oportunidade de criar um modelo de empregabilidade, que fosse mais adequado àquilo que é o ritmo biológico e o plano de vida para estas senhoras. Aquelas que, efetivamente, ainda queriam trabalhar e que tinham capacidade passaram a ser remuneradas para fazer as nossas peças. As outras frequentam os workshops e aprendem técnicas de reaproveitamento e transformação de roupa. É um campo muito interessante em termos de desenvolvimento criativo e até de desenvolvimento da capacidade de comunicação e de funcionamento em equipa, que tem um impacto em termos de aumento da autoestima. Há aqui uma combinação de dois objetivos: reduzir o desperdício têxtil e, de alguma forma, empoderar, recapacitar e recuperar este público que está um bocadinho posto de lado, que a indústria têxtil também segrega, de certa forma, e que o próprio sistema, em termos de consumo, segrega. Tentamos voltar a pô-las na cadeia de valor, seja como costureiras, seja como participantes destes workshops que acontecem localmente em diferentes regiões, sob o formato de clube de costura, onde elas, depois, acabam por ser um suporte a outras atividades.
G. – A Vintage for a Cause já tem vários anos de história. Como disse, começou a sua pós-graduação em 2012, ou seja, há dez anos. Que balanço faz desta década? E como se define hoje a Vintage for a Cause?
H. S. – É uma marca de roupa, que tem no seu ADN um compromisso. Tem um propósito, que é criar mais oportunidades para mulheres acima de 50 anos fora da vida ativa e, de alguma forma, agregar todos os stakeholders dentro da indústria têxtil de uma forma muito mais próxima e com o mesmo fim. Dizer que é só uma marca de roupa é redutor, porque é mais do que isso. Por outro lado, tem sempre essa vertente de negócio. O próprio negócio pode ser uma força para o bem ou uma força que gera impacto e é exatamente isso que a Vintage for a Cause é, ao oferecer a uma empresa têxtil uma solução para o stock morto, uma oportunidade a um designer para compreender como é que funciona um modelo de produção e design mais sustentável, ao conseguir criar oportunidades para mulheres mais velhas e que são, efetivamente, um recurso muito valioso, num contexto de economia circular, porque são elas que sabem como é que se lida com os constrangimentos de usar desperdício têxtil.
G. – E a indústria da moda, como um todo, muito mudou nesta década, na sua visão? Hoje fala-se muito sobre a necessidade de as indústrias da moda e do setor têxtil serem mais amigos do ambiente. Em 2012, esta consciência era uma raridade?
H. S. – Sim, há uma diferença abismal entre 2013 e o presente. Nem eu percebia muito bem qual era a importância daquilo que estávamos a fazer. Simplesmente, era algo familiar, que eu conhecia e, portanto, não lhe atribuía todo esse valor. A determinada altura, estava em contacto com os designers e com as empresas e estava, de uma forma muito persistente, a tentar obter recursos e a tentar influenciar e havia uma grande resistência por parte das empresas, que não percebiam muito bem o que é que estávamos a fazer. Muitas das vezes, achavam interessante, mas não percebiam muito bem. Fazer parcerias era muito difícil. A partir de 2020, sobretudo com a pandemia, parece que houve uma abertura, não sei se forçada ou acelerada por uma série de fatores. Neste momento, há empresas que nos contactam, porque querem saber mais, querem perceber como é que podemos colaborar, querem alguma solução para o stock. Quase todos os dias, recebemos pedidos de estágios curriculares, pedidos de entrevistas para estudos em contexto de mestrado e de doutoramento. Portanto, a própria realidade socioeconómica permitiu que, a partir de determinada altura, houvesse uma grande mudança por parte de todos os envolvidos na indústria têxtil, inclusivamente por parte dos consumidores. Em 2013 até 2019, a maior parte das pessoas que compravam as nossas peças eram do norte da Europa ou do Reino Unido ou de capitais da Europa, sem que tivéssemos de explicar o que é que estávamos a fazer e quais eram os princípios da marca. De 2020 para 2022, houve um aumento gigante da nossa audiência e dos nossos clientes, que passaram a ser, maioritariamente, portugueses, da zona sul do país. Durante anos, foi muito difícil conseguir ter algum espaço no mercado nacional por várias razões. Algumas delas são óbvias e têm a ver com capacidade económica, mas simultaneamente a educação e o estar sensível às consequências daquilo que são as nossas escolhas diárias, em termos de consumo. Portanto, há uma mudança muito grande. Foi quase como se tivéssemos que esperar até a realidade ter espaço para aquilo que estamos a fazer. Mesmo o conceito de negócio social é uma coisa que a maior parte das pessoas não tem perceção do que quer dizer. Se, por um lado, temos workshops, que são gratuitos e o nosso objetivo é capacitar mulheres mais velhas e reduzir as desigualdades; Por outro, estamos a vender peças. É quase como se houvesse uma confusão, é quase como se estivéssemos a fazer caridade e ao mesmo tempo a querer vender e as duas coisas não pudessem estar ligadas. Hoje ainda é um pouco difícil as pessoas perceberem o que é que isto quer dizer. Qualquer dia, e tendo em conta os desafios com que nos deparamos na atualidade, tudo isto vai estar muito diluído. As empresas vão ser forçadas a não estarem só focadas em lucros. Terão, eventualmente, também de se preocuparem em gerar valor. Quando explicamos desta forma as pessoas compreendem, mas, ainda assim, é um território muito novo. Se pensarmos em termos de origem dos problemas, quer do consumo e produção massiva de desperdício, quer da exclusão das pessoas mais velhas, a origem é, exatamente, a mesma: um modelo de produção muito industrial e para grande escala, que, obviamente, sobrevaloriza a juventude, porque, a partir de determinada idade, as pessoas não são consideradas produtivas, porque não conseguem ter o ritmo que é necessário para continuar a produzir em escala. São problemas de natureza sistémica e que não chega a uma marca para alterar. Não temos essa pretensão. Tem de haver várias empresas e tem de haver vários agentes em diferentes papéis na sociedade.
G. – Hoje até as grandes empresas das indústrias do têxtil e da moda dizem ter compromissos de sustentabilidade. Desconfia desses compromissos ou acha que são bons sinais nesta luta por tornar este setor mais amigo do ambiente?
H. S. – Essa é uma pergunta difícil e, obviamente, só posso responder limitada àquilo que é a minha experiência pessoal. Sim, dá-me a sensação de que há uma intenção clara por parte de todas as empresas de introduzir mudanças mais sustentáveis e, portanto, assumir esses compromissos. Acredito que é uma intenção motivada por vários fatores, ou seja, não acho que tenha que ver só com uma intenção de criar impacto positivo, mas também é uma questão quase de competitividade. A agenda política, todas as prioridades do Governo e da própria Europa precipitam as empresas para se reposicionarem no mercado. Há algumas empresas que, genuinamente, estão a fazer um bom trabalho e bastante pioneiro nessa área. O que sucede é que também não existem muitos indicadores ou indicadores muito uniformes, nem legislação que obrigue todas estas empresas a nivelar-se em termos de atuação, mesmo do ponto de vista às vezes de terem quadros qualificados para o efeito ou até do risco que isso acarreta, porque criar mudanças estruturais numa mega empresa pode ter custos e riscos muito elevados, que depois poderão ter eventualmente custos sociais. Portanto, não é uma transição que seja fácil. Esta transição tem também de ser ela sustentável e, portanto, acredito que, na respetiva medida, e, de forma mais rápida ou mais lenta, todas as empresas irão ter que assumir estes compromissos. Em Portugal, essencialmente a maior parte das empresas portuguesas são pequenas e médias empresas. Se é verdade que, eventualmente, podem não ter recursos financeiros ou um investimento muito elevado, é também verdade que as pequenas empresas conseguem adaptar-se muito mais rapidamente do que estruturas muito grandes.
G. – As maiores empresas, quando se fala sobre sustentabilidade, ainda têm um grande foco nos tecidos e menos no modelo de produção. Haverá uma transição ecológica sem mexer nesse modelo? Ou seja, no seu entender, há ou não níveis de crescimento e produção que são incompatíveis com a sustentabilidade ambiental e social?
H. S. – Não me considero uma especialista, mas quanto mais leio só consigo chegar a uma conclusão: temos de produzir menos e está tudo feito para uma grande escala. Na zona norte [de Portugal], existem pequenas confeções com quatro mulheres a trabalharem na garagem das suas próprias casas e mesmo essas pequenas unidades fabris exigem quantidades que não fazem sentido para a capacidade de resposta que têm. Porquê? Porque está tudo feito para uma grande escala. Este crescimento contínuo, mesmo que se substituam a materiais… As grandes empresas estão a ir pela via que é mais fácil, sem pôr em causa toda a estrutura, que é substituir materiais. Mas se continuarmos a produzir na mesma escala, estamos, exatamente, com o mesmo problema, porque vamos continuar a drenar solos e a extrair recursos sem eles terem tempo de se regenerar. Sim, o desenvolvimento sustentável só é passível com um decrescimento. O desafio está em definir o que é este decrescimento, qual é o âmbito e os limites, porque isso obriga a uma maneira de estar completamente diferente em quase todos os setores da nossa vida. Já percebemos que este ritmo não nos leva a um futuro muito positivo. Temos todos de desacelerar, temos todos de diminuir, mas até esta transição está a ser superintensa, super-rápida. É uma fase de desenvolvimento bastante complexa e para a qual não existe uma resposta absoluta, mas eu diria que, a haver uma, passa muito por diminuir a escala. Há alguns especialistas que falam no movimento de glocalização, que tem que ver com ter cadeias de valor mais curtas, mais locais. Produzem de forma local, mas podem estar disponíveis de forma global. A pandemia veio mostrar a fragilidade das cadeias de valor enormes, para além da injustiça social que geram. Não podemos voltar aos anos 70 e a tecnologia pode ser uma ferramenta muito interessante para o decrescimento não ser involução, mas, de alguma forma, temos todos que repensar um bocadinho a nossa maneira de estar, nas diferentes áreas da nossa vida. Por exemplo, o tipo de inteligência que é valorizado, o tipo de estilo de vida, o que é que é ser cool, o espírito crítico. Muito daquilo que são os fenómenos das redes sociais, para o bem e para o mal, são alimentados por essa falta de espírito crítico e de valor próprio. As pessoas habituaram-se a uma gratificação rápida, muito fácil e isso, de alguma forma, também alimenta os hábitos de consumo. Há aquela brincadeira que, se um dia as mulheres acordarem e se sentirem bonitas, 80 % da indústria colapsa. Há todo um marketing que também tem de ser repensado.
G. – Voltando à Vintage for a Cause, como é que encontram as costureiras para a confeção das vossas peças? São elas que chegam à marca ou o inverso? Como é feito este recrutamento?
H. S. – Este recrutamento é feito nos workshops, que fazemos só para a promoção do envelhecimento ativo, ou seja, nos grupos, percebemos quais são aquelas que ainda têm vontade de trabalhar, que têm competências técnicas, que estão ainda à disposição e que, de alguma forma, se vão comprometer. Hoje também acontece o inverso e começamos a receber contactos de costureiras a perguntar se podem trabalhar connosco. Privilegiamos aquelas que frequentaram os workshops, porque também já ficam com uma noção do que é o upcycling, do que é que fazemos, da forma como trabalhamos e, portanto, é mais simples, porque já há uma ligação criada. Mesmo que elas sejam independentes, é quase como se pertencessem à equipa e elas sentem-se ainda mais valorizadas. Quando não conseguimos que sejam essas senhoras, recorremos a outras, que sejam mais velhas e experientes. Muitas das vezes até [vêm] recomendadas por essas senhoras que frequentam os workshops. Não podemos depender de uma só costureira. Tentamos ter uma rede de costureiras em diferentes sítios e vamos entregando a produção um bocadinho de acordo com a sua disponibilidade, de acordo com o que elas fazem muito bem, para também nunca as sobrecarregar com uma pressão, que já não faz sentido na idade delas. É uma mais valia para nós. Apesar de o valor da mão de obra ser mais elevado, conseguimos uma qualidade acima da média.


G. – As vossas coleções são sempre limitadas. Esse número mais reduzido de peças não tem sido um travão ao vosso crescimento enquanto negócio? Ou, pelo contrário, tem possibilitado um crescimento mais sustentado ao longo do tempo?
H. S. – A escala pode ajudar no crescimento, mas, por outro lado, vai ter outro tipo de problemas. Produzir em escala pode não ser uma forma de crescer, porque se produzirmos muito, a um preço muito barato, possivelmente o crescimento não seria tão sustentado quanto isso. Acho que o crescimento com pequena escala, se for com margens justas, e se começar a fidelizar um tipo de consumidor, há um potencial de crescimento igual ao de ter uma larga escala. Quando pensamos em escala, este modelo pode ter que sofrer uma adaptação, seja por uma deslocalização do processo, ou seja, criar estúdios em diferentes regiões, que fazem na mesma em pequena escala mas que, no todo, têm alguma escala, seja ter modelos híbridos de produção, ou seja, entregar parte a costureiras sénior, neste modelo de moda lenta e muito artesanal, e depois ter algum tipo de produtos que possa ser feito em maior escala e de forma industrial. Ainda assim, é muito complicado. Quando se está a reutilizar stock, fazer grandes produções não é tão fácil. E não é esse o princípio da marca. Pelo contrário, a marca serve para chamar a atenção para as vantagens de ter uma cadeia de valor mais curta e mais próxima.
G. – Falou há poucos dos consumidores e das mudanças que tem sentido aí. O consumidor português ainda pensa muito com o bolso? Como é que se pode despertar a consciência ambiental e de consumir menos mas melhor?
H. S. – O consumidor português tem um comportamento diferente. Nunca nos acontece os clientes estrangeiros tentarem não pagar os portes. Com os clientes portugueses, acontece com muita regularidade. Já equacionamos que pudesse ser um erro do site, mas não, acho que é uma questão cultural. A maioria das encomendas anda nos 70 euros. Significa que há um conjunto de pessoas que está disposta a pagar mais e a ter melhor, que é exigente. Enquanto que, já em 2016, um alemão que cá viesse queria saber como é que tinha sido feita a peça, qual era a causa da Vintage for a Cause, queria saber das certificações, ou seja, já era um consumidor educado e mais exigente, em Portugal isso não se percebe. Tende a pesar mais na decisão o fator preço. Ainda assim, o número de pessoas que estão sensibilizadas e tomam essa opção de, se calhar, gastar um pouco mais e saber o que se está comprar está a aumentar. Pensar que uma t-shirt de 30 euros é cara é um raciocínio que se faz simplesmente porque não se percebe que essa t-shirt pode durar mais tempo do que cinco ou seis t-shirts de fast fashion. A faixa etária mais jovem é mais ativista, mas é muito difícil resistir à fast fashion ou, então, tem outras alternativas: pode comprar em segunda mão, pode trocar a roupa, pode reparar as suas peças. Mas há outra faixa etária que já não é tão jovem e que é, essencialmente, quem nos compra as peças, que está genuinamente interessada em saber o que é que está comprar, gostando do design. Por muita sensibilização que se possa fazer, o que sentimos é que as pessoas compram se gostam do design, ou seja, não chega só o processo ser transparente, é importante que também haja design e que, de alguma forma, satisfaça aquilo que é o desejo de ter variedade. Há algo que eu acho que é inerente ao ser humano desde sempre, que é gostar de se ornamentar e gostar de ter alguma variedade no armário. As marcas têm a responsabilidade de criar designs mais multifuncionais, menos apegados a tendências e que, de alguma forma, vão acrescentar alguma coisa em termos de proposta de valor, quando comparado com o que existe no mercado. Tentamos ir um bocadinho por aí, ou seja, não é a roupa que está na moda, mas também não é roupa que esteja muito em contraste com as tendências. Tentamos o mais possível, sempre com um compromisso também de custo versus benefício, que elas sejam o mais multifuncionais possível, porque há, de facto, cada vez mais pessoas que valorizam isso.
G. – Que futuro vê para a Vintage for a Cause? Quais os próximos passos da marca?
H. S. – Com a pandemia, aprendemos a definir um futuro muito curto, a planear não tão a longo prazo. Por isso, este ano vamos dar continuidade à coleção permanente que no ano passado lançamos. Sem retirar esta vertente colaborativa da marca, achamos importante ter uma coleção que seja mais identitária e, depois, pontualmente algumas colaborações externas. Muito brevemente, vamos adicionar alguns básicos muito confortáveis a esta coleção. E vamos retomar, novamente, os workshops presenciais nalgumas cidades, quer do norte, quer do Alentejo, quer no sul, na esperança de que seja possível fazer novamente um desfile. E, em termos futuros, quando pensamos no ideal do sucesso da marca, pensamos numa lógica de escala deslocalizada, ou seja, ter replicado este modelo pelo máximo de pontos possíveis no país, ou no mundo, tendo sempre como campeão local ou à cabeça o design. O designer é uma peça chave nisto tudo. Portanto, quando pensamos no crescimento, pensamos desta forma, de forma a impactar o máximo de pessoas, nos diferentes papéis seja. E, claro, isso só será possível com recurso à tecnologia e tendo, obviamente, as pessoas certas a ativar estes recursos todos nos locais. Aquilo que fazemos, neste momento, no Porto pode ser feito em quase qualquer parte do mundo, onde existir um designer, onde existirem recursos, onde existirem costureiras ou artistas. Só teríamos que nos focar em criar condições para que estes núcleos se desenvolvessem e, de alguma forma, avaliar e monitorizar o impacto e, claro, trabalhar a marca o mais possível. Quem sabe isto não esteja mais próximo do que possamos imaginar? A pandemia trouxe imensos desafios e, ao mesmo tempo, várias oportunidades.