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O artista não tem rótulos

No âmbito da parceria com a ESCS Magazine, Alice Lopes e Catarina Policarpo apresentam-nos o percurso de três artistas/estudantes: João Ferreira (músico), Sofia Carvalho (atriz) e Beatriz Pilré (fotógrafa).

Texto de Redação

©Joshua Hoehne via Unsplash

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O mundo das artes é cada vez mais percecionado como um mundo repleto de pessoas sem futuro, sem objetivos e até com diversos problemas. Este não é um problema de agora - já durante a época dos reis um bobo da corte era usado, não só como entretém, mas também como alvo de chacota. Atualmente, a situação, em parte, mantém-se. Um artista não tem o reconhecimento suficiente a não ser quando é sentida a falta dele, como foi o caso dos tempos em que o país se encontrava confinado. O certo é que os estereótipos associados aos artistas e estudantes da área são constantemente vincados.

Quem nunca ouviu “vai para artes, vai perder-se” ou “se é artista é maluco” e ainda “vai para artes, não vai ter futuro”? Realmente, quanto à questão do futuro, enquanto o apoio do estado à cultura for o mínimo possível, será bastante difícil ter um futuro proveniente de um percurso profissional artístico.

Aquilo de que não se tem noção (mas devia) é que um país sem cultura é um país vazio. Volte-se aos tempos de Salazar em que, por razões diferentes, o país era fechado, inculto e pobre de espírito. E, ainda que não tenhamos um país inculto nos dias de hoje, há que ter em conta que a desvalorização do setor cultural pode levar a isso. Não é só a questão governamental que influencia o setor, mas também a população em geral, que cada vez menos está disposta a pagar pela cultura porque, parecendo que não, as atividades culturais são vistas como não essenciais, principalmente se for com um artista português.

Um artista, em Portugal, é só mais um “zé ninguém” que vive à base de caminhos desviantes e problemas mentais. O que não é reconhecido é que eles constroem um dos pilares estruturais para um país mais rico. De maneira a compreender melhor como funciona este mundo e os estereótipos associados a ele, convidámos três estudantes que estão ligados às artes.

João Ferreira | Fotografia da sua cortesia

João Ferreira tem 17 anos, ingressou no mundo da música aos nove e, atualmente, estuda percussão no Conservatório Nacional. Começou numa filarmónica a aprender guitarra, mas só quando iniciou as aulas de bateria é que percebeu que este era o seu caminho. João confessou-nos que, no início, a música era um passatempo - “tocava meia dúzia de horas por semana, quase só nas aulas” -, mas hoje assume que a maior parte do seu tempo livre é passado a estudar. Depois de falar sobre o seu percurso, tentámos perceber junto do João se este sentia que o estereótipo existente acerca de um alegado consumo de droga por parte dos artistas era ou não verdade. O certo é que o jovem aprendiz sente que esteve muito mais exposto a este tipo de caminhos noutras fases da sua vida e que esta situação existe um pouco por todo o lado. No entanto reconhece que: “muitos músicos acabam por recorrer aos demais métodos para desanuviar, devido ao trabalho em excesso que têm”.

João Ferreira | Fotografia da sua cortesia

Falando em perspetivas futuras, o João pretende ingressar numa das bandas militares portuguesas e reconhece que esta é uma das poucas formas de ter um rendimento seguro e garantido, onde, faça ou não concertos, receberá sempre um salário ao fim do mês, coisa que não acontece com um músico comum. O que é certo é que, quando decidiu ser músico, João sentiu uma certa discriminação, pois muitos consideraram que aquele não era um trabalho, mas sim um hobby. À vista de muitos, ser músico é sinónimo de não ter rendimentos. Apesar dos comentários cruéis, o estudante de música diz que, de modo a ultrapassar este tipo de críticas estereotipadas, se foca em exemplos de pessoas próximas para acreditar que poderá vingar no mundo da música. Sendo que mencionou, inclusive, o seu antigo professor de bateria, dizendo com determinação: “Se ele consegue, também hei de conseguir”.

João Ferreira | Fotografia da sua cortesia

Sempre com um brilho nos olhos, João mostrou o empenho, dedicação e entrega que todo e qualquer artista tem. Sendo que em todos os trabalhos este deixa uma parte de si. Para ele, um artista “é uma pessoa que trabalha com gosto, dedica-se ao que está a fazer para que seja diferente do outro”.

Sofia Carvalho | Fotografia da sua cortesia

A nossa segunda entrevistada, Sofia Carvalho, passou desde muito cedo pelo caminho das artes. Começou, em pequena, a admirar o mundo da representação e diz ter sido fascinada pelos Morangos com Açúcar, admitindo que “as temporadas da série em escolas de teatro foram mágicas”. Quem nunca sonhou ser o protagonista dos ‘Morangos’? Mas o sonho foi além disso: o teatro entrou para a sua vida nos tempos do colégio, onde começou por participar em espetáculos de Natal e final de ano. Foi percebendo do que se tratava e tomou-lhe o gosto. Foi no 9.º ano que a paixão levou a melhor. O momento da decisão do curso no secundário é sempre temido, mas para a Sofia, apesar do medo inicial, a escolha do curso profissional em Artes do Espetáculo foi “das melhores decisões” que tomou, descrevendo-o como trabalhoso e desafiante, mas, sobretudo, mágico.

Sofia Carvalho | Fotografia da sua cortesia

Mais uma vez, a falta de apoio do Estado ao setor da Cultura põe um travão à ambição. A verdade é que, apesar do amor incondicional pelo teatro, a nossa entrevistada procurou conforto num curso superior que pouco se relaciona com a sua paixão. Traçou objetivos e planos que a pudessem amparar, pois a área do teatro é difícil e traiçoeira - num dia está-se no topo do mundo e no outro não se tem chão. Mas admite: “não consigo largar totalmente os palcos e gostava de voltar àquilo que me faz mais feliz”. Os artistas são muitas vezes conhecidos pela sua aparência arrojada e fora do comum e, por isso, existe uma certa tendência para associar o ramo das artes à mudança repentina de aparência. No caso da Sofia, isso parece não ter acontecido, mas a mesma afirma que percebe o porquê da associação ser feita. Para ela o mundo das artes é mais livre e, por isso, a mudança é mais facilitada e menos julgada dentro do meio - “as pessoas não mudam, mas revelam-se; ou seja, são elas mesmas”.

Sofia Carvalho | Fotografia da sua cortesia

Além disso, Sofia afirmou sentir-se muito apoiada pela família, mas que o receio em relação ao futuro estava presente, alertaram-na para as poucas saídas profissionais, para a pouca segurança financeira na área e para a necessidade de “trabalhar muito”. Quando questionada sobre o tópico sensível do consumo de droga, a nossa entrevistada afirmou, descontraidamente, que o seu ingresso neste meio não lhe abriu portas para esses comportamentos.

A nossa última pergunta trouxe ao olhar da Sofia o brilho dos holofotes. Para ela, um artista é alguém que é “verdadeiramente apaixonado pela sua arte e que se entrega de corpo e alma ao que faz”.

Beatriz Pilré | Fotografia da sua cortesia

A última convidada, Beatriz Pilré, começou o gosto pela fotografia muito cedo, mas foi no 9.º ano que este se tornou mais vibrante. No secundário, optou pelo curso de Ciências Socioeconómicas tentando fugir ao seu verdadeiro caminho com medo do futuro e também por influência dos pais. No entanto, foi aos poucos começando a praticar a sua paixão de forma mais descontraída e desinibida. Considera que “o momento de luz foi no 12.º ano” quando se viu livre das disciplinas e formalidades desse mundo, tão diferente do seu, e pensou que artes talvez tivesse sido uma melhor escolha. Contudo, voltar atrás não era solução. A verdade é que o amor pela fotografia foi florescendo e na faculdade optou pelo curso de Fotografia na Universidade Lusófona, onde frequenta o 2.º ano.

Beatriz Pilré | Fotografia da sua cortesia

Enquanto fotógrafa considera que valoriza o seu trabalho, mas que “ainda tem muito a aprender”, e que o mesmo é uma demonstração do seu psicológico através da lente da sua analógica, chamando-lhe, entre risos, “vómitos do psicológico”.

Com a entrada na vertente artística, a Beatriz - que passaremos a tratar por Bia - sentiu-se mais à vontade para mudar o seu estilo, começando por rapar e pintar o cabelo. “Senti-me mais livre para ser eu própria, para me expressar” e até àquele momento “estava num casulo e agora a borboleta se tinha soltado”, afirmou.

Quando questionada sobre o futuro, a aprendiz de fotografia demonstrou receio, afirmando que em Portugal é complicado ter projetos individuais e investir nisso, porque as pessoas mostram pouca adesão, e que, por essa razão, terá de pensar num sustento relacionado com a área. Sendo de um meio pequeno do interior, a Bia sentiu na pele os olhares julgadores, tanto na rua como no seio familiar, e chegaram a ser feitos comentários diretamente para ela. No início, este foi um problema que a afetou, mas aprendeu a lidar com isso ao longo do tempo, sendo que os elogios ajudavam a compensar os comentários negativos.

Beatriz Pilré | Fotografia da sua cortesia

Quando questionada sobre aquilo que é um artista, a Bia encheu-nos o coração ao afirmar que todos o somos, e que tudo o que nós fazemos que nos transmite felicidade é, na verdade, arte. A experiência no mundo das artes é diferente para todos e depende de que área se trata. O fator comum é a incerteza de um futuro na área e o julgamento que vai estar sempre presente, seja em relação à profissão ou ao estilo de vida. De forma a quebrar os estereótipos de uma sociedade que consome arte compulsivamente, mas que não a valoriza, há que ver que os artistas não são diferentes, mas sim livres e autênticos - veem no mundo artístico a possibilidade de serem eles próprios sem barreiras e tabus. A arte é e sempre será salvação, quer para quem a produz quer para quem a consome. Pelas palavras de Van Gogh: “a arte é a consolação para aqueles que são quebrados pela vida”.

*Este artigo foi escrito por duas alunas de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), no âmbito da parceria com a ESCS Magazine.

Texto de Alice Lopes e Catarina Policarpo
Agradecimentos a João Ferreira, Sofia Carvalho e Beatriz Pilré

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