O country nunca foi reconhecido como um género que abrace a comunidade LGBTI, sendo normalmente associado a uma secção mais conservadora do Sul e Interior norte-americano, nacionalista e multifóbica. À exceção da rainha Dolly Parton, claro. Mas o restante meio, cujo epicentro se encontra em Nashville, no Tennessee, continuava sem se deixar representar por outras identidades que não o cowboy branco heterossexual. Ainda que as cantoras e compositoras country como Parton, Emmylou Harris ou Loretta Lynn tenham conseguido alcançar sucesso transversal ao longo das décadas, sempre se mostrou também um meio em que as mulheres das canções desses cowboys embriagados eram subjugadas a superficiais objetos de desejo e pouco mais.
O cantor Steve Grand tornou-se viral no lançamento de All American Boy, uma música country sobre uma relação amorosa entre dois homens gay. Mas nunca entregou além dessa promessa inicial e rapidamente se tornou num modelo de roupa interior no Instagram, reduzindo-se um pouco a um act assente na sua (ótima) aparência física e a concertos em resorts gay norte-americanos. Trixie Mattel, a drag queen vencedora de uma das temporadas de RuPaul’s Drag Race, foi mais além e aliou a sua personagem drag, cómica e ácida, ao country, num estilo de composição e honestidade nunca vistos no meio, normalmente permeado por música eletrónica e feita exclusivamente para ser ouvida em discotecas. Também auspicioso foi o sucesso gargantuano em 2019 de Lil Nas X, um jovem rapper negro orgulhosamente gay, com Old Town Road um crossover country com Billy Ray Cyrus (sim, o pai da Miley).
Eis que chega Orville Peck, a nova coqueluche da música country (e não só). Peck é um pseudómino e a verdadeira identidade por detrás deste cowboy gay de máscara e franjas continua a ser fruto de especulação. A ele parece interessar-lhe que as pessoas projetem nele e naquela personagem as suas próprias ambições e desejos, menos imediatos que o estilo pin-up de Grand e mais primordiais e reveladores. A imagética que ele traz aos seus vídeos é a de um western atípico, como se fosse produto de um sonho idealizado por David Lynch, recheado de personagens diversas, ambiciosamente queer, nunca sequer resvalando para perto da banalidade. A sonoridade é também ela a sua imagem de marca, com uma impressão digital fortíssima nos seus vibratos barítonos e mood denso e negro: uma mistura de Johnny Cash, Nick Cave e Bobby Gentry, cantora e compositora que Peck homenageou com um cover de Fancy no seu último EP, Show Pony, em alusão ao primeiro álbum de originais, Pony, lançado em 2019. Neste último lançamento conta também com a participação de Shania Twain em Legends Never Die, inequivocamente a mais mainstream das suas canções. Promete fazer a ponte entre a aclamação crítica que tem tido e o grande público.
O country está diferente e a incorporar vivências que não as anteriormente usadas para contar as mesmas histórias de sempre. O maior nome a surgir nas últimas décadas do country, Taylor Swift, outrora silenciosa em tudo o que fosse relacionado a política, é hoje uma ferverosa ativista pelos direitos das mulheres e pessoas LGBTI. Mattel brinca que hoje “Taylor Swift (é tão gay) que toma PrEP”. E uma das canções de Swift em folklore, Betty, já foi inclusivamente tomada pela comunidade como um hino lésbico, mesmo que não o seja na sua génese. E com Orville Peck, o country está longe de ser conduzido por uma série de homens heterossexuais que bebem cerveja no lugar de condutor de uma pick-up truck. Um cavaleiro negro vindo de um bar de drag queens, recheado de delícias carnais e espirituais, chega ao coração dos Estados Unidos e nunca nada será igual.