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Oeiras Ignição Gerador: Dia 19 de junho, das talks à performance cuja definição se procura

Na correria da moderação de conversas e apresentação da Revista Gerador de junho, no primeiro…

Texto de Redação

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Na correria da moderação de conversas e apresentação da Revista Gerador de junho, no primeiro dia não conseguimos visitar com calma a WC. Podia ser apenas mais uma casa de banho de festival, mas não era.  Cada uma das seis portas da WC correspondia a um artista diferente que, com a curadoria da revista FOmE, foi convidado a intervir. Flix Robótico, Nuno Alecrim, Tiago Hesp, Rita Ravasco, Vitor Julião, Sofia Lobato, o atelier Samuel Leite - Arquiteto, Filipa Morgado e Sérgio Braz d’Almeida pensaram o espaço além dos seus limites.

Uma a uma, davam a conhecer um pouco do universo de cada artista, que, inevitavelmente, foi transportado para dentro das três paredes. Com Flix Robótico perdemos a noção da perspetiva, graças às suas formas geométricas a colorir tudo menos a sanita; com Nuno Alecrim vimos o mundo a preto e branco, e de pernas para o ar; com Tiago Hesp entrámos no universo do graffiti e percebemos a profundidade que pode estar num tag.

Não só nos festivais as casas de banho são espaços de socialização ou, pelo contrário, de intimidade. Quem nunca entrou numa WC de escola cheia de mensagens ou números de telemóvel escritos na porta ou na parede? Rita Ravasco lembra-se, certamente, e transportou essa memória para falar de amor, igualdade, liberdade, arte e revolução. No espaço imediatamente ao seu lado, Vitó Julião criou personagens à volta de três grandes temas: o mar, a morte e o vírus, e o amor. 

Ainda a meio do caminho, deparámo-nos com a intervenção pormenorizada de Sofia Lobato. Numa espécie de imagem estática mas que parece estar em constante movimento, o traço dançante de Sofia acaba por nos convidar a movermo-nos também até ao próximo espaço, pensado pelo atelier Samuel Leite - Arquiteto. Neste antepenúltimo lugar habitado pela arte encontramos um cenário pós-apocalíptico, “com portas fechadas e cenários criados pela nossa desarrumação mental”. 

O turbilhão de sentimentos desagua na casa de banho intervencionada por Filipa Morgado, que nos faz deixar de ter certezas sobre os limites do espaço e dos objetos, através das suas ilustrações e manchas negras cohabitantes. As manchas negras assumem a sua totalidade com Sérgio Braz d’Almeida, remetendo para o trabalho de Kazimir Malevich em 1913, o quadrado negro sobre um fundo branco. Voltámos ao recinto para chegar a tempo da primeira talk do dia, mas com a certeza de que havemos de regressar à WC.

Um dia recheado de breves apresentações

Coube à atriz e encenadora Sara Barros Leitão dar o mote de partida para o leque de apresentações que compunham o segundo dia da Oeiras Ignição Gerador. Numa reflexão sobre o papel das artes performativas, a atriz começou por destacar a importância do teatro como uma expressão artística que não é “estanque” e que materializa  “uma reação às várias características e mudanças da sociedade”. Como um ser mutável que se vai adaptando às diferentes realidades, a história do teatro é também uma história de reinvenção contínua, face à ideia recorrente de que poderia morrer perante o invento de outras expressões artísticas, como a ópera ou o cinema. Porém, Sara sustenta que, no caso do teatro, a sua função depende da existência de um público que completa o seu propósito enquanto experiência. “Cada espectador vai sempre acrescentar algo àquela obra”, sendo que o teatro “só existe no momento em que é feito e em que é visto”, realça. Por outro lado, e embora a pandemia possa trazer de novo essa ideia de morte do teatro, a atriz acredita que, num regresso à normalidade, será escrito um novo capítulo na história da arte, marcada pelas formas como os artistas responderam à crise e aos desafios do futuro. Essa resposta será também dada em palco, na abertura de cortina.

Excerto da talk de Sara Barros Leitão

Seguiu-se Mundo Segundo. Chegou ao universo do hip hop através do break dance, nos anos 90, tendo rapidamente saltado para a produção e criação como MC. O nascimento dos Dealema, em 1996, foi a chave da ignição para a arte que carrega até aos dias de hoje. Desbravando caminhos, Mundo Segundo destaca, desde logo, o desafio que era convencer salas a programar rap, panorama que felizmente tem vindo a mudar radicalmente ao longo dos últimos anos. Depois de um boom do género com o MySpace e seguido de outro com a televisão, o músico acredita que se estava a assistir atualmente a uma nova fase de grande ascensão. “A pandemia vem interromper um momento forte, em que o hip hop estava presente em todos os festivais e o não poder haver concertos é um passo atrás”. No entanto, embora o momento seja prejudicial no que aos concertos diz respeito, acabou por levar o foco para outras direções. Daí se destaca a rubrica Beatologia, em que tem entrevistado produtores nacionais no Instagram, iniciativa que evoluiu entretanto para a Beatologia Rádio, onde divulga o trabalho de diversos produtores. “Percebi que teve um impacto forte e que este tipo de ação e entreajuda faz com que a comunidade se mexa”, sustenta, acrescentando que, deste mesmo movimento, surgiu já um coletivo de 22 produtores e alguns MCs, que se propuseram a produzir cinco discos, dois dos quais já disponibilizados nas plataformas digitais. “É um grupo de pessoas que, ao serem forçadas a produzir coisas em pouco tempo e com bastante consistência e pelo facto de estarmos todos juntos em comunidade, fez com que conseguíssemos estar a vibrar todos na mesma sintonia”. A resistência, neste caso, faz-se pela música e, cada vez mais, através do digital, com novas formas de chegar ao público, num capítulo que não será interrompido pela pandemia.

Na terceira apresentação da manhã, o teatro voltou a ganhar protagonismo. A atriz e encenadora Maria João Luís começou a sua reflexão por falar do projeto Teatro da Terra, criado há 12 anos. Trata-se de uma iniciativa de teatro envolvendo as comunidades locais, que depois de uma período em residência na Ponte de Sor, está agora no concelho do Seixal. Nesse levar às pessoas “daquilo que o teatro tem de comunitário e de partilha”, Maria João Luís acredita que o regresso à normalidade pós-pandemia poderá ser marcado por uma postura de menor consumo, colocando em causa certas práticas das “sociedades capitalistas”. Abordando ainda a questão dos apoios que muitas vezes faltam no setor da cultura, a atriz salienta a dificuldade de se fazer “uma política baseada num padrão de gosto, quando se trata de uma coisa tão inexplicável como é a arte”, mantendo a esperança de que se possa alcançar alguns recursos básicos, como o direito ao apoio da Segurança Social, em momentos de paragem brusca. “As pessoas não podem estar nesta profissão e viverem precariamente no ano de 2020. Já não é uma coisa que se queira e que se espera deste Governo, que tem conseguido ter um trabalho bastante digno, portanto esperamos que haja o mesmo olhar sobre a cultura”, sintetiza. 

De seguida, María Acaso. A produtora cultural espanhola coloca a arte e a educação como elementos centrais para o futuro da cultura. Esse pensamento já partia da sua experiência enquanto professora mas, atualmente, enquanto chefe da Área de Educação do Museu Reina Sofia, em Madrid, tem vindo a reforçar-se. “A arte é uma forma de fazer e não uma coisa que se faz”, explica, realçando assim a importância de se trazer mais inovação para os formatos educativos atuais. Da importância da cultura visual na formação de estereótipos e ideias, María Acaso critica aquilo a que chama “educação bulímica”, que apenas prepara os indivíduos para uma “receção acrítica de imagens capitalistas”. Neste mesmo contexto, a responsável defende a utilização do pensamento artístico como metodologia e não como manualidade, sustentado quatro pontos essenciais para essa transformação: a ideia de convergência e divergência, em que as diferentes ideias possam ter espaço para o confronto saudável; os factores de esforço e prazer que devem estar presentes nas manifestações artísticas; o trabalho dos professores equiparado ao dos artistas, em que os primeiros são capazes de propostas educativas investidas de valor artístico e cultural; e o motivar de mais projetos de base colaborativa, nomeadamente de artistas com crianças.

Depois da pausa para almoçar, na companhia de Diogo Faro, no espaço da EatTasty, voltamos para o palco Oeiras. O primeiro orador da tarde foi o músico Tó Trips. Logo nos primeiros segundos da sua intervenção deixa-nos o repto da mesma - iria falar de onde veio. Decorrendo da sua reflexão acerca do que será feito do circuito artístico nos próximos tempos, destacou a preocupação com manutenção das salas mais pequenas, como o Musicbox, a ZDB, Lux, Passos Manuel ou Maus Hábitos. Essa preocupação, conta, prende-se com a identificação nesses espaços de um sítio de génese de bandas, sítios em que ele próprio começou, questionando se deveria ser dado um apoio específico a essas salas para que “não se tornem num deserto”. “A esses sítios posso agradecer o que hoje sou, sem eles hoje seria outro gajo e seria pior, com certeza”, afirma.  

Excerto da talk com Tó Trips

Simultaneamente, o Pavilhão das Artes, abre com Ana Pinto Coelho, diretora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, e com João Gata, diretor de comunicação do mesmo. Nesta intervenção, foram partilhadas duas curtas-metragens, Panik Attack (2016), de Eileen O'Meara, e A Porta (2019), de Anik Jean, bem como sessenta M-Talks 4 All, onde os convidados partilharam sugestões culturais. No mesmo espaço, durante a tarde, Paulo Pires do Vale e Sara Brighenti, apresentaram o Plano Nacional das Artes, do qual o primeiro é comissário e a segunda, subcomissária, e os fundadores do movimento SOS ARTE PT,  António Cerveira Pinto (artista, crítico e curador), Margarida Sardinha (artista), Nuno Sacramento (curador e diretor do peacock visual arts), Regina Frank (artista), estiveram ao redor do ecrã com “A arte em estado de emergência”.

De volta ao palco Oeiras, seguiu-se o artista visual e urbano Miguel Januário, mais conhecido por Mais Menos. Fazendo-se acompanhar por uma apresentação com imagens e vídeos do seu percurso artístico, incluindo vários trabalhos que tem vindo a desenvolver ao longo dos anos, falou-nos de algumas inquietações que tem sentido nesta altura. Falou-nos de símbolos e identidade, de estátuas, de censura e resposta à mesma através de um roteiro pela sua obra. Explica que quando é feita uma intervenção, ela deixa de ser do artista e passa a ser do público e, portanto, ele também pode intervir, provocando um diálogo. No final deixa-nos uma mensagem que incita ação: “A cultura não pode viver do passado, tem de viver do futuro, por isso temos de saber reagir.”

A cantora Selma Uamusse foi quem se seguiu neste painel de oradores, projetando uma apresentação sobre o que sente que pode ser o futuro para a cultura. Afirma que “a cultura não pode nem deve parar e será um princípio, meio e fim”. Partindo da exposição da sua sua situação, acentua algumas das fragilidades que têm vindo a ser sentidas pelos profissionais da cultura: a condição de trabalhador independente; a falta de proteção social; o facto de ser sócia-gerente não remunerada; a exposição à pressão negativa; ou o fazer parte de um setor já fragilizado. No entanto, face a este período, procurou formas de se reinventar. Participou em alguns festivais em direto através das redes sociais, em conversas e escreveu crónicas para o Gerador. Mas acrescenta que, ainda assim, não deixou de sentir também frustração por não ter meios para produzir conteúdos doutra forma, inclusive por não ter o conhecimento técnico para tal, por exemplo. Quanto ao futuro, vê um possível caminho num maior investimento na comunicação digital; no distanciamento social em eventos presenciais; na aposta na reinvenção dos espaços físicos, inclusive dos que já existem; nas mudanças na legislação, inclusive com a criação de estatuto de trabalhador independente, encomendas do estado nas várias áreas artísticas, o funcionamento em rede das estruturas existentes de forma circular e criar planos nacionais para as diferentes áreas da cultura; ou a aposta em mercados online, em que o público comprar arte, seja livros, música, ou outros.

Excerto da talk com Selma Uamusse

Poucos minutos depois, surgiu no ecrã do palco Oeiras o ator André Gago, que acredita que a pandemia traz uma oportunidade de mudança, porque trouxe ao de cima uma série de fragilidades. “Precisamos de mudanças profundas e que não sejam apenas cosméticas”, defende. Delineia, depois, um percurso histórico e destaca alguns problemas que identifica como são exemplos a “eternização de pessoas nos cargos”, o que faz com que não haja uma rotatividade de pensamento, ou a ausência, nos gabinetes ministeriais, de “alguém que ultrapasse a visão de estado e que diga que o tecido cultural é mais vasto do que o que é apoiado pela DGArtes”, havendo a necessidade de se alargar o conhecimento acerca daquilo que é o tecido cultural português.

Com Nina Simon, a CEO da OF / BY / FOR ALL, organização global sem fins lucrativos que se dedica à criação e partilha de ferramentas digitais com organizações cívicas e culturais, de forma a que se  a tornem mais inclusivas, relevantes e sustentáveis, pudemos refletir sobre a potencialidade deste tempo no que toca à revisão de perspetivas. Antes de começar, teve o cuidado de “relembrar as pessoas que não têm possibilidade de estar aqui connosco, hoje, que estão a sofrer, que estão em processo de luto, que estão a lutar nas ruas por justiça. Acredito que é um privilégio estar aqui a imaginar para onde poderei ir.” A sua exposição tratou de orientar a imaginação das organizações, questionando-as e propondo-lhes  possibilidades de resposta à crise, que diz ser dupla, a do vírus e a do racismo sistémico. Nina defende que a verdadeira mudança no trabalho das entidades culturais só se concretizará quando as preocupações destas passarem pelo compromisso com as comunidades. 

Recorreu a exemplos de processos de revisão de entidades culturais, aquando deste contexto, sobre o seu modo de funcionamento, detectando o que não resultava antes da pandemia e discernindo o que desejam mudar. O facto destas serem lideradas por pessoas negras não é acaso. Uma vez que a comunidade negra esteve durante “muito tempo a liderar o ativismo para que as organizações pudessem mudar, ficar mais inclusivas”, Nina convida estas últimas a escutá-las, uma vez que estão melhor preparadas. Acreditando que a cultura não é uma bolha, considera que se vive uma “grande oportunidade para prestar um bom serviço às comunidades”, pois são reciprocamente essenciais. Para que a essência comunitária seja vivida, há que focar “não apenas nas coisas de que as pessoas gostam, mas também nas suas capacidades e na criatividade que têm para partilhar”, de modo a que se sintam apoiadas e empoderadas. Isto passa por se tornarem também centros de apoio, onde, por exemplo, se pode distribuir alimentação ou medicamentos, bem como apenas “dizer ‘és bem vindo/a’, ‘podes usar a casa de banho’, ‘aqui estarás seguro enquanto estiveres a lutar nas ruas’. 

A partir do seu percurso profissional, particularizando a experiência de confecção do seu primeiro nigiri (arroz prensado com uma fatia de peixe cru por cima), Chef Kiko é o próximo a ocupar o palco e conta a criatividade como uma viagem. No seu caso, esta concretizou-se, também, literalmente. Na companhia da sua esposa, sentou-se à mesa de famílias de 26 países, que percorreu durante 14 meses, dos quais partilhou vídeos e fotografias. “O que queríamos era ganhar mundo.” A abertura alimenta a capacidade de surpreender, porque permite o novo. A criatividade, para Kiko, implica ainda resiliência. Depois de meses para descobrir como se confecionava o nigiri que imaginou e da alegria de o ter conseguido, este não foi bem recebido e teve de o retirar do menu. “Temos de estar dispostos a falhar, a levar com a crítica.” 

Por fim, o artista plástico Vasco Araújo partilhou a importância de, no início do seu percurso, ter trabalhado com uma galeria que o suportava, o que “permitiu que pudesse produzir obras novas constantemente”, obrigando-o “a um ritmo de trabalho constante”, assim como ter sido selecionado para uma exposição em Espanha, aquando da vinda de uma curadora espanhola a Portugal, que vira o seu portefólio, e participado em residências artísticas, que 

permitem ao artista ficar focado exclusivamente no seu trabalho, sem preocupações financeiras. Analisando o atual contexto português, já não encontra estas possibilidades. Desde a extinção do IAC (Instituto de Arte Contemporânea), que deu origem à DGArtes, que o esforço de internacionalização se perdeu. A vinda de curadores a Portugal abre caminho para o país, e não apenas para o artista em si. Também, quando este último expõe em contexto internacional, representa-o. “As galerias privadas têm a obrigação de fazer uma ponte com os contactos internacionais. Uma galeria de arte privada tem um intuito comercial, mas ninguém o consegue desenvolver se o artista não tiver um currículo ‘x’. Para fazer esse trabalho tem de fazer um trabalho de internacionalização da própria galeria, conhecer diretores de museus internacionais, contactar com os curadores, tentar estar em circuitos internacionais”.

Um final de dia repleto de desafios 

Ilustrando bem os tempos que vivemos, o DJ Set La Flama Blanca não se realizou, pois, como o mesmo explicou em formato vídeo, por medidas de segurança sanitária, tendo a sua filha estado em contacto com uma pessoa que acusou resultado positivo no teste da covid-19, também ele teve de ficar em casa até receber instruções por parte do Sistema Nacional de Saúde. 

Quando o relógio no canto do computador marcou as 20h30, deu-se início ao espetáculo “Espero-te bem”, uma obra performática criada em exclusivo para o festival e pensada de raiz para uma plataforma digital, interpretada por Carla Chambel, Heitor Lourenço, Mariana Pacheco e Pedro Laginha, escrita por Tiago R. Santos e com direção artística de Carla Chambel. 

Sem pancadinhas de Moliére, até porque do outro lado do ecrã não se vê o público, que se pode apenas imaginar em silêncio ou a interagir com alguém com quem se esteja a dividir o sofá para assistir a esta performance, vemos surgir no ecrã do palco Gerador quatro janelas com cenários diversos: uma cozinha, uma casa de banho, um quarto e uma sala preenchida por uma tela. No canto inferior esquerdo de cada janela ficamos logo a conhecer as quatro personagens da história: Manuel, interpretado por Heitor, Eduardo, interpretado por Pedro, Susana, interpretada por Mariana e Joana, interpretada por Carla. 

Eis que vemos a mão de Manuel, no retângulo superior direito, a lavar a casa de banho, começando pela banheira, para depois passar à sanita. Depois, vemos Eduardo surgir na cozinha, limpando-a, de forma a dar início à confeção de um cozinhado. 

“O mundo dos outros quebrou-se, ou salvou-se”, ouvimos dizer Manuel sobre esta “realidade apocalíptica” que a pandemia nos trouxe. Confessa que não era nada disto que queria escrever num email, enquanto a sua janela passa a ocupar o palco Gerador por inteiro. Posteriormente a tela é ocupada pela janela de Eduardo, ainda que continuando a ouvir Manuel. O que faz uma comunicação eficaz, hoje em dia, numa altura em que não temos tempo a perder é uma das deambulações filosóficas percorridas por Manuel. Tal como a reflexão sobre a profissão de artista: antes, Manuel escrevia, no tempo em que ainda o liam, mas agora limpa uma casa de banho, o que pelo menos estará em conformidade com o que sente, partilha. 

De seguida, conhecemos Susana, que aparece no quadrado inferior direito com um gato a circundá-la enquanto medita sentada na cama. Simultaneamente, Manuel continua a escrever a Eduardo partilhando que foi abordado para dar uma entrevista e que pediram também o seu contacto. É nessa altura que conhecemos a quarta personagem, Joana, ainda sem lhe conseguir ver o rosto, que aparece a estudar chinês com a ajuda de um tradutor na Internet, preocupada com a enunciação, mas também com as definições das palavras que escolhe e que encontram ligação com os emails narrados pelas outras personagens. 

Findo o email de Manuel, Eduardo começa a escrever ao primeiro, ensaiando qual o arranque ideal para o início da sua resposta, perspetivando possíveis reações às suas desculpas e ensaiando formas de lhes dar resposta. Aborda todos os lugares comuns das correspondências eletrónicas, cada vez mais formatadas, mesmo na simpatia e preocupação, não deixando de parte um “espero-te bem”. 

Quem é quem, a relação entre as personagens e o mistério por detrás do motivo que os levou a iniciar a correspondência eletrónica são informações que vão sendo desvendadas ao leitor de forma faseada. Susana Reis é a jornalista freelancer que expressou a vontade de fazer uma entrevista a Manuel e Eduardo. Mais tarde, percebemos que Joana era a mulher de Eduardo e irmã de Manuel e, entre eles, havia um segredo guardado, relacionado com o próprio desaparecimento de Joana. Não querendo revelar mais da história para não lhe tirar o gosto da descoberta e o coração palpitante de um público que, colado ao ecrã, anseia por ver respondidas as suas perguntas, fica a imagem de um espetáculo pensado de raiz para este formato, reflexão que resulta em imagens como Manuel e Eduardo a responderem às perguntas da jornalista, sentados, costas com costas em janelas que se encontram lado a lado ou o momento em que as caras de Joana e Susana formam uma só, com metade do rosto de cada uma. 

Esta é uma performance que nos leva a viajar por um contexto pandémico que atravessamos, por características vigentes na sociedade e vícios indesejáveis espelhados num género que ainda não se sabe definir. Depois de cerca de 55 minutos de performance os atores voltam, cada um à sua janela, promovendo um aplauso do outro lado dos ecrãs por onde foram vistos. Carla Chambel agradece a presença do público, dos atores que embarcaram com ela nesta aventura, assim como das pessoas que estiveram a cargo da produção, deixando ainda um agradecimento ao Gerador pela oportunidade de trabalharem um objeto artístico cujo formato, não sendo teatro, mas também não sendo cinema, ainda estão à procura. 

Os aplausos do outro lado do ecrã

E foi com mais um dia repleto de reflexão, partilhas, propostas, superação de obstáculos e capacidade de reinvenção artística que nos recolhemos, já fora do ecrã, expectantes com o que nos esperaria no último dia do festival. 

Amanhã, terminaremos esta trilogia de reportagens sobre a primeira edição da Oeiras Ignição Gerador. Fica atento para descobrires o que aconteceu no dia20 de junho, no festival. Podes rever o que aconteceu no dia 18, aqui.

Texto de Andreia Monteiro, Carolina Franco, Raquel Botelho Rodrigues e Ricardo Ramos Gonçalves 
Fotografias de Álvaro Ponte

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