A poesia enquanto expressão artística. A poesia enquanto meio de experimentação, veículo de abstração ou suporte linguístico. A poesia e o mundo que falta explorar. Quando se fala de poesia, as possibilidades são imensas e difíceis de resumir a uma única frase.
Foi esta abrangência e multiplicidade de conceitos que a Câmara Municipal de Oeiras quis incluir num dos seus eixos estratégicos da Candidatura a Capital Europeia da Cultura 2027. A proposta é precisamente a de usar a cultura como novo veículo de desenvolvimento do concelho, sendo a poesia um dos trunfos na manga para o conseguir.
A ideia materializa-se na intenção de explorar a poesia em diferentes dimensões e contextos que possam dinamizar a Língua Portuguesa. Para isso, recorreu-se ao imaginário de autores, produtores, artistas e profissionais da cultura, que, tendo Oeiras como pano de fundo, mostram que a poesia é muito mais do que a palavra escrita.
“A poesia funciona como uma janela para as pessoas acederem a outros universos. É um paraíso artificial, mas também é um paraíso muito concreto, porque a poesia não é só o alheamento e fuga. É fuga, mas também é chão. É posicionamento, estar aqui e agora”. Na descrição de Paulo Campos dos Reis percebe-se a visão que esteve na origem do projeto Culto.
Esta série online, que está disponível nas plataformas do Oeiras27, foi desenvolvida pela Musgo — Produção Cultural, entidade que o responsável dirige. A série “cruza a poesia com a música e com a dança ao longo de nove episódios que são filmados no Parque dos Poetas/Templo da Poesia, em Oeiras”.
O “cardápio” inclui cerca de 30 poemas que são atribuídos a 19 intérpretes. A seleção de textos “assenta na ideia de escolher os poetas canónicos do Parque”, mas também inclui obras de novos autores. Esta viagem quase cinematográfica pela poesia, tem sido, segundo Paulo Campos dos Reis, “muito bem recebida” pelo público, que há muito aguardava o regresso da cultura. “Recebemos muito retorno das pessoas que viram os episódios e que nos disseram que estávamos a fazer um grande serviço, porque as pessoas estavam com muita vontade de ver coisas, de fugir da circunstância de fechamento em que estavam”, diz o diretor artístico.
Esta circunstância, de clausura e limitação, foi precisamente o que Tito Couto quis ultrapassar, ao levar a cabo a organização da próxima Bienal de Poesia. O evento, que se insere na programação da candidatura de Oeiras a Capital Europeia da Cultura 2027, terá por isso um âmbito disruptivo que permitirá explorar novas possibilidades.
“Admite-se levar o evento literário para um outro registo, ou seja, mais do que uma mostra de escritores e conversas sobre temas literários, [a ideia] é criar um espaço onde se dê mais atenção à experimentação, a registos que fogem aos formatos mais canónicos”, diz o responsável em entrevista ao Gerador.
O consultor editorial, revela que um dos temas principais da Bienal será “a relação da poesia com as novas tecnologias” e que esta envolverá a participação de vários autores que se expressem em Língua Portuguesa, quer sejam ou não portugueses.
Haverá, por isso, “exposições, programas informáticos que trabalham a questão da poesia — que funcionavam quase como instalações interativas para as pessoas experimentarem — a utilização de um elemento de inteligência artificial a trabalhar texto poético em português nas redes sociais”, entre outros. “Esse tipo de experimentação é algo que nos interessa muito”, diz Tito Couto.
O que se pretende, diz o responsável, é criar um evento com um posicionamento diferente do que é habitual no meio literário, e que permita “refletir sobre a poesia de uma forma muito mais alargada, muito mais experimental”. “Vamos tentar levar isto até para um debate quase filosófico porque o tema da poesia será ‘Poder e Democracia’ ”, explica Tito Couto.
Além disso, “sendo Oeiras um concelho que tem um parque empresarial, onde estão presentes grandes empresas da área das novas tecnologias da criatividade, tecnologias de informação, a poesia pode ser aqui também um contributo para criar essa ligação e aproveitar as sinergias que a poesia gera para a área tecnológica”. A ideia é, por esta razão, “pensar que a criatividade pode servir a poesia mas também podem ser utilizados esses mecanismos para áreas tão frias como as novas tecnologias”, explica o responsável.
É também com recurso à tecnologia que será criada a rádio Poesia.FM que “tal como o nome indica, é uma rádio online dedicada à poesia, neste caso de língua portuguesa”, diz Oriana Alves que, em parceria com André Cunha, está a desenvolver este projeto. “Falamos aqui de uma rádio marcada por um grande cuidado com a palavra e com o som que procura não apenas acolher e projetar no mundo as poesias de Língua Portuguesa, mas fazer dela própria e em cada programa um bocadinho de poesia”. Este trabalho será desenvolvido com recurso a uma “grelha muito diversificada de programas” que possibilitem chegar ao maior número de pessoas possível.
“Entre 1 de julho e 31 de dezembro pensamos lançar, pelo menos, 12 rubricas ou programas diferentes, sendo que quatro serão de curta duração, seis de média e dois ou três de longa [duração]”. A lista inclui o poemário, o documentário sonoro, “rubricas dedicadas mais aos géneros performativos, como a spoken word e por aí fora”.
A ideia, de acordo com Oriana Alves, é ter colaboradores de várias partes do mundo, e “invadir” diferentes espaços e meios. “Não queremos só dirigir-nos às pessoas que navegam facilmente pela internet, tentaremos — esse é o nosso plano — entrar, invadir algumas ondas hertzianas de umas rádios parceiras, locais nacionais e estrangeiras. Queremos criar uma rede de parcerias com rádios no mundo todo, sobretudo o mundo de Língua Portuguesa. Estas parcerias vão estender-se depois a livrarias ou editores a tradutores, a instituições que promovem a língua e a literatura”.
Esta vontade de unir a paixão pela rádio à cultura é uma intenção antiga de Oriana Alves e André Cunha, que agora encontraram na candidatura de Oeiras o impulso que faltava para a concretizar. “Este projeto encontrou na poesia toda a ligação de tanta coisa que nós tínhamos a pairar e transformou se numa espécie de desígnio”, afirma.
É neste sentido que a editora do Boca descreve este momento como uma “oportunidade incrível” para concretizar a sua visão. “A nossa ambição é criar uma espécie de uma comunidade “espiritual” – pois não estamos todos ali, em presença, mas estamos juntos – e [que seja] de Oeiras para o mundo e do mundo para Oeiras”.