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Operações de rescaldo: periferias, jovens e coordenação de políticas

Agora que se espera que os incêndios abrandem, produzem-se balanços. A esperança habitual é que…

Opinião de Francisco Simões e Ana Sofia Ribeiro

Fotografias da cortesia dos autores

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Agora que se espera que os incêndios abrandem, produzem-se balanços. A esperança habitual é que um novo pacote de medidas de apoio à recuperação seja lançado, acompanhado de um envelope financeiro. Desde os grandes incêndios de 2017, percebe-se, contudo, que as proclamações muitas vezes não correspondem a efetivas mudanças nas políticas públicas. Vejam-se, por exemplo, as recentes notícias sobre o abandono do pinhal de Leiria. Tudo isto sucede num quadro em que a União Europeia manifesta a sua preocupação com os riscos e impactos crescentes dos fogos florestais.

O rescaldo é um momento crítico, um misto de emoção vivida sobre as cinzas e o acontecimento e uma vontade de fazer prevalecer a razão, no apuramento de factos e na sugestão de caminhos. Todavia, o rescaldo será sempre um exercício limitado, apenas um sumário de área ardida, meios empenhados, méritos e deméritos na coordenação das operações. Feitos os relatórios, na maior parte das vezes ficam por perspetivar ações estruturais, seja de proteção das comunidades, seja ainda de análise prospetiva, antecipando outros cenários de risco, como a seca que atravessamos, ou soluções a longo prazo. Veja-se que apesar da criação 2017 do programa Aldeia Segura, menos de metade das aldeias têm planos de evacuação implementados. Neste cenário, uma das melhores formas de prevenir incêndios passa por fixar populações nos territórios despovoados, especialmente os mais jovens. E isso está muito para além de avaliações de curto prazo.

Não ignoramos a complexidade de se desenharem medidas prospetivas para territórios aos quais tem sido negado o direito ao futuro. Para um jovem, escolher entre ficar e partir da periferia para os centros urbanos não é, meramente, um voto pessoal. As condições estruturais oferecidas por cada região pesam nessa decisão, sabendo-se que a partida é uma opção dominante e, quase sempre, irreversível. Por outro lado, desenhar um futuro pessoal e familiar em meios rurais e periféricos não é uma impossibilidade, muito menos uma fatalidade. Em países como Alemanha, Dinamarca, França ou Itália, a população residente em meios rurais, com idade inferior aos 29 anos, tem vindo a crescer exponencialmente, na última década. Os impactos diferidos da crise económica de 2008 ou a imigração justificam, em parte, esses crescimentos. No entanto, outros fatores como o surgimento de uma nova economia ancorada na dupla transição (verde e digital), percorrendo realidades que vão do ecoturismo às novas possibilidades oferecidas pelo trabalho remoto, ou a valorização de um estilo de vida menos marcado pelo ritmo frenético da cidade compõem, também, o quadro que explica esta mudança demográfica importante e em curso.

 No nosso país, estaremos muito longe desse caminho, embora se observe, por exemplo, um fluxo de estrangeiros que procuram o espaço rural português. Se nos anos do pico da crise económica, assistimos a um ligeiro incremento da população jovem nos meios rurais, essa tendência logo se esbateu. Apesar do vínculo afetivo ao lugar ser um poderoso preditor da permanência ou do regresso a meios rurais e periféricos entre as gerações mais jovens, essa decisão ainda é determinada, em grande medida, pela existência de oportunidades educativas ou de emprego.

A coincidência temporal entre a necessidade já antiga, mas que é cada vez mais evidente, de esbater a litoralização do país, com a existência simultânea de instrumentos de política pública tais como o PRR, a agenda para o trabalho digno ou a descentralização administrativa, pode constituir uma oportunidade sem precedentes para reconstruir o tecido social e demográfico das periferias. A concretização de, pelo menos, uma parte dessa oportunidade depende, todavia, de uma coordenação desses mecanismos em desenvolvimento ou já em plena implementação. Mais do que um guia completo, impossível de concretizar neste espaço, partilhamos algumas pistas nesse sentido.

Desde logo, o PRR prevê uma série de reformas e de investimentos ligados às chamadas políticas ativas de emprego para a juventude, através do seu Pilar 6. Embora o plano português evidencie algum ensejo de territorializar estas medidas, é importante que no detalhe, leia-se regulamentação e programação, essa territorialização seja uma realidade. Um bom exemplo prende-se com o ensino profissional que, muitas das vezes, continua a não promover uma compatibilização dos cursos oferecidos com as reais oportunidades económicas de cada região. Considerar essa territorialização ponderando, também, as competências efetivas adotadas por cada município, no âmbito da descentralização, antevendo o reforço do papel das autarquias na identificação, desenho e implementação de pacotes formativos a vários níveis (inicial, requalificação, entre outros), em conjunto com outros atores, será outro caminho a trilhar, sem prejuízo da autonomia das escolas na definição do seu projeto educativo. Tudo isto não dispensa o reforço da capilaridade do ensino superior no interior e nas ilhas, já previsto em medidas como o aumento do número de vagas e de bolsas de estudo em algumas regiões ou as cooperações estratégicas entre universidades dos grandes centros urbanos e instituições noutras zonas do país. O investimento na descentralização das oportunidades educativas carece, depois, de uma política musculada de incentivo à transição para o mercado de trabalho. Nesse aspeto, a agenda para o trabalho digno necessita ir mais além, reconhecendo as disparidades territoriais, integrando-as nos seus desígnios e propondo medidas de apoio ao emprego jovem nas periferias. Uma combinação entre o reforço e modernização contínua da presença institucional, no apoio à transição para o mercado de trabalho, através do IEFP, com programas de renovação da função pública nestes territórios, ou incentivos ao autoemprego, devidamente cruzadas com a formação profissional e o ensino superior, são medidas que merecem estar em cima da mesa. Ignorar que estes instrumentos, devidamente concertados, constituem uma fonte de transformação para os territórios periféricos e para os mais jovens que neles vivem é manter a lógica do rescaldo. E assim permaneceremos, de catástrofe em catástrofe, ano após ano, sem nunca operar a viragem que se impõe.

*Este artigo foi desenvolvido no âmbito do projeto TRACK-IN – Public employment services effectiveness in supporting rural NEETs. Este projeto científico é financiado pela Islândia, Liechtenstein e Noruega, através das EEA and Norway Grants – Fund for Youth Employment. O projeto Track-IN envolve 11 instituições de 7 países e visa o desenvolvimento de um modelo de avaliação da eficácia dos serviços de emprego na promoção da empregabilidade dos jovens Nem em Emprego, nem em Educação ou Formação (NEEF) em meios rurais. Mais informações, aqui.

Texto de Francisco Simões (Centro de Investigação e Intervenção Social – Iscte) e Ana Sofia Ribeiro (Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa)

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