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Portugal 2030 sem fundos diretos para cultura? “Os profissionais do respetivo setor devem responder”

Termina na próxima terça-feira, 30 de novembro, a consulta pública do Acordo de Parceria -…

Texto de Flavia Brito

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Termina na próxima terça-feira, 30 de novembro, a consulta pública do Acordo de Parceria - Portugal 2030, um instrumento de financiamento do país – de 23 mil milhões de euros – para os próximos sete anos e que deixa de fora fundos diretos para a cultura e as artes. No sentido de inverter esta situação, Francisco Cipriano, especialista na área de fundos europeus, lançou um manifesto cívico que apela à participação de todos agentes culturais na consulta pública – uma chamada a que se juntam agora outras vozes do setor.

O Acordo de Parceria - Portugal 2030 tem como objetivo definir a forma como o país vai utilizar os Fundos Europeus, entre 2021 e 2027, e será a base do acordo estabelecido entre o Governo português e a Comissão Europeia. São cerca 23 mil milhões de euros, distribuídos por cinco fundos a que acrescem outros instrumentos, entre os quais o Plano de Recuperação e Resiliência.

“Da leitura que fizemos, constata-se que não existem linhas específicas para a cultura e as artes e uma efetiva valorização dos agentes culturais e recreativos. E isso é um erro imenso”, diz Carlos Moura-Carvalho, jurista e gestor cultural.

Todos os quadros comunitários de apoio anteriores ao Portugal 2020 – o QREN, o Quadro de Referência Estratégico Nacional – contaram com medidas exclusivas direcionadas para o setor cultural e criativo. O Portugal 2020 foi o primeiro instrumento de programação europeu que não teve, e agora o documento do próximo Acordo de Parceria – neste momento em consulta pública – apresenta a mesma lacuna. “Se isso, na nossa opinião, foi um erro, não faz qualquer sentido repetir o erro, ainda mais após, ou melhor, quando ainda atravessamos uma crise pandémica sem igual, altura em que importaria ainda mais reforçar os mecanismos de apoio ao setor da cultura, tendo em conta os efeitos económicos e sociais devastadores para o tecido cultural e artístico tem estado a sofrer”, afirma.

"Uma pessoa não consegue deixar de se admirar com aquilo que é a capacidade que os políticos têm de minimizar as artes e a cultura, em Portugal”, refere Mário Carneiro, diretor geral da Fundação GDA. “Se já tivemos que enfrentar o último quadro comunitário de apoio, o Acordo de Parceria 2020, em que a cultura e as artes estavam iminentemente ausentes, ou seja, em que pela primeira vez não havia uma área específica dedicada à cultura, o mais extraordinário ainda é repetir o erro”, condena. Para o responsável, de nada adiantam discursos políticos em que se valoriza a cultura e as medidas, como o Garantir Cultura, se, “quando chega o principal instrumento que pode permitir um acesso a meios realmente diferenciadores, a cultura não está lá e continua a ser subsidiária e instrumento de outras áreas.”

De acordo com Mário Carneiro, a ausência de programas de financiamento dedicados à cultura nesta nova proposta de Acordo de Parceria, “não haver, sequer, capacidade de integrar aquilo que são os programas geridos diretamente pela Europa e não haver nenhum tipo de articulação entre isso e aquilo que é o investimento que o Estado faz no domínio da cultura”, “é sinal da falta de cultura dos nossos políticos”. É a sua impressão, ao fim de tantos anos de atividade neste setor.

A ideia com que fica é a de que “estamos a regredir”, visto que já existiram planos operacionais para a cultura, nos primeiros anos dos fundos europeus, e programas dedicados aos aspetos culturais a garantir que a cultura ocupava um espaço prioritário na sociedade. “Aparentemente, isso esgotou-se naquilo que era a construção e recuperação de infraestruturas. Isso esgota-se naquilo que é o património cultural – tão importante e fundamental. Mas tudo o que são as artes vivas, as artes performativas, tudo aquilo que neste momento constitui a subsistência de dezenas, milhares de pessoas – para não dizer, se calhar, mais do que isso –, tudo aquilo que constitui um espaço económico de crescente importância no país é, por e simplesmente, ignorado. Isso é manifestamente estranho e merece o nosso repúdio”, termina.

Tal como Francisco Cipriano, Mário Carneiro e Carlos Moura-Carvalho, para que as artes e a cultura não fiquem de fora do Portugal 2030, também Inês Câmara, fundadora do Mapa de Ideias, apela à participação do público em geral, mas sobretudo dos agentes culturais, na consulta pública, que termina no próximo dia 30 de novembro.

“A consulta pública é parte integral do funcionamento de um estado democrático. Existindo um momento para participação e recolha de ideias e experiências, os profissionais do respetivo setor devem responder”, reitera. Para a agente cultural, este “é um investimento – cívico, político e social.” “E é também assumir que os políticos precisam da nossa colaboração como especialistas para a elaboração de programas e políticas públicas”, diz.

O investimento neste setor, defende Inês Câmara, deve ser focado nas práticas artísticas e na formação de públicos, através de programas de capacitação dos artistas e dos profissionais da cultura, mediação cultural para a cultura e o património. “Um eixo muito importante deveria estar relacionado com temas como as alterações climáticas, a democracia e o combate à pobreza, assim como a promoção cada vez maior de projetos que ligam a cultura a contextos de educação formal e formação profissional”, argumenta.

Já para Carlos Moura-Carvalho, uma vez que o setor cultural e criativo representa mais de 3% do PIB nacional, “importa contribuir para o relançamento das respetivas atividades, criando mecanismos específicos de apoio aos trabalhadores, às empresas e às estruturas artísticas e culturais, reconhecendo, autonomamente, o setor cultural e criativo e as suas especificidades” e destinando-lhe mecanismos diretos de apoio e desenvolvimento.

“No Portugal 2030, nos objetivos estratégicos OP4 Portugal + Social e OP5 Portugal + Próximo, o apoio às artes e à cultura são instrumentais de outras políticas. Esse não é o caminho. O caminho certo é reconhecer e valorizar a especificidade e importância do setor”, lamenta. “Acresce que o mesmo OP5 Portugal + Próximo aponta no sentido da contratação ser focado em intervenções transversais da esfera municipal, para a densificação de intervenções e capacitação de redes e atores de animação social e cultural – caminho que provou ser negativo no Portugal 2020. É preciso que se preveja um conjunto mais alargado de entidades beneficiárias, nomeadamente, os próprios agentes culturais, permitindo a execução do financiamento às artes e à cultura diretamente pelo setor”, considera.

Além disso, o gestor cultural defende ainda a necessidade de reforço da dotação orçamental da Direção-Geral das Artes, enquanto instrumento privilegiado de suporte e desenvolvimento do setor cultural e artístico, sendo também fundamental “que os Programas Operacionais (Regionais) do Portugal 2030 promovam investimento no setor, em medidas de criação, edição e programação”, acrescenta.

Carlos Moura-Carvalho faz ainda uma última nota: “é preciso alinhar devidamente e de forma consistente estratégias, não só com a Nova Agenda Europeia para a Cultura, mas também com todos os programas em gestão direta da EU, em particular com o Programa Europa Criativa e, não menos importante, com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).” 

A este propósito, e atendendo à natureza não estrutural do PRR, o jurista refere que o Portugal 2030 deve atuar de forma complementar, com o próximo ciclo de programação dos Fundos Europeus e contribuir para as mudanças estruturais necessárias. Segundo ele, a “ambiciosa” Componente C4 do PRR – “valorizar as artes, o património e a cultura enquanto elementos de afirmação da identidade, da coesão social e territorial e do aumento da competitividade económica das regiões e do país através do desenvolvimento de atividades de âmbito cultural e social de elevado valor económico” – centra a sua atuação em investimentos pré-definidos e apenas em duas áreas: a promoção da transição digital das redes culturais, através da sua modernização tecnológica e da digitalização de artes, literatura e património; e a valorização, salvaguarda e dinamização do património cultural, no sentido amplo de património cultural material, imaterial e natural.

“Ora, grande parte dos investimentos pré-definidos no PRR serão realizados no âmbito da Administração Pública/Estado, colocando em evidência a obrigatoriedade de articulação entre o PRR e os Programas Operacionais do Portugal 2030, pois há muitos aspetos centrais no apoio ao setor cultural e criativo que se encontram a descoberto, não estando refletidos nem no PRR nem na proposta do novo Portugal 2030”, alerta. “É assim essencial uma articulação estreita com o PRR na área cultural e artística, identificando áreas de intervenção prioritária.”

“São razões mais do que suficientes para que todos os agentes se manifestem e participem na consulta pública”, termina.

O envio de comentários ao Acordo de Parceria - Portugal 203 faz-se apenas através do ConsultaLex, e mediante o preenchimento do respetivo questionário que pode ser encontrado online.

Texto de Flávia Brito
Fotografia de Paolo Chiabrando, via Unsplash

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