*Esta é uma crónica da Marta Crawford, inicialmente publicada na Revista Gerador 37.
Hoje, enquanto me debelava com um belo arroz de marisco repleto de crustáceos e temperado com malaguetas provenientes do Egito, veio-me à memória uma conversa exótica que tive numa casa de especiarias na cidade de Assuão, no sul daquele país. Mustafa, um egípcio do Cairo, que me levou a um lugar recôndito cheio de odores infindáveis e de cores absolutamente inacreditáveis, falou-me ao ouvido de uma tradição egípcia associada à noite de núpcias dos nubentes. Num local repleto de tantas cores, podem-nos contar mil histórias ao ouvido, porque inebriados pelas fragrâncias, acabamos por acreditar nelas. Segundo Mustafa, antes dos nubentes se entregarem à volúpia da sua «primeira» noite de núpcias, o noivo é amarrado com as mãos atrás das costas, e é-lhe colocada uma malagueta vermelha esmagada, na língua. Ao engolir o preparado, o noivo transforma-se num toiro enraivecido e, é nesse estado, que é entregue à sua virginal noiva. A minha indignação não o impediu de continuar a sua partilha. Às noivas – embora fosse uma prática menos recorrente – era colocado o mesmo preparado nos seus delicados genitais. E talvez por equiparação metafórica, se tornassem numas cabritas endiabradas, quiçá, o delírio de qualquer noivo recém-casado.
Entre risos e sussurros, para que mais ninguém pudesse ouvir, Mustafa parecia querer-me contar aquele segredo e confiar-me algo íntimo e reservado, como sinal do seu apresso.
Explicar-lhe pedagogicamente os efeitos nefastos dessa prática, não é difícil para mim. Basta fazer entender ao outro que ardor genital, cavalgada sexual desenfreada e prazer sexual geralmente não são compatíveis. Se, mesmo assim, considerar que a experiência até pode ser aceitável, basta fazer um pequeno exercício imagético e supor que o mesmo preparado é aplicado nos seus próprios genitais e aí a presunção muda de figura.
Não consegui confirmar a veracidade deste relato. Procurei informação em livros sobre o erotismo e sexualidade no antigo Egito, como o do estimado Professor Luís Manuel de Araújo ou de autores com referências sobre os «elixires e afrodisíacos» dos faraós, como Koleva-Ivanov. Reconheço a falta de tempo para uma investigação mais zelosa, mas confesso que já em terras lusas, dei por mim a rir-me de mim própria, ao concluir que teria sido alvo de uma chacota egípcia. Ou então não reparei que nos enormes frascos de especiarias existiam escritos egípcios que não consegui ler, que provavelmente diriam algo como «Viagra Egípcio – Liberte o touro que há em si. Sinta-se forte e potente», texto geralmente associado a produtos vendidos na Internet que anunciam poderes sexuais infalíveis para todos, regra geral ineficientes.
Voltando ao imaginário daquele local perfumado, onde se podem observar dezenas de frascos e cestos coloridos, é possível escolher a mais preciosa de todos as especiarias. Para quem não sabe, o açafrão é a especiaria mais cara de todas, chegando a custar cerca de 15 euros por apenas uma grama. Um quilo desta especiaria significa colher 250 mil flores Crocus sativus, uma flor de cor violeta de origem asiática. A colheita das flores é feita manualmente, tal como a separação dos seus pistilos preciosos, que se colhem nos meses de outubro e novembro. Cada flor possui três pistilos que são delicadamente retirados e separados e são eles a fina «flor» do açafrão, num trabalho de joalheira que o torna o mais caro de todos. Segundo dados recentes, o Irão continua a ser o principal produtor para o mundo inteiro.
Este condimento possui elevados níveis de antioxidantes e traz benefícios para a saúde e, sobre este aspeto, podem encontrar-se inúmeras referências online, tal como o poder anti-inflamatório, antidepressivo ou eficácia na disfunção erétil, entre outros…
Curiosamente, também existem referências à mais famosa rainha do Egito, dizendo que Cleópatra se banhava numa infusão de leite de égua e açafrão antes de receber os seus amantes. Não sabemos se por causa dos seus efeitos sobre a performance sexual ou por se apresentar, depois do banho, com uma tonalidade corporal, tão apetecível e reluzente como o ouro.
Para além dessa especiaria, podem encontrar-se muitas outras, como o gengibre, os cominhos, a vagem de baunilha, cardamomo, as pimentas e tantos outros maravilhosos pós e ervas duma paleta de cores tão vasta. E além de todas estas, somos surpreendidos com um incrivelmente azul: o anil. Curiosamente, os comerciantes destes produtos põem-no lado a lado com as especiarias, como se pertencessem todos à mesma classe. Este misterioso pó azulão serve para branquear a roupa por forma a torná-la excecionalmente branca. Aparentemente, o anil lava mais branco, como o detergente mais famoso de Portugal.
Resta-me dizer que viajar faz bem à alma e que quando saímos do nosso pequeno retângulo geralmente trazemos connosco mais mundo, novas realidades, pessoas, cheiros, sensações e também novas inquietações. E é por isso que quando viajo gosto de estar atenta aos costumes, aos hábitos dos outros, de fazer perguntas, de saber como é que as pessoas fazem isto ou aquilo, mesmo que, por vezes, possa ser amigavelmente ludibriada.
-Sobre a Marta Crawford-
É psicóloga, sexóloga e terapeuta familiar. Apresentou programas televisivos como o AB Sexo e 100Tabus. Escreveu crónicas e publicou os livros: Sexo sem Tabus, Viver o Sexo com Prazer e Diário sexual e conjugal de um casal. Criou o MUSEX — Museu Pedagógico do Sexo — e é autora da crónica «Preliminares» na Revista Gerador.