fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Tiago Sigorelho

O nascimento de um novo museu

Nas Gargantas Soltas de hoje, o Tiago Sigorelho fala-nos sobre a exposição Amor Veneris: “arrisco-me a dizer que esta é uma das exposições mais interessantes e envolventes que visitei em muitos anos.“

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Conheci a Marta Crawford há cerca de 10 anos em circunstâncias curiosas durante uma viagem à Croácia. Quando digo conheci, estou a falar pessoalmente, claro. Já a conhecia pelos seus actos públicos e, acima de tudo, pela televisão.

Confio que faço parte de uma geração que foi extraordinariamente marcada pelo trabalho televisivo da Marta. Imaginem um contexto em que a escola evita falar de sexualidade, que os pais sentem embaraço em abordar este tema, que a igreja ainda dá visibilidade à sua luta contra o prazer sexual, que começa a haver o acesso simples e generalizado a filmes e revistas pornográficas.

É neste caldeirão incontrolável que se ergue uma voz tranquila e descontraída em todas as salas de estar do país. Alguém que era capaz de se exprimir com uma imensa leveza, sem dramatizar a linguagem codificada da ciência, nem permitir que deslizasse para o quase inevitável anedótico.

Não era óbvio, no entanto, que as famílias optassem por este programa televisivo nos seus serões. No mesmo sofá, a ver o que emanava da caixa mágica, sentavam-se miúdos e graúdos, gerando uma enorme tensão quando umas simples mamas surgiam numa novela, quanto mais num programa inteiro a versar sobre orgasmos e clitóris. Mesmo assim, as audiências foram incríveis. E necessárias.

Julgo que a Marta contribuiu enormemente para uma mudança estrutural na sociedade portuguesa: a capacidade de entranhar a sexualidade no nosso quotidiano. Até então, todos fugiam a sete pés deste enredo, quer por vergonha, quer por desconhecimento.

Mas ter sido uma das principais responsáveis por esta disrupção não foi suficiente. Estando mais consciente do que a maioria de nós de que há um longo caminho a percorrer até estarmos perfeitamente informados sobre o que a sexualidade encerra, sobre as consequências para a saúde mental das pessoas, sobre a definição dos seus comportamentos, lança-se numa nova ideia, muito mais ambiciosa.  

Tive a enorme sorte de ouvir, em antecipação, o que seriam as suas intenções para o Musex. Um novo espaço que proporcionasse a todos, independentemente das idades, do género, da escolaridade, da situação financeira, uma visão holística e pedagógica da sexualidade. Um local que, no fundo, preenchesse uma lacuna evidente.

Espantado com a sua energia e emoção inesgotável, fui, também, nessa altura, daqueles que lhe chamou de megalómana. E só mais tarde percebi como estava errado. Como pude esquecer tão rapidamente a transformação que ela já tinha originado? Como imaginei ser possível fazer uma revolução sem ser destemida?

Ontem foi colocada a primeira pedra deste museu, em forma de exposição. Amor Veneris, uma viagem ao prazer sexual feminino, é a primeira materialização do que o futuro museu pretende ser. Uma exposição que junta a arte e a ciência com o objectivo de consciencializar quem a visita sobre as dimensões mais importantes do prazer sexual feminino.

Sem nunca tirar a importância primordial da pedagogia, esta exposição prenuncia o que será o Musex. Um lugar que não desvaloriza o impacto da beleza, da orgânica e da experiência pessoal como melhor forma de transmitir a mensagem. Sei que sou tendencioso, mas arrisco-me a dizer que esta é uma das exposições mais interessantes e envolventes que visitei em muitos anos.

Para além da presença de obras de artistas nacionais e internacionais consagrados, muitas delas criadas de propósito para esta exposição, a Marta teve, ainda, o arrojo de chamar para junto de si a Fabrícia Valente, curadora, e os eternamente inquietos Os Espacialistas, responsáveis pela cenografia.

O Gerador também foi contagiado e ajuda com a programação de um apertado conjunto de iniciativas, desde conversas, workshops, visitas pop-up, showcases musicais e momentos para toda a família. Para além de lançar um novo projeto sobre a sexualidade feminina que agrega reportagens, um estudo à população portuguesa em parceria com o Musex e a Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e muitas outras provocações que em breve revelaremos.

A exposição Amor Veneris pode ser vista no Palácio Anjos, em Algés, até dia 30 de dezembro.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Tiago Sigorelho-

Formado em comunicação empresarial, esteve ligado durante 15 anos ao setor das telecomunicações, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca do Grupo PT, com responsabilidades das marcas nacionais e internacionais e da investigação e estudos de mercado. Em 2014 criou o Gerador e tem sido o presidente da direção desde a sua fundação. Tem continuamente criado novas iniciativas relevantes para aproximar as pessoas à cultura, arte, jornalismo e educação, como a Revista Gerador, o Trampolim Gerador, o Barómetro da Cultura, o Festival Descobre o Teu Interior, a Ignição Gerador ou o Festival Cidades Resilientes. Nos últimos 10 anos tem sido convidado regularmente para ensinar num conjunto de escolas e universidades do país e já publicou mais de 50 textos na sua coluna quinzenal no site Gerador, abordando os principais temas relacionados com o progresso da sociedade.

A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

26 Dezembro 2024

Partidas e Chegadas

19 Dezembro 2024

Que fome é esta?

12 Dezembro 2024

Israel will fuck you all

29 Novembro 2024

Tirar a cabeça da areia – parte II

21 Novembro 2024

(In)Suficiência do Direito Internacional e Segurança Humana

14 Novembro 2024

Nascimento

29 Outubro 2024

A solidão enquanto projeto, a mutualidade enquanto demanda

22 Outubro 2024

Não é complicado

15 Outubro 2024

Entre o Amor e a Rejeição: O Impacto da Família na Saúde Mental Negra LGBTQIA+

10 Outubro 2024

O México de Paul Leduc e arte polémica de “exergue – on documenta 14” no Doclisboa

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Assessoria e Escrita de Comunicados de Imprensa

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

16 Dezembro 2024

Decrescer para evitar o colapso

O crescimento económico tem sido o mantra da economia global. Pensar em desenvolvimento e em prosperidade tem significado produzir mais e, consequentemente, consumir mais. No entanto, académicos e ativistas pugnam por uma mudança de paradigma.

22 Julho 2024

A nuvem cinzenta dos crimes de ódio

Apesar do aumento das denúncias de crimes motivados por ódio, o número de acusações mantém-se baixo. A maioria dos casos são arquivados, mas a avaliação do contexto torna-se difícil face à dispersão de informação. A realidade dos crimes está envolta numa nuvem cinzenta. Nesta série escrutinamos o que está em causa no enquadramento jurídico dos crimes de ódio e quais os contextos que ajudam a explicar o aumento das queixas.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0