A dicotomia entre o sensível e o inteligível existe tanto quanto o não é. Uma gaveta não é só para as meias, ou só para os CDs, ou só para os talheres. O choro é Matemática e o choro são os dedos gentis da minha mãe a afagar o meu cabelo liso e tigelado. O abraço apertado de quem nos é querido navega mar fora, com um sistema de navegação de ponta, porque faz sentido. Naufragar é o risco calculado da conta que nunca fizemos. Entre o cálculo e o desfecho estão a brisa e as ondas, está a conversa de dois marinheiros que anseiam ver os seus filhos, está o bacalhau que serviram ao jantar, está o pequeno espelho em que o Capitão se olha todas as noites, antes de se deitar e relembrar a sua falecida esposa.
A divisória é tão larga que nada fica de fora. Como se a fronteira entre dois países ocupasse toda a sua extensão. E, por isso, só há um. Por mais que se queira definir a pertença de um território, pertence aos dois. A estranheza está, precisamente, em ansiar encontrar uma linha que não existe. É um tesouro que se procura incessantemente, não sabendo que não existe. É folha perene, de uma árvore demasiado alta, que teima em não cair. É o sufoco famulento de não termos aquilo de que nem sequer sabemos se precisamos. Oiço o riso do meu avô. Nunca nos conhecemos. O que sinto por ele existe tanto quanto ele é.
