Não é preciso um olhar muito atento para nos depararmos com um certo padrão de agressividade nos desportos masculinos, especialmente no futebol. Os ‘bate-bocas’ e as confusões durante um jogo de futebol masculino têm sido tão frequentes que uma criança poderá achar que fazem parte do desporto; contudo, um nível mais recorrente e acentuado de agressividade parece ter vindo a formar-se.
Sem poder ver todos os jogos de todas as ligas europeias, não será arriscado dizer que esta (nova) conduta altamente agressiva está disseminada e normalizada nas ligas de topo. Na primeira liga portuguesa é evidente. O mais recente episódio aconteceu no Sporting CP x CS Marítimo, mas o fenómeno é tão frequente que este texto arrisca-se a estar desatualizado. E estaria, se escrito no mesmo dia: este domingo registaram-se mais incidentes deploráveis, desta vez no final do FC Porto x Casa Pia AC, com Sérgio Conceição e Luís Gonçalves novamente no centro das atenções.
O mau comportamento não se regista apenas na liga portuguesa: em Espanha, os jogadores do FC Barcelona apressaram-se para o balneário, interrompendo os festejos do título de campeão, no campo do rival RCD Espanyol, quando adeptos da casa invadiram o relvado para pôr termo - imagina-se a forma - à festa blaugrana. Um pouco mais longe na geografia, o ACF Fiorentina x Udinese, em Itália, também terminou com altercações, tentativas de agressão, expulsões para cada lado e dirigentes no relvado a separar os jogadores – tudo no mesmo fim-de-semana; tudo observável sem pesquisa ou visualização exaustivas.
Voltando a Portugal, além dos jogos supramencionados, também o Boavista FC x Vitória SC e o FC Porto x FC Famalicão, para a Taça de Portugal, são exemplos de jogos com expulsões por comportamento agressivo. Mas mais do que atentar apenas para o drástico, visível, e, aparentemente (ou não) condenável, importa sublinhar a prática corrente de insultos à equipa de arbitragem. Consultando os relatórios de jogo aleatoriamente, são demasiado frequentes os episódios em que jogadores ou elementos da equipa técnica se excedem nas palavras e, por isso, nos comportamentos.
Poder-se-á argumentar que há, genericamente, demasiadas más decisões por parte dos árbitros, algo que com a ajuda do VAR se torna ainda mais incompreensível. É possível, mas a incompreensão não justifica a agressão. Com a ajuda do VAR, vemos várias más decisões a serem revertidas, mas nunca nenhuma, desde que vejo futebol, foi revertida por os jogadores gritarem, rodearem ou insultarem o árbitro. Na verdade, além de ser pouco inteligente, é contraproducente.
Observados por milhares de pessoas, os jogadores de futebol assumem papéis de relevo na sociedade. À maestria com a bola nos pés atribui-se uma credibilidade genérica que resulta numa imitação que, involuntariamente, extravasa jogar futebol – copia-se tudo, o melhor e o pior. Desta forma, não é de estranhar que nas camadas mais jovens ou no futebol amador se verifique uma igual (ou superior) frequência de confusão durante os jogos.
Para reverter a situação, é urgente uma pedagogia consciente e radical de que o comportamento agressivo, isto é, à margem das regras do jogo, não faz parte do mesmo. Aqui entra o papel de narradores e comentadores de futebol, no momento, e, posteriormente, da comunicação social. Lamentavelmente, o que se verifica em direto é complacência e normalização, com expressões como “ânimos exaltados que fazem parte” do futebol; não fazem - deixaram que fizessem.
Entregues à resignação de que de tão frequente só pode ser normal, as crianças são as principais prejudicadas, desde cedo sujeitas a cenas de violência como parte do desporto. A continuar assim, o futebol arrisca-se a não ser violento apenas para quem joga mas sobretudo para quem vê.