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Plataformas de encontros ou plataformas de procura? Lógica e dinâmicas de funcionamento

Conhecer alguém com quem, potencialmente, iniciar um relacionamento amoroso e o modo como a intimidade…

Texto de Redação

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Conhecer alguém com quem, potencialmente, iniciar um relacionamento amoroso e o modo como a intimidade é vivida têm vindo a passar por transformações. A que se deve? Em parte, ao aparecimento e consequente adoção de plataformas online de encontros (Hobbs et al., 2016), serviços que funcionam através da Internet no formato site e/ou aplicação de carácter gratuito ou pago e que são entendidos para procurar potenciais parceiros, cujas motivações de uso são de ordem afetiva, mas não exclusivamente. Funcionam numa lógica de sugestão de perfis, apresentados de acordo com um conjunto de critérios estabelecidos pelos utilizadores e pelas plataformas, assim como proporcionam o recurso a mecanismos específicos para os utilizadores comunicarem entre si (Sepúlveda, 2023).

Ao longo da vida, são apontados pelos utilizadores vários acontecimentos que justificam o recurso a tais serviços O mais imediato, e talvez o mais evidente, é o fim de um relacionamento. Mas a mudança do local de residência, um novo emprego, a realização de viagens ou até as alterações ou a estagnação das redes sociais tradicionais, nomeadamente do grupo de amigos, são alguns dos demais acontecimentos apontados (Sepúlveda & Vieira, 2020). Casos específicos como doença ou desemprego, que podem levar a algum isolamento social, também fazem parte desta lista.

Os motivos para usar plataformas de online dating são igualmente variados. O mais referido é socializar, ao qual se junta a procura de parceiro/a sexual e de uma pessoa com quem desenvolver um relacionamento. Os amigos desempenham um papel importante ao influenciarem o uso. Utilizadores indicam que a pressão ou a insistência por parte daqueles, a sugestão ou até a partilha de experiências positivas fazem com que acabem por se registar, ainda que possa ser apenas para perceber como funciona (Sepúlveda & Vieira, 2020). A estes fatores junta-se a curiosidade, existindo até quem mencione, num espectro lúdico, a utilização apenas numa ótica de entretenimento (Timmermans & Courtois, 2018). A variedade de acontecimentos e motivos que levam ao uso enquadra-se não só nas necessidades que os utilizadores pretendem satisfazer, mas também na forma como estes serviços são entendidos. Muitas vezes resultam não só de como são classificados pelos media ou por utilizadores, mas também de como estes se identificam. Frases como «Encontros, Amigos & Conhecer Pessoas», (Tinder), «Encontros, Chat, Conhecer Pessoas e Networking» (Bumble) ou «Amizades, Chats, Namoros» (Badoo) fazem parte da sua apresentação.

Não obstante, recorrer a meios de comunicação com o objetivo de conhecer outras pessoas não é novidade. No que diz respeito às tecnologias de informação e comunicação digitais, que funcionam através da Internet, desde a década de 90 que salas de chats, fóruns e sites se têm posicionado, ou têm sido apropriados, como serviços através dos quais é possível conhecer novas pessoas para algo mais do que uma amizade.

Ao longo do tempo, o formato destes serviços, a lógica de funcionamento, a capacidade de resposta e a tipologia na oferta têm-se alterado, adaptando-se ao mercado e à tecnologia disponível. Se outrora o acesso a plataformas de online dating acontecia com recurso a computadores de grandes dimensões, fixos e até, num primeiro momento, de uso partilhado, atualmente o mais comum é acontecer através de aparelhos de pequenas dimensões de uso individual e que cabem num bolso.

Os smartphones, como aparelhos que têm vindo a influenciar o modo como é realizado um conjunto de tarefas no dia a dia de grande parte dos indivíduos, também têm impactado a forma como é possível conhecer novas pessoas. A sua adoção e o conjunto de possibilidades inerentes ao seu funcionamento e utilização introduziram novas dinâmicas alterando parte do paradigma relacional (Sumter & Vandenbosch, 2019).

É comum que aspetos-chave relativos à lógica de funcionamento de serviços de online dating residam em características do smartphone. Estes recorrem ao potencial do ecrã para mostrar perfis de utilizadores, ao acesso à localização para sugerir perfis em função da distância, à possibilidade do recurso à câmara, áudio e microfone para realizar videochamadas, ou à oportunidade de poder notificar o utilizador sempre que algo novo acontece, mencionando apenas algumas potencialidades.

Com a independência das redes tradicionais, como os amigos ou a família, ou de locais comuns, como a escola, o trabalho ou bares, através de um aparelho de pequenas dimensões e portátil, é possível, sempre que haja ligação à Internet, estar online, ver perfis de outras pessoas, conversar com elas e marcar encontros. Tudo isto pode acontecer com apenas uma diferença de minutos. As plataformas de online dating, e no contexto atual especificamente as aplicações móveis de dating, isto é, programas computacionais desenvolvidos para serem usados em aparelhos móveis, constituem assim um novo desenvolvimento no que diz respeito à história dos relacionamentos amorosos. Como tal, devem ser entendidas como parte da cultura, evidenciando a escolha individual de cada pessoa (Bandinelli & Gandini, 2022).

Uma pesquisa na app Store (iOS) e Google Play (Android) – lojas digitais onde é possível fazer o download de tais aplicações –, através de expressões como «conhecer pessoas», «namoro» ou «sexo», devolve centenas de resultados (Sepúlveda, 2020). Entre esses resultados surge o Tinder, serviço que nasceu em 2012 no formato aplicação e pensado para smartphone. É, em contexto de online dating, tomado como referência e muitas vezes apontado, devido à sua lógica de funcionamento e princípios de utilização, como uma aplicação para engate e para quem só procura sexo (Licoppe, 2020). Entre as aplicações disponíveis no mercado, está constantemente no top das que acumula mais utilizadores e das que gera mais receita (Curry, 2023).

Porém, não foi pioneira. Juntou-se ao Grindr, app dirigida a homens homossexuais, bissexuais, pessoas trans e pertencentes à comunidade queer1, disponível desde 2009, e a estas juntou-se, em 2014, o Bumble, a app em que são as mulheres quem dá o primeiro passo, «mudando assim as normas e os padrões antiquados»2. Referindo assim algumas das aplicações mais populares.

Analisando a oferta de aplicações de online dating ao longo dos anos, verifica-se que não só aumentou o número, mas também a diversidade destas no que diz respeito ao posicionamento. O objetivo parece ser ir ao encontro de públicos específicos. Assim, é possível encontrar no mercado oferta em função de características como a orientação sexual, o género ou tipo de relacionamento sexual ou amoroso e aplicações pensadas para a comunidade LGBTQ+. Mas também aqueles serviços que se posicionam em função de crenças religiosas, ideologias políticas ou até de acordo com a idade. Ou então aquelas baseadas em interesses, estilos de vida ou tendências, que podem ser muito variados. Desta forma as aplicações de online dating atendem a um conjunto de necessidades muito maior. São exemplos aplicações cujo público-alvo são pessoas poliamorosas, veganas, católicas ou, por exemplo, utilizadores com mais de 50 anos.

Independentemente do tipo de aplicação ou público, um aspeto comum a tal mercado é o facto de o número de utilizadores destes serviços ter registado um aumento. Dados apontam para 323 milhões de utilizadores a nível mundial em 2022 (Statista, 2022). No que diz respeito ao contexto português registam-se 1 milhão e 282 mil utilizadores não pagantes e 76 400 utilizadores pagantes. Na classificação binária de género, 66,6 % indicam ser do género masculino e 33,3 % do género feminino. Quanto a idades, as faixas etárias que concentram maior número de utilizadores são 25–34 anos e 35 44 anos acumulando 33,3 % respetivamente (Statista, 2023). Em retrospetiva e tomando como referência os dados disponíveis, de 2017 para 2022, o número de utilizadores cresceu 39 %. Estes dados podem levar a crer que o uso está mais democratizado e normalizado, porém, ainda existe estigma social associado a este tipo de serviços. Este facto põe em evidência normas culturais tradicionais ainda fortemente enraizadas e um juízo preconcebido. Tal preconceito conduz também a um questionamento da legitimidade de tais serviços, das suas possíveis vantagens e efeitos na formação de relacionamentos e nos papéis desempenhados por estruturas tradicionais.

A utilização de plataformas de encontros obriga ao registo. Nesse momento é celebrado um contrato entre o utilizador e a empresa que presta o serviço. O utilizador aceita os termos e condições de funcionamento, nomeadamente facultar os seus dados e dados resultantes do uso, assim como concorda em cumprir as regras impostas.

Consequentemente terá de criar um perfil. O objetivo é que, através deste, se apresente. Pode acontecer através de fotografias, vídeo ou texto, com recurso a dados genéricos ou mais específicos, através da resposta a perguntas já pré-estabelecidas pelas plataformas ou campos de escrita livre, mais ou menos extensos. O resultado será o produto das possibilidades e das regras da plataforma, que condicionam o que cada um pode mostrar e dizer sobre si, combinado, claro, com o que cada pessoa decide ou considera indicado partilhar.

Nas operações de sugestão dos perfis, que vão sendo mostrados como potenciais correspondências, estão envolvidos algoritmos, isto é, um conjunto de instruções que são realizados de forma metodizada com o propósito de executar essa tarefa. Ainda sem ser claro como funcionam os algoritmos das plataformas de online dating, estes têm em conta dados considerados estáticos – informações que fazem parte do perfil – e dados dinâmicos – resultantes da própria utilização como, por exemplo, frequência de utilização, perfis que gosta ou não ou com quem vai sendo correspondido (Sepúlveda, 2023).

Nas aplicações mais populares, a decisão face aos perfis sugeridos é tomada através do movimento de deslizar a informação que aparece no ecrã – swipe. Este é percecionado como o ato de expressar uma escolha, tendo vindo a ser progressivamente incluído como parte de uma linguagem e prática cultural. Deslizar para a direita é sinal de que o perfil interessou, deslizar para a esquerda significa rejeição. O deslizamento mútuo para a direita entre dois utilizadores resulta na correspondência. A título de curiosidade, o Tinder reporta 1,6 mil milhões de swipes e mais de 30 milhões de correspondências diariamente (Barnett, 2023).

O passo natural, após uma correspondência, será iniciar uma conversa. O conteúdo desta também está condicionado às regras da plataforma. Nem todo o tipo e formato de comunicação são permitidos. Haver uma correspondência não é garantia de uma conversa. Quando acontece, nada assegura que haja resposta, que a conversa seja significativa ou até que esta não termine abruptamente, sem qualquer tipo de motivo aparente para tal e sem avisar o outro. Tal comportamento, apelidado de ghosting, tem sido registado como uma prática comum nas plataformas de online dating. Ainda que seja permitido pelo contexto – meio digital, sem interação presencial –, não deixa de colocar em evidência o que os utilizadores consideram ser correto ou não fazer, dizendo tais atitudes mais sobre si do que sobre as próprias plataformas (Timmermans et al., 2021).

Tendo em conta o princípio subjacente às plataformas de online dating, está-se perante um mercado de relacionamentos organizado por instituições económicas. No contexto de uma sociedade onde as estruturas sociais tradicionais podem deixar de ser tão significativas no que a relacionamentos diz respeito, os indivíduos confrontam-se com a sua liberdade de escolha e também com o peso da responsabilidade de eleger. Perante tal ambiente, as plataformas de encontros posicionam-se como uma solução ao oferecer aos utilizadores acesso a um conjunto potencialmente infinito de parceiros. Porém, não sem antes criarem regras e um negócio em que os utilizadores e as suas emoções são tomados como moeda de troca (Illouz & Kotliar, 2022).

Estas e outras lógicas inerentes ao funcionamento e consequente utilização das plataformas de online dating originam argumentos que apontam para o facto de estes serviços serem mais de procura do que de encontros em si (Fisher, n. d.). As sugestões baseadas em cálculos algorítmicos não garantem sucesso, seja ele definido como cada um entender. Afinal o que as plataformas fazem é sugerir perfis. O que pode resultar daí? Dependerá, em muito, das intenções, vontades e capacidades de cada pessoa.

O que as plataformas garantem é que, qualquer que seja o resultado da experiência, embora se deseje positivo, o utilizador pode voltar, desde que cumpra as regras, e se assim o desejar. Para tal, basta abrir a aplicação que instalou no smartphone.

1www.grindr.com | 2www.bumble.com

Referências

Bandinelli, C., & Gandini, A. (2022). Dating Apps: The Uncertainty of Marketised Love. Cultural Sociology, 16(3), 423–441. doi:10.1177/17499755211051559.

Barnett, L. (2023). Tinder Statistics 2023 & Fun Facts That You Didn’t Know Before. DatingZest. https://datingzest.com/tinder-statistics/.

Curry. D. (2023). Top Grossing Apps (2023). Business of apps. https://www.businessofapps.com/data/top-grossing-apps/.

Fischer, H. (n.d.). Technology hasn’t changed love. Here’s why. TED. https://www.ted.com/talks/helen_fisher_technology_hasn_t_changed_love_here_s_wh.

Illouz, E. & Kotliar, D. M. (2022). Capitalist Subjectivity, Tinder, and the Emotionalization of the Web in Llamas, R. Russell Belk, R. (Eds). The Routledge Handbook of Digital Consumption. Routledge.

Licoppe, C. (2020) Liquidity and attachment in the mobile hookup culture. A comparative study of contrasted interactional patterns in the main uses of Grindr and Tinder. Journal of Cultural Economy, 13:1, 73-90, doi: 10.1080/17530350.2019.1607530.

Sepúlveda, R. & Vieira, J. (2020). Motivações para o uso de aplicações de online dating no contexto português: a relevância dos turning points. Análise Social, 2, 235, pp. 300-330. doi:10.31447/as00032573.2020235.04

Sepúlveda, R. (2020). Conhecer pessoas, namoro e sexo: as respostas da App Store. MediaLab. https://medialab.iscte-iul.pt/conhecer-pessoas-namoro-e-sexo-as-respostas-da-app-store.

Sepúlveda, R. (2023). Swipe, match, date. Arena. Penguin Random House.

Statista. (2023). Online Dating – Portugal. https://www.statista.com/outlook/dmo/eservices/dating-services/online-dating/portugal.

Statista. (2022). Online Dating – Worldwide. https://www.statista.com/outlook/372/100/online-dating/worldwide.

Timmermans, E. & Courtois, C. (2018). From swiping to casual sex and/or committed relationships: Exploring the experiences of Tinder users. The Information Society, 34, pp. 59-70. doi: 10.1080/01972243.2017.1414093.

Timmermans, E., Hermans, A.-M., & Opree, S. J. (2021). Gone with the wind: Exploring mobile daters’ ghosting experiences. Journal of Social and Personal Relationships, 38(2), 783–801. doi:10.1177/0265407520970287.

Sumter, S.R. & Vandenbosch, L. (2019). Dating gone mobile: Demographic and personality-based correlates of using smartphone-based dating applications among emerging adults. New Media Soc., 21 (3), pp.655-673, doi: 10.1177/1461444818804773.

- Sobre a Rita Sepúlveda -

Rita Sepúlveda é doutorada em Ciências da Comunicação (Cies-Iscte). O seu trabalho de investigação tem-se focado, maioritariamente, nas dinâmicas inerentes à utilização de plataformas de encontros e à caracterização dos seus utilizadores. Criou e coordena o DatingLab (Cies-Iscte).
Atualmente é investigadora de pós-doc no ICNOVA – Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa conduzindo o projeto Status: in a relationship with apps. Apps dynamics in the context of romantic relationship management.
Como professora convidada tem tido a oportunidade e o prazer de partilhar o seu conhecimento nomeadamente no que diz respeito a métodos de investigação. É autora de vários artigos científicos tendo recentemente publicado o livro: Swipe, match, date.

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