*Esta é uma crónica do Pedro Pires, inicialmente publicada na Revista Gerador de março, lançada no dia 6 de março de 2020
O tempo não existe.
Interessa o impacto que a sua ou não existência tem no processo criativo.
Para um artista ou um criativo, o tempo tem essencialmente duas dimensões.
A dimensão da equação tempo disponível para criar versus esforço versus rendimento previsto.
A dimensão do enquadramento conceptual da obra no seu tempo e as interações simbólicas que daí possam resultar. A segunda é a discussão permanente da arte e razão existencial do artista.
A primeira tem diferentes perspetivas. Que a falta de tempo veio criar uma pressão no processo criativo que põe em causa a qualidade do produto artístico e criativo.
Que obrigatoriamente tendemos para a descartabilidade da arte e das ideias.
Que tendemos para uma progressiva mimetização e padronização cultural.
Que existe um impacto tremendo do «tempo digital» na atividade artística: na pertinência, na relevância, no impacto social e na memória do objeto artístico.
Para um artista, há na verdade uma perspetiva prática que importa elaborar, especialmente no que se refere à relação entre artistas e ou criativos e marcas e ou universos comerciais e o tempo que eles impõem: o impacto do tempo efetivo disponível para criar.
A segunda é a do tempo de exibição e atenção.
A terceira é a do tempo de rotação e de renovação.
A quarta é do tempo de reinvenção e pesquisa.
A ideia de que a mudança do conceito de tempo apenas proporciona uma renovação na forma de produção cultural, e que é responsável por um admirável mundo de possibilidades, tem tanto de vanguardista como de reacionária.
É verdade que a digitalização veio libertar a imagem e a ideia, renovar o interesse pela arte e pelos museus, disponibilizar ferramentas e um revolucionário acesso à informação.
E para quem nasceu já nesta época este é o ciclo natural da vida.
Mas negar a pressão existente hoje sobre um artista ou sobre um criativo e o impacto que isso tem na disponibilidade para a pesquisa, inovação, para a técnica e para o pormenor é o caminho mais rápido para o relativismo, essa insidiosa arma do imediato.
A ilusão é a de pensar que ele tudo cura. Mesmo não existindo.
-Sobre o Pedro Pires-
É CCO/CEO da Solid Dogma. O que quer dizer que é criativo, mas que também tem outro tipo de responsabilidades enquanto não aparecem outras pessoas que façam melhor o serviço. É o autor da crónica «Constructo Constritor» na Revista Gerador.